Nesse contexto, a produtividade da mão-de-obra é secundária. Lembro-me de uma visita a uma fábrica de ar-condicionado em Guangzhou, no sul da China, em que o proprietário da empresa foi questionado se o baixo índice de automação da fábrica não seria um fator de redução da competitividade da empresa. Calmamente, o empresário respondeu que enquanto o custo de mão-de-obra por máquina produzida ficasse abaixo de US$ 1,00 como naquele momento era, esta não seria uma preocupação da empresa.
Em menor proporção, o Brasil também surfou na onda da mão-de-obra barata, uma vantagem comparativa que vem desde a época da escravidão.
No entanto, com os ganhos de renda verificados nos últimos anos, especialmente nas faixas de renda mais pobres, o jogo começa a mudar. O salário mínimo tem subido mais do que os produtos comercializados. A figura 1 traz os dados relativos ao leite. De 1991 para cá, enquanto o índice de preço real do leite caiu 33%, o salário mínimo mais do que dobrou de valor. Do ponto de vista de poder aquisitivo visando o consumo de lácteos, esses números são sem dúvidas interessantes, mas quando se volta a análise para a eficiência produtiva, a situação começa a preocupar.
Observando a evolução do poder de compra do leite em relação à mão de obra verificou-se que em 1991 eram necessários 202 litros de leite para pagar um salário mínimo. Em 2009, foram necessários 706 litros de leite. Em outras palavras, enquanto um determinado volume de leite contratava um funcionário em 1991, hoje esta mesma quantidade contrata apenas 1/3 deste funcionário. Nesta análise existem duas possibilidades: 1) ou o funcionário produz pelo menos três vezes mais leite do que ele produzia antes; 2) ou uma parte do lucro com a produção de leite desapareceu no salário do funcionário.
Figura 1 - Índice de preço real do leite e do salário mínimo (1991 = 100)
A questão é que, apesar dessa mudança verificada nos últimos 20 anos, mais especificamente na última década, a impressão que se tem é que ainda pensamos em custos de mão-de-obra como se fosse um fator secundário na composição da competitividade. Produtividade da mão-de-obra é um conceito pouco aplicado no setor.
Felizmente, a situação parece estar começando a mudar, até porque começam a surgir evidências de que a valorização da mão-de-obra, aliada a sua baixa produtividade, nos colocam em situação de desvantagem perante outros competidores, ainda que nosso custo absoluto da hora trabalhada esteja ainda bem abaixo do verificado na Europa, na América do Norte e na Oceania: o salário médio por horas trabalhadas nas fazendas brasileiras é 1/4 do verificado na Nova Zelândia e Austrália, 1/3 do pago nos Estados Unidos e menos de 1/5 do pago na Dinamarca.
As figuras 2 e 3 ilustram essa constatação. Na primeira figura, fica evidente que o salário médio nas fazendas brasileiras está abaixo do verificado nas principais regiões produtoras. No entanto, ao se computar o custo por litro produzido, nosso diferencial já não existe em relação a vários competidores. E, a continuar o aumento da renda média, a redução da desigualdade, a migração para os grandes centros e o aumento das oportunidades de trabalho, esse processo vai continuar.
Figura 2 - Custo da mão de obra: salário médio na fazenda (US$/hora)
Figura 3 - Custo da mão de obra: US$/100 kg leite
Começam a surgir trabalhos mostrando que a produtividade da mão-de-obra é um fator bastante relacionado à rentabilidade. Um destes trabalhos foi a tese de doutorado realizada na Universidade Federal de Lavras pelo pesquisador da Embrapa Gado de Leite, João Cesar Resende (sob orientação do Prof. Marcos Neves Pereira), que analisou 159 fazendas do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba participantes do projeto Educampo. Ele verificou que as fazendas com rentabilidade positiva apresentaram custo de mão-de-obra contratada de R$ 0,08/litro em média, ao passo que as com rentabilidade negativa tiveram custo médio de R$ 0,15/litro, quase o dobro. Interessante notar que a eficiência do uso de mão-de-obra contratada teve correlação maior com a rentabilidade do que a produção de leite por área, um parâmetro muito mais prevalente nos textos e palestras a respeito de rentabilidade do que a mão-de-obra, ainda relegada a um segundo plano.
Esses dados foram apresentados durante o Simpósio Interleite, realizado no mês de agosto em Uberlândia. Nesse mesmo encontro, o neozelandês Craig Bell, sócio da fazenda Leitíssimo, de produção a pasto irrigado no Oeste da Bahia, mostrou uma figura muito parecida com a figura 1 para explicar porque desenvolveram um sistema de produção com alta produtividade por homem.
Recentemente, no site MilkPoint, o produtor Roberto Jank Jr. escreveu que ficou surpreso ao ver regiões dos Estados Unidos antes em decadência, tendo agora projetos de até 500 mil litros/dia, com altíssima eficiência dos fatores de produção, cumprindo todos os rígidos requisitos ambientais e gastando US$ 0,28/litro (R$ 0,50/litro).
Pode-se argumentar, com alguma razão, que a atividade leiteira no Brasil é muito heterogênea e que uma análise única não se faz correta. O trabalho da Embrapa avaliou o parâmetro mão-de-obra contratada, não imputando valores para a mão-de-obra familiar, mais difícil de ser contabilizada. Desta forma, propriedades com alto índice de mão-de-obra familiar, de acordo com a metodologia adotada para a análise, têm vantagens.
Não é objetivo desse artigo discutir se o uso de mão-de-obra familiar é mais vantajoso, ainda que se reconheça que muitas das regiões que crescem em produção apresentam propriedades tipicamente familiares.
A questão de fundo, porém, permanece. Pode demorar mais tempo ou menos, pode prevalecer mais em uma região do que em outra, mas o fato é que o custo da mão-de-obra tem passado por uma apreciação nos últimos anos e isso já aparece quando analisamos nossa competitividade em comparação a outros países, e mesmo entre as propriedades de uma mesma região.
Nesse ponto, é válido lembrar que uma das relações econômicas mais antigas para a formação do preço de um bem, refere-se a lei da oferta e da demanda. Ou seja, o preço de um bem é mais baixo quanto mais abundante for a oferta daquele bem. Por outro lado, a escassez de um produto implica em preços mais elevados. É o caso da mão de obra no Brasil, que é relativamente mais barata que em outros países, pois existe em maior abundância. Isso ajuda a explicar porque nossa produtividade em litros por homem-hora de trabalho é baixa. Todavia, a pressão para melhoria de eficiência tende a aumentar, já que os fatores de produção são escassos e seus preços vão subir. No caso da mão de obra, isso já é percebido.
Ainda, no Brasil, é preciso considerar também questões ligadas à legislação trabalhista, que oneram significativamente os salários, dificultam a contratações e geram alto custo de contratações e demissões. Estudos do Banco Mundial sobre burocracia e custos na contratação de mão de obra colocam o Brasil em uma das piores posições entre os países em desenvolvimento, sendo uma importante restrição ao investimento no país.
Cada vez mais, portanto, o conceito de mão-de-obra barata impulsionando a competitividade será coisa do passado, sendo substituído pela necessidade de utilização mais eficiente desse recurso.