Àquela altura, eu já sabia que minha vocação não era a consultoria em fazendas, o que me trouxe uma enorme frustração, já que durante toda a faculdade e depois no mestrado em Ciência Animal e Pastagens, havia me direcionado para essa carreira. É uma sensação estranha, com 6 anos de formado, você perceber que tomou o bonde errado!
Ao vender a empresa de mapeamento de fazendas, comecei a pensar seriamente em voltar para o leite, que havia gradativamente deixado de lado. Leite tem dessas coisas: quem sai, um dia volta! Vale lembrar que, naquela época, leite era muito difícil. Não que seja fácil hoje, mas era uma atividade sui generis: quem investia em tecnologia perdia dinheiro. Os preços eram bem mais baixos, as importações eram maciças, a inovação na indústria era incipiente e a qualidade em geral dos serviços, maquinários e implementos disponíveis era bem pior se comparada com a atualidade. Tínhamos pouco acesso à informação de qualidade e estávamos tateando em muitos dos conceitos que hoje são rotineiros. Sim, evoluímos bastante nesses últimos 15 anos. Nossa produção pulou de menos de 20 bilhões de litros, para mais de 34 bilhões.
Ao conversar com meu orientador do mestrado, o professor Celso Boin, sobre minha ideia “maluca” de criar um portal de informações técnicas para o setor lácteo, reunindo professores e consultores de destaque como colunistas e trazendo notícias do mundo lácteo, fui surpreendido pela sua resposta: estou me aposentando e quero ser seu sócio nisso. Celso Boin era e ainda é um dos maiores especialistas em pecuária de corte no país. Nascia, assim, o MilkPoint e o BeefPoint, sob o guarda-chuva da AgriPoint. No dia 06 de abril de 2000, o MilkPoint foi ao ar; no dia 27 de maio de 2000, foi a vez do BeefPoint.
É preciso contextualizar uma série de fatores naquela época inicial dos negócios em internet. Não havia facebook, youtube, twitter, instagram.... Pessoal, o Google não tinha 2 anos de vida. Não havia sequer banda larga, ou se havia, era muito restrita. Não tínhamos banda larga no escritório da AgriPoint. A conexão com a internet era feita em conexão discada, na única linha disponível. Para publicar o conteúdo nos sites, o telefone era desligado. Não havia também muitos bons programadores de sites e nós sofremos vários anos com isso. Colocar um simples formulário de contato gerava dores de cabeça.
Claro que a nossa precária condição de investimento contribuiu para esse cenário. Não tínhamos capital e, portanto, não tínhamos grandes expectativas de escalar o negócio. Para complicar, o final de 1999 e o início do ano 2000 foram caracterizados pelo boom dos sites de agronegócio. Muito dinheiro foi colocado nesses portais, na casa de dezenas de milhares de dólares, com o intuito de obter rapidamente um grande número de leitores e passar o “pepino” para frente (talvez alguns deles imaginassem que poderiam ter negócios rentáveis em menos de 5 anos, mas aposto que vários sabiam que não daria). Os modelos de negócio eram todos baseados em comércio eletrônico, com o valor do negócio sempre atrelado ao montante de insumos consumido pelos produtores. Só que ninguém usava a internet para comprar, ainda mais no meio rural.
Lembro-me de 3 episódios marcantes que ocorreram nos primeiros meses de vida do MilkPoint. No primeiro deles, fui ao Agrishow carregando uma daquelas pastinhas surradas que a gente ganha em eventos, contendo alguns folhetos de layout duvidoso, para divulgar o MilkPoint e o BeefPoint. Ao chegar lá, percebi que os maiores estandes eram destes portais – muitos deles literalmente pagando para que os produtores se cadastrassem. Saí dali com a sensação de que não teria como competir. Se algum desses portais acertasse a fórmula, pensava, estaríamos mortos!
O outro episódio foi uma reunião em um banco em São Paulo, que investia pesadamente em um dos portais. Eles reuniram os portais agrícolas para discutir modelos de negócio, talvez já pensando em uma possível consolidação no setor. Estávamos eu e Celso Boin na grande mesa, rodeados pelos sócios e CEOs destes projetos ousados, que tinham a intenção de mudar de vez a forma como os negócios eram gerados no agro. É preciso confessar que estávamos ali por um mero acaso: como eu conhecia o responsável pela área no banco em questão, ele me convidou a participar da discussão, o que causou certa estranheza aos demais. Também, naquele momento, apesar de disfarçar nossa apreensão (quase desespero) e mostrar confiança, tínhamos a sensação de que seria um jogo muito difícil de ganhar. De certa forma, não deixa de ser curioso que, daqueles 8 ou 10 projetos, apenas o nosso ficou para contar a história.
O terceiro episódio foi uma proposta de fusão que recebemos, tendo o site pouco mais de 2 meses. Seríamos parte de um “grande” grupo, com fulano de tal vindo de New York, com celebridades do setor como sócios, etc. Naquela época, tínhamos cerca de 40% da visitação desse outro grupo, mas nos ofereceram 2% do negócio. Declinamos, em parte por achar que o modelo de negócios não se sustentaria.
E não se sustentou mesmo. Naquele início de tudo, a bolha da internet estourou nos Estados Unidos (o auge da bolha foi em março de 2000). Quando entrávamos na festa, tiraram o barril de cerveja. O capital colocado a rodo, de forma irracional, virou pó em questão de semanas. Tudo que era relacionado à internet virou meio que o demônio. Meus futuros concorrentes foram sumindo do mapa, um a um, pois dependiam de muito capital para sobreviver. O nosso negócio, celular por definição, passou batido pelo tsunami, ainda que tínhamos zero de faturamento. Era um negócio tão pequeno, que pelo menos tinha uma vantagem: não tinha como quebrar. Naquela época, tínhamos apenas 1 funcionário na empresa e funcionávamos numa sala dentro da empresa de representação comercial, de forma que os custos eram pequenos e podíamos bancar. Por um tempo...
Os primeiros anos foram extremamente difíceis. Nosso modelo baseado em publicidade esbarrava em 3 fatores: primeiro, o mais importante, não tínhamos massa crítica de usuários; o segundo, as empresas não viam a internet como uma forma eficaz de se comunicar com o mercado (e tinham razão naquela época); e, terceiro, nós não tínhamos experiência comercial nem estrutura para fazer um trabalho minimamente aceitável na área.
Apesar de me dedicar tempo integral ao projeto, meu esforço parecia ser em vão. Eu trabalhava 12, 14, até 16 horas por dia, e não via a luz no horizonte. Certa vez, listei todas as minhas atribuições na empresa, parando de escrever quando cheguei a 40 funções diferentes, entre produzir conteúdo, contratar gente, lidar com finanças, advogados e marketing, e vender.
Muitas vezes, naqueles primeiros anos, pensei em desistir. Afinal, a lógica e a razão indicavam que seria impraticável fazer um negócio de verdade a partir daquele devaneio. Eu já estava com cerca de 10 anos de formado, com uma filha, e via meus colegas de universidade, que foram para grandes empresas da área, muito melhor do que eu. Era impossível não pensar que estava – novamente – na trajetória errada.
Naquela época, meu livro de cabeceira era o “Dedique-se de Coração”, do Howard Schultz, da Starbucks. Por muitas noites obtive ali o conforto para continuar. Havia ainda alguns outros fatores. O primeiro é que, por mais difícil que fosse o negócio, todo dia “pingavam” vários novos cadastros no site. Eu via que estávamos criando uma base de usuários relevante, ainda que não sabíamos como trabalhá-la para gerar renda suficiente para crescer.
Nesse ponto, vale a pena lembrar que, a internet no início do ano 2000 era como desbravar a Amazônia no século XVI: ninguém nunca havia andado por ali e não havia caminhos já percorridos, modelos de sucesso. Era muita tentativa, acertos, erros e intuição. O objetivo era ter uma base de usuários grande e capital para aguentar o tranco. Dar resultado era secundário. Pensando bem, analisando muitas empresas de internet de hoje, não mudou tanto assim nesse quesito de crescer e depois ver como fica.
O segundo fator que nos fez continuar foi que, apesar das dificuldades, meu propósito era criar uma empresa. Lia livros de gestão, participava de eventos, falava com pessoas, fiz um MBA anos depois, procurando suprir a lacuna de formação. Sabia, desde o início, que a motivação inicial para lançar o site – a geração de informação de qualidade ao setor – não seria a atividade que me absorveria à medida que a empresa crescesse. Eu teria que me dedicar a uma série de coisas “chatas”, mas que seriam centrais para o sucesso do negócio e que não poderiam ser feitas por ninguém mais, a não ser por mim mesmo.
Aliás, se eu pudesse dar uma dica valiosa para qualquer um que queira montar seu próprio negócio, eu diria para examinar a sua real motivação: é realmente montar um negócio de sucesso, ou executar a tarefa técnica que o fez ter a ideia de se lançar como empreendedor? Se for a segunda – e normalmente é – você provavelmente terá sérias frustrações, porque cada vez menos se dedicará a ela.
O terceiro fator que me fez continuar foi o auto-engano: a capacidade que temos de negar a realidade óbvia e continuar. Sim, porque se encararmos a realidade nua e crua, analisando imparcialmente os prós e contras, acabamos por não persistir, pois as dificuldades e as armadilhas são muitas, e das mais variadas. Graças a uma boa dose de auto-engano, porém, acabei continuando o projeto, tentando desenvolver algo que pudesse se tornar um negócio sustentável.
O ano de 2001 foi dos piores possíveis para a economia em geral, além da ressaca das ponto.com. Tivemos a crise da Argentina, apagão elétrico, atentados de 11 de setembro, e o preço do leite no Brasil era um menores do mundo, abaixo de US$ 0,15/litro. Mesmo assim, o projeto dava mostras que poderia ser rentável em algum momento. O faturamento saiu do zero e, apesar de não termos salário, pelo menos estávamos pagando os custos e tendo algum dinheiro em caixa. Tínhamos sobrevivido! Àquela altura, porém, meu sócio optou por deixar o projeto, já que estava envolvido em outras atividades e não poderia continuar se dedicando a um projeto cuja maturação ainda iria demorar um bom tempo.
Ainda no final de 2001, contratei o Miguel Cavalcanti, um jovem recém-formado que era (e é) fissurado em pecuária de corte e carnes, que acabou virando sócio da empresa no ano seguinte, permanecendo conosco por 10 anos (em 2011, terminamos nossa sociedade e o BeefPoint não faz parte da AgriPoint desde então). Foram anos de grande aprendizado para nós e para a empresa, que finalmente começou, a duras penas, a virar vagarosamente um negócio. A verdade é que somente depois de mais ou menos 7 anos eu poderia dizer que vivia daquilo, o que me faz lembrar aquela frase de que o sucesso da noite para o dia demora em geral uns 15 anos...
Não sou muito afeito a comemorações, pois acho que sempre é possível ser melhor e que o passado é passado, temos que olhar o futuro (defeito meu, com certeza). Porém, 15 anos é uma marca considerável na vida de qualquer empresa. Talvez se minhas características fossem outras, teríamos crescido ainda mais nesse período, mas por outro lado é preciso reconhecer que criamos uma história de sucesso nestes 15 anos e, principalmente, temos a certeza de que contribuímos para o negócio e para a vida de muita gente. Hoje, falar de comunidade online é chover no molhado, mas há 15 anos, quando não havia o que se chama hoje de rede social, era algo inovador. O MilkPoint e o BeefPoint foram, a seu tempo, uma das primeiras redes sociais, em que as pessoas comentavam artigos, discutiam temas no fórum, faziam amigos e negócios.
Esse modelo nos permitiu criar uma base de usuários relevante ao longo do tempo, passando das 250.000 pessoas no leite, carne, café, ovinos e caprinos, e mais recentemente, cães. A comercialização dos espaços publicitários passou a fazer sentido à medida em que tínhamos leitores e que as empresas aprendiam a usar a ferramenta; logo no primeiro ano, fizemos o primeiro curso online, inicialmente como um teste para “ver se conseguíamos trazer algum recurso para o projeto”, o que se converteu hoje na maior plataforma de treinamento online do agro brasileiro, com quase 30.000 alunos treinados, de 20 países. Os eventos vieram logo em 2001, com o Interleite, feito em parceria com seu criador, o meu amigo Luis Fernando Laranja da Fonseca, de quem fui estagiário. Hoje, com a revista Leite Integral, o MilkPoint Indústria, o MilkPoint Portugal, o Encontro MilkPoint de Laticínios, os Interleites Sul, Brasil e Nordeste e o MilkPoint Mercado, acho que podemos dizer que temos uma boa presença no setor, trazendo informação, conhecimento e relacionamento.
Paralelamente, migrei de uma atuação técnica para uma atuação na área de mercado, que me atraía mais. Nesses anos todos, foram centenas de palestras no Brasil e em 15 países e centenas de artigos, que foram o embrião do nosso serviço MilkPoint Mercado, lançado em agosto do ano passado, bem como da área de consultoria nesse segmento.
Nos últimos 10 anos, crescemos a uma taxa média acima de 20% ao ano. Tenho total ciência que os próximos 15 anos serão muito diferentes. O sucesso que nos trouxe aqui precisa ser continuamente repensado para frente, e é isso que, no final, motiva o empreendedor. O mundo muda, novas tecnologias, novos hábitos e novos contextos emergem, e é preciso surfar outras ondas, adaptando o projeto inicial à nova realidade.
Temos parceiros que nos acompanham desde o início, seja como leitores e comentaristas, seja como colunistas, seja como patrocinadores e incentivadores. Achei que seria justo compartilhar um pouco de nossa história com quem está conosco há tanto tempo e, no final das contas, é a razão de nosso sucesso e o motivo de nossa existência.
Agradeço a todos vocês, e em especial às pessoas que compuseram nossa equipe nesses anos todos e depositaram no nosso projeto suas expectativas e sonhos profissionais e pessoais.
Túnel do tempo: abaixo, o MilkPoint versão 2000
Aqui, a versão de final de 2004 em diante, até a versão atual - tivemos mais 2 versões anteriores nesse meio tempo, mas não consegui achar as imagens – é o problema de ser virtual...:)