A questão ambiental está entrando e vai entrar de forma crescente na agenda da produção agrícola e, em nosso caso, na produção pecuária. A primeira razão para isso, que não discutirei em detalhes neste artigo, refere-se ao uso da água, em especial ao se constatar que 1,7 bilhão de pessoas vive em áreas com escassez de água, número este que tende a crescer, e que 70% do uso da água ocorre na agricultura.
A segunda razão está nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) que contribuem para o aquecimento global. Em 2006, a FAO (Food and Agriculture Organization), publicou o livro Livestock´s Long Shadow, em que alerta que a produção animal é responsável por nada menos do que 18% das emissões de GEE (obs: 36% destas contribuições referem-se a mudanças no uso da terra, principalmente remoção de florestas para transformação em pastagens). Com o Protocolo de Kyoto e outros acordos, muitos países se comprometeram a reduzir as emissões de GEE, e sendo a produção animal em tese responsável por uma fatia considerável das emissões, grande parte das atenções estão se voltando a ela.
Dado esse contexto, os principais países e empresas relacionadas ao setor lácteo estão se mobilizando para i) aumentar o grau de conhecimento a respeito do tema; ii) avaliar a extensão do problema; iii) discutir soluções que venham a viabilizar a exploração animal sob a ótica ambiental; iv) preparar uma rede de proteção e defesa do setor.
O Brasil tem uma situação favorável para lidar com essa questão. Paradoxalmente, a nossa baixa eficiência produtiva oferece uma oportunidade de redução das emissões por litro de leite que os demais países do grupo acima não têm. A razão disto é que, à medida que se intensifica a produção, normalmente há redução da emissão de GEE por litro de leite produzido, ainda que sejam necessárias mais informações que permitam entender mais precisamente essa dinâmica. Desta forma, ao passo que países como os Estados Unidos tem de trabalhar em outras variáveis muitas vezes mais trabalhosas e onerosas para reduzir suas emissões, no Brasil programas e serviços que trabalhem o aumento da produtividade (exemplo: o programa Balde Cheio, da Embrapa Pecuária Sudeste) tendem a oferecer essa solução até como uma externalidade positiva do aumento de eficiência, podendo, em teoria, inclusive comerciar créditos de carbono.
Ocorre que a intensificação e o aumento da produção de alimentos nos remete à terceira e menos comentada razão para que a sustentabilidade seja incorporada de forma prioritária na agenda da agricultura: a possível exaustão dos nutrientes, em especial o fósforo, em um futuro surpreendentemente próximo: segundo um relatório do Rabobank, citado pelo Prof. Julian Cribb no workshop que participei, as jazidas desse mineral durarão mais 80 anos, isso se a demanda não aumentar.
A conjuntura que se descortina, porém, nos faz concluir que a demanda aumentará. A população deverá passar de pouco mais de 6 bilhões para quase 9 bilhões de pessoas em 30 anos. O aumento da renda nos países emergentes fará com que o consumo de alimentos se eleve. Segundo estudo do banco Goldman Sachs, até 2030 serão incorporadas 1,5 bilhão de pessoas à classe média mundial, o que significa 70 milhões de pessoas por ano. Esse fator, aliado ao advento do biodiesel e bioetanol, um dreno extra de grãos, projeta um crescimento de demanda de alimentos de 2,6% ao ano entre 2006 e 2015, contra 1,9% entre 1997 e 2005. Segundo a FAO, a dependência de fertilizantes para produção de alimentos passará 43% do total de nutrientes em 1960 para 84% em 2015. A degradação dos solos em várias regiões do mundo está também atrelada a esse aumento na dependência de fertilizantes.
Além do problema da quantidade de fósforo, a localização das jazidas é outro ponto a se analisar. As principais reservas estão no Marrocos e demais países do Saara Ocidental, na China, nos Estados Unidos e na África do Sul. Dentro desse contexto, é bem possível que, cada vez mais, a propriedade desses ativos será estratégica no contexto econômico e mesmo de segurança alimentar no futuro.
E, apesar da ênfase em fósforo, é importante dizer que o potássio também apresenta riscos de escassez e que haverá pressões crescentes para redução da emissão de gases nitrogenados que afetam o aquecimento global, de forma que é possível dizer que as bases que nortearam a Revolução Verde há algumas décadas precisarão ser repensadas.
É notório lembrar que, apesar desse cenário sombrio, grande parte dos nutrientes hoje é perdida (tabela 1), indicando que, caso houvesse recuperação ou ampla redução de perdas, seria possível em tese alimentar 3 bilhões de pessoas a mais, sugerindo uns dos caminhos a seguir.
Tabela 1. % de nutrientes que são perdidos (Fonte: Cribb, 2009).
Isso quer dizer que a humanidade é bastante ineficiente no que se refere a consumir e reciclar aquilo que produz. A percepção crescente de que os nutrientes são finitos e que as alterações antropogênicas na Terra não poderão ser realizadas ad eternum sem que ocorram impactos que coloquem em risco à própria viabilidade da vida no planeta, tem gerado uma mudança de comportamento notadamente nos países da OCDE (bloco desenvolvido). O Prof. Ricardo Abramovay, da FEA/USP, publicou no jornal Valor Econômico de 6/3 um artigo em que escreve:
"É notável o avanço de vários países da OCDE na formulação deste problema. Os termos decisivos são descasamento ou desligamento (decoupling, delinking): eles sinalizam para a quebra do vínculo entre crescimento econômico e uso dos recursos. Isso supõe o estabelecimento de uma contabilidade dos fluxos de insumos e detritos que se encontram não somente nos processos produtivos, mas também no consumo. Além da famosa (e muito criticada) pegada ecológica, existe hoje um conjunto amplo de indicadores e de institutos de pesquisa voltados a conhecer de perto as bases materiais e energéticas em que repousam o funcionamento da sociedade".
E conclui:
"A liderança mundial dos próximos anos não estará nas mãos dos países que vão crescer, vencer a pobreza e reduzir a desigualdade, e sim daqueles que conseguirem fazê-lo modificando o conteúdo material e energético da vida econômica. O que supõe não o mimetismo de acreditar que petróleo, biocombustíveis para motores a combustão interna e grandes obras para exportação formam o caminho do futuro, e sim a transição para sistemas produtivos que preservem o patrimônio natural, se apoiem no consumo cada vez menor de matéria e energia e valorizem a biodiversidade".
Essa nova realidade que se instala deverá abrir espaço para iniciativas e novos negócios cujo valor estará justamente na preservação e na eficiência de uso dos recursos, seja pela implantação de sistemas inteligentes que reduzam as perdas, seja por processos de reciclagem. Não por acaso a IBM lançou recentemente um novo posicionamento de mercado em que explica que seus sistemas inteligentes de gestão de energia, água e trânsito resultam em economia de recursos naturais (veja o site mundial da IBM - www.ibm.com - o tema está com destaque na Homepage).
Na área agrícola, será necessária uma nova Revolução Verde, porém baseada na engenharia genética, desenvolvendo plantas mais resistentes; na microbiologia do solo, desenvolvendo bactérias que reduzam as perdas de nutrientes; no aprimoramento de sistemas de produção que utilizem menos insumos externos e sejam economicamente sustentáveis; ma agricultura e pecuária de precisão, utilizando insumos de forma mais eficiente e racional.
No caso do Brasil e da produção pecuária em especial, sistemas silvopastoris são promissores ao permitir uma série de benefícios totalmente alinhados a esse novo contexto:
Pode parecer inadequado comentar a respeito de tendências de longo prazo e de novos itens na agenda agrícola e pecuária mundial em um momento de preços deprimidos e incertezas no curto prazo. No entanto, é extremamente necessário que essas premissas que se avizinham sejam logo conhecidas, permitindo que nos preparemos a tempo. O Brasil está em uma posição favorável para liderar esse processo e estará naturalmente nos holofotes por ser o país com maior potencial de crescimento na produção de alimentos. É imperativo que sejam investidos recursos para pesquisas que contemplem o desenvolvimento de sistemas de produção economica e ambientalmente viáveis, além da percepção imediata de toda a cadeia produtiva a respeito dessa nova conjuntura.