Recentemente, a Leite Brasil divulgou o ranking de laticínios, levando em conta a produção adquirida em 2010. Ainda que a ausência da BRF tenha impacto nos resultados (assim como a Tirol, de Santa Catarina, que certamente figuraria no ranking), como o levantamento é realizado anualmente, é interessante analisar o comportamento desses resultados ao longo dos anos, identificando possíveis tendências.
A tabela 1 traz o ranking, considerando as 12 primeiras em função da padronização do número de indicados, em 4 períodos distintos: 1999, 2004, 2009 e, agora, 2010.
Os laticínios foram classificados de acordo com o capital: as cooperativas em vermelho, as multinacionais em preto e as empresas de capital nacional, em azul (a Parmalat em 1999 era ainda uma multinacional). Um primeiro ponto que chama a atenção nesses 11 anos é que houve pouca alteração se considerarmos a origem do capital. As cooperativas, por exemplo, passaram de 4 empresas em 1999, para 5 em 2004 e 2009, e 4 novamente em 2010.
Pode-se argumentar que o número de empresas não conta toda a verdade, pois seria possível manter 4 ou 5 cooperativas, mas com captação menor. O cálculo da quantidade de leite captada por essas cooperativas daria então uma visão mais clara. O gráfico 1, dessa forma, mostra a porcentagem do leite captado pelas cooperativas ao longo destes anos. A título de exemplo, em 1999 as 4 cooperativas captaram 25,6% do leite das 12 maiores, contra 23,5% no último ano. Uma variação muito pequena se considerarmos o espaço de mais de uma década de grandes transformações na economia.
Tabela 1: Ranking de laticínios pelo levantamento Leite Brasil/CNA/OCB/CBCL/Embrapa Gado de Leite
É evidente que não é possível extrapolar esses dados para o Brasil todo; é uma hipótese possível que as cooperativas tenham uma participação maior entre as pequenas e médias empresas do setor. Um fato a se considerar é que uma das cooperativas listadas - a Centroleite - apenas comercializa o leite, sem processamento; se o objetivo fosse calcular a participação das cooperativas no leite processado, o resultado seria diferente. Também, o mesmo ocorreria se a BRF estivesse presente nos dados.
Não se pode negar, no entanto, que a competição se acirrou nos últimos anos: 2 grupos com grande poder de fogo chegaram para valer, além de outras empresas nacionais que cresceram. As cooperativas precisam modernizar sua gestão, agilizar a tomada de decisão e criar mecanismos de captação de recursos que façam frente a essa nova realidade.
Gráfico 1. Captação porcentual de leite das cooperativas, no ranking das 12 maiores, de acordo com ranking da Leite Brasil/CNA/OCB/CBCL/Embrapa Gado de Leite
É interessante notar também, voltando a tabela 1, que a participação das multinacionais não tem aumentado nesses anos, a despeito do forte crescimento do setor, da economia brasileira e da significativa atração de recursos estrangeiros para empresas de diversos segmentos. Com base nisso - e considerando que o setor continuará crescendo - devemos esperar nos próximos anos a entrada de novos competidores de peso no setor? Ou há problemas estruturais, ou ainda dúvidas sobre a capacidade do Brasil suprir sua demanda crescente de forma competitiva, que têm freiado o desembarque de competidores globais? É uma questão interessante, a ser discutida em outro artigo.
Um outro aspecto que vale a pena analisar é a concentração no setor, um aspecto sensível em um momento de fusões e aquisições, como as verificadas desde 2006. Novamente, uma surpresa. O gráfico 2 mostra que, de 1999 para cá, os números não chamam a atenção comparado ao que a intuição nos indicaria.
Na verdade, analisando os dados das 12 maiores, o setor era mais concentrado em 1999 do que 11 anos depois, embora em ambos os casos os valores indiquem concentração menor do que muitos outros segmentos do agronegócio e do que o próprio setor de laticínios em diversos outros países. Isso indica que o mercado no geral apresenta boa concorrência e, para o produtor, isso é positivo. Indica também que empresas de médio e pequeno porte tem crescido tanto quanto as grandes, em participação porcentual. Há, no entanto, uma tendência de aumento na concentração, que deve se intensificar.
No gráfico 2, analisamos a participação da primeira empresa em relação ao total inspecionado, bem como da segunda+terceira, quarta+quinta, as 5 primeiras e as 12 primeiras. No gráfico 3, a mesma coisa, porém considerando agora a produção total de leite e não apenas a inspecionada (observação: consideramos a produção de 2010 como sendo de 30,652 bilhões - não temos ainda os dados da produção informal para utilizar o valor oficial).
Gráfico 2. Concentração no setor de laticínio, de acordo com ranking da Leite Brasil/CNA/OCB/CBCL/Embrapa Gado de Leite - % da produção inspecionada
Gráfico 3. Concentração no setor de laticínio, de acordo com ranking da Leite Brasil/CNA/OCB/CBCL/Embrapa Gado de Leite - % da produção total
Novamente, a ressalva da BRF e da Tirol: com elas, acredito que a participação das 12 principais atingiria algo próximo a 46% da produção inspecionada e 31% da total, indicando uma concentração maior, mais ainda em níveis modestos. Contra essa ressalva, vale o fato de que nos rankings anteriores algumas empresas também não estavam presentes, como é o caso da Italac, que já deveria ocupar a posição que ocupou no ranking 2010, de forma que a comparação deste trabalho entre os anos continua válida.
Um outro dado interessante de se analisar é a participação do leite de terceiros, o chamado leite spot. O gráfico 4 traz a evolução deste índice. Não temos os dados de 1999, mas nota-se uma elevação do spot de 2004 para os últimos 2 anos, atingindo 22,6% em 2010. É válido notar que a estratégia varia entre as empresas. As cooperativas, logicamente, têm uma porcentagem menor, ao passo que algumas das demais empresas, maior. O caso mais emblemático é o da líder DPA, que vem trabalhando com cerca de 38% do leite captado de terceiros.
Gráfico 4. Participação do leite spot no total adquirido pelas 12 maiores, de acordo com ranking da Leite Brasil/CNA/OCB/CBCL/Embrapa Gado de Leite
Por fim, analisemos a evolução da produção por produtor. É nesse índica que reside a principal evolução. As 12 maiores tiveram crescimento de 128% na produção diária de seus produtores (gráfico 5), e o crescimento tem sido constante: de 108 kg em 1999, para 187 kg em 2004, 227 kg em 2009 e finalmente 247 kg em 2010.
Gráfico 5. Evolução na produção por produtor, considerando as 12 maiores, de acordo com ranking da Leite Brasil/CNA/OCB/CBCL/Embrapa Gado de Leite
São dois os principais fatores por trás desse crescimento. Primeiro, os bônus por volume, que norteiam a estratégia de captação de leite dos laticínios. Segundo, o crescimento da renda per capita, do emprego e do custo de oportunidade da mão-de-obra, que força a maior produção por módulo produtivo.
Torsten Hemme, coordenador do IFCN, que monitora custos de produção de fazendas no mundo inteiro, fez uma observação interessante: em lugares onde o custo da mão-de-obra é de US$ 0,20/hora (Paquistão, Índia), 2 vacas são suficientes para manter um produtor, dado o baixíssimo custo de oportunidade do trabalho; em lugares onde o custo é de US$ 2,00/hora, já são necessárias em média 20 vacas; e, finalmente, se o custo é de R$ 20,00/hora, o produtor precisa ter 200 animais para obter a renda compatível com essa remuneração. Essa constatação sugere que teremos um incremento significativo no módulo de produção de leite, considerando que o país apresenta incremento da renda nas camadas mais pobres, fruto do aquecimento da economia (e dos programas governamentais de auxílio à renda).
Ainda nesse quesito, é oportuno comparar a evolução do módulo de produção de quatro empresas, sendo duas cooperativas e duas multinacionais: Itambé, Centroleite, Nestlé/DPA e Danone (a Danone não figurava entre as 12 em 1999, mas temos os dados pois naquela edição foram listadas as 15 maiores). O gráfico 6 mostra que todas elas tiveram incremento no módulo de produção, mas as multinacionais apresentaram resultados bem superiores às cooperativas. De certa forma, isso era esperado até em função do caráter mais social da atividade cooperativa e de eventuais dificuldades políticas decorrentes de uma estratégia mais agressiva de remuneração por volume mas, sem dúvida, representam um fator adicional de desafio às cooperativas, uma vez que uma menor produção por fazenda indica custos de transação mais elevados.
Gráfico 6. Evolução na produção por produtor, considerando 4 empresas do setor, de acordo com ranking da Leite Brasil/CNA/OCB/CBCL/Embrapa Gado de Leite