Em junho, participei do Global Dairy Congress, melhor evento que já fui. Um fórum restrito – cerca de 150 pessoas – mas só gente graúda. O evento foca em inovação, empreendedorismo, marketing relacionado a nutrição, tendências, novos mercados e oportunidades. .
Algumas das empresas mais inovadoras do mundo estavam presentes no evento. Como disse o diretor de exportação da Valio, cooperativa finlandesa de mais de 100 anos de idade, “levamos muito a sério a inovação. Em 1945, nosso diretor de pesquisa & desenvolvimento ganhou o Nobel de Química.” UAU...o Brasil não tem nenhum Nobel e a cooperativa finlandesa de produtores de leite tem um funcionário que ganhou o cobiçado prêmio!
Chamou a atenção, no evento, a existência de empresas inovadoras de pequeno porte, que inclusive atraem investidores. Aliás, são essas empresas que muitas vezes trazem inovações radicais, criam novos mercados e agregam valor. É mais interessante, do ponto de vista de inovação, ver o que elas estão fazendo mesmo com pequenos volumes de venda, do que as grandes empresas em mercados saturados.
Vamos a 3 exemplos apresentados no Global Dairy Congress:
O inglês Andrew Sherick (até então gerente de abastecimento da rede Mark & Spencer) resolveu criar o melhor milk shake que existe, explorando o conceito de indulgência. Analisando os produtos do mercado, todos eram parecidos e, segundo ele, de baixa qualidade em relação aos ingredientes usados. Havia uma clara lacuna entre o que o consumidor poderia querer em relação a isso e o que o mercado oferecia. Também, apostou na conveniência – potes individuais que podem ser consumidos “on the go”. Estava criada a Mr. Sherick’s Shakes.
O resultado foi um produto que revitalizou o segmento, ganhou enorme mídia espontânea e logo estava nas principais redes varejistas, como um produto premium. Visite o site: www.mrshericks.co.uk.
Os 5 sabores disponíveis por enquanto: explorando a indulgência com altíssima qualidade dos ingredientes.
Andrew Sherick e Lisa Hunjan (diretora de vendas e marketing) apresentam seu projeto para o público e para os “jurados”: Richard Hall, da Zenith, Rogier van Kralingen, do site de crowdfunding Symbid, Henrik Yli-Seppälä, da Valio e Julian Mellentin, da New Nutriton Business.
Da índia para a sua geladeira
Mais ou menos na mesma linha, os também britânicos Jo Howson e Matt Hullet resolveram entrar no mercado de iogurtes premium depois de fazer uma viagem de bicicleta. Indo para a Índia, os dois jovens professores ficaram encantados com um iogurte local chamado “lassis”, bem como com os sabores locais, baseados em especiarias e frutas exóticas para os europeus.
Ao retornar, começaram a pesquisar e viram que o mercado de comidas étnicas, que remetem a alguma região ou povo do mundo, tem espectativa de crescer 14,8% entre 2014 e 2018 na Inglaterra. Lá, viram também que a demanda por iogurte líquido vai crescer 30% mais rapidamente do que os iogurtes duros.
Tudo somado, porque não? Após centenas de testes com amigos, eles lançaram 3 iogurtes sob a marca Lashbrook Lassis, com sabores tão exóticos quanto pistache, café e cardamomo; pera, espinafre e gengibre; figo, canela e beterraba. Eu experimentei e é realmente muito saboroso e de alta qualidade! Começaram vendendo em Farmer’s Markets (mercados de produtos diretos da fazenda) e agora estão atingindo o varejo.
Os 3 iogurtes que compõem o portfólio da Lashbrook Lassis: viagem sensorial para a Índia.
Jo Howson no Global Dairy Congress.
Vale a pena visitar o site deles também. Percebe-se que há toda uma preocupação de criar uma relação próxima e direta entre a empresa e seus donos e seu público, tanto que os próprios donos aparecem na capa e em várias páginas do site, bem como a ligação evidente com o natural e com, claro, a Índia: www.lashbrooklassis.co.uk.
A professora Johanne Howson e seus iogurtes.
O mais radical
O alemão David Marx é, sem dúvida, o inovador mais radical entre esses todos. Fã de sorvetes, esse cientista maluco estava cansado da mesmice: formas sempre iguais, há mais de uma centena de anos. A inovação, quando existe, é incluir como ingredientes, produtos que fizeram sucesso em outro formato – ex: sonho de valsa, leite moça, etc. O processo de fabricação também pouco mudou. Boring.
As formas estranhas dos sorvetes do David: ele é fã de ficção científica
Embalagem feita de composto biodegradável
Através de seu laboratório Science Kitchen, esse berlinense tem o propósito de reinventar o sorvete. Criou um equipamento que faz sorvete a partir do congelamento rápido com nitrogênio – exatamente como é feito com sêmen. Segundo ele, esse processo faz com que as células não sejam destruídas e portanto se vocês estiver tomando um sorvete de manga, é realmente a manga e não células trituradas.
Ainda, ele criou formas que permitem formados variados, levando a experiências sensoriais muito diferentes (e não apenas experiências estéticas). A inovação pode vir inclusive nas embalagens – ele mostrou uma com composto biodegradável. Obviamente, os sabores também são inovadores, como sakê, vegetariano, pasta de pimenta, baobá e por aí vai... (tem uns menos esquisitos).
Foco em texturas e sabores pouco convencionais
Peraí: sorvete vegetariano?
Com a inovação e flexibilidade de formas, David descobriu novos mercados. Está fazendo sorvetes sob encomenda em festas de empresas – seu equipamento é portátil e é possivel fazer formas com a logomarca da empresa e de produtos. Bem “louco”, não? Visite o site dele: www.the-science-kitchen.com.
E por aqui?
Em um mercado que está crescendo menos e que, ao mesmo tempo, se sofistica, inovar é uma maneira fundamental de continuar crescendo e agregando valor. Os lácteos são uma oportunidade incrível de inovação de formatos, sabores e tipos de produtos (falamos aqui de iogurtes e sorvetes, mas obviamente queijos, e mesmo manteiga e leite fluido podem ter inovações).
Posso estar errado, mas desconheço um movimento de inovação semelhante por aqui. Nas grandes empresas, até é compreensível, porque no final do dia precisam vender uma grande quantidade de leite e é difícil fugir totalmente das commodities. Além disso, essas inovações são sempre experiências, que podem dar ou não certo, e que via de regra começam pequenas, desinteressntes para os grandes. Mesmo assim, acho que as grandes inovam pouco e dependem demais das fornecedoras de ingredientes e equipamentos. Vejam a gôndola de iogurtes gregos, a mais nova novidade em iogurtes: não parecem todos iguais?
Vamos olhemos então as pequenas. Como estão elas? Há algo semelhante a isso que mostrei acima (ok, não precisa nem incluir o alemão, vamos ficar nos 2 exemplos mais convencionais) aqui no Brasil? A impressão que tenho é que os pequenos estão também no mercado de commodities, competindo com os grandes talvez pela presença local, e não por uma inovação realmente relevante. Com poucas exceções.
Está aí uma boa linha de trabalho para o Sebrae e outras entidades com potencial de ajudar, bem como institutos de pesquisa ligados ao setor lácteo.
Você conhece empresas realmente inovadoras em lácteos no Brasil? Fale conosco
Um projeto recente que me parece muito interessante é a Delicari, iogurteria e sorveteria dos neozelandeses da Leitíssimo e que já possui 2 lojas em São Paulo: www.delicari.com.br. Também, a Agrindus (Leite Letti) recentemente elevou o tempo de prateleira de seu leite pasteurizado, representando com certeza uma inovação.
Iogurtes naturais da Delicari: inovação dos neozelandeses da Leitíssimo
Loja da Delicari em São Paulo: da fazenda ao consumidor
Mas é muito pouco, não?
Gostaríamos de conhecer mais produtos e conceitos inovadores no Brasil, na linha do que vimos acima. Comente no espaço abaixo ou mande um email para nós – contato@milkpoint.com.br, dando a sua sugestão. E lembre-se: Foz do Iguaçu, 18 a 19 de novembro. Vamos começar a mudar essa realidade?