Procuramos reunir lideranças, mas também abrir espaço para pessoas com visões diferentes das convencionais, entre eles dois ativos participantes do MilkPoint: o produtor José Humberto Alves dos Santos e o trader Otávio Farias. Foi uma tentativa (bem sucedida, a meu ver) de não contar apenas com as mesmas opiniões, mas sim de promover visões divergentes, com o intuito de acrescentar ao debate.
Na parte da manhã, fiz uma provocação inicial (clique aqui para ver a apresentação no Slideshare), mostrando os desafios que, em minha opinião, temos no setor. Depois o pesquisador Airton Spies, da Epagri, fez mais uma vez uma ótima e provocativa palestra sobre o leite da Nova Zelândia (Spies já esteve presente nas duas últimas edições do Interleite), seguido do Prof. Fábio Chaddad, que nos ofereceu um belo framework a respeito da organização do setor, principalmente em comparação com outros setores e com o leite de outros países.
Para ele, o setor é ainda muito pouco concentrado, tanto na produção como na indústria, e a tendência é a aceleração na concentração industrial (“o processo mal começou”, disse). Chaddad, que é especialista em cooperativismo, foi bastante enfático ao dizer que, em diversos países, o produtor controla a produção através do cooperativismo forte.
Ele não vê incompatibilidade entre o leite concentrado nas cooperativas e as grandes empresas: “a Dean Foods, maior laticínio dos EUA, tem apenas um único fornecedor de leite, a Dairy Farmers of America, mais cooperativa do país”.
De fato, pensando bem, porque uma grande empresa, que agrega valor e na qual o leite é cada vez uma parcela menor dos custos, deverá gastar energia captando o próprio leite e se envolvendo em tudo aquilo que engloba a captação de leite? Não seria mais produtivo para todos terceirizar essa produção para uma cooperativa, reduzindo os custos de transação? É para pensar.
Chaddad apontou também a crescente volatilidade do mercado internacional de lácteos e questionou: "O Brasil vai querer participar desse jogo"?
À tarde, tivemos exposições do Cicero Hegg, diretor da Tirolez, René Machado, da DPA, e Jacques Gontijo, da Itambé, seguidas de um debate que contou com a presença de Rodrigo Alvim, da CNA, Vicente Nogueira, da CBCL e do Otávio e José Humberto, já citados.
Questões relevantes foram levantadas, em alguns casos em alta temperatura, compatível com o ambiente do evento, que sofreu com a climatização insuficiente para um dia muito quente de primavera.
O principal conflito de ideias se deu no campo do comércio internacional. Enquanto Rodrigo Alvim, Vicente Nogueira e Jacques Gontijo mostravam preocupação em preservar a produção interna através de medidas de defesa comercial, como vem ocorrendo em diversos países, Airton Spies, Cicero Hegg e, principalmente, Otávio Farias defendiam que o país deveria depender menos de ajuda governamental nesse sentido.
A princípio, parece que estamos em meio a discussões infindáveis, que nada agregarão em termos de soluções. Discordo. Acho que estamos em um processo de transição, de diferenciação, e que em 5 anos a cadeia do leite vai ser muito distinta. Acredito que teremos um rápido processo de consolidação industrial; acredito que com menos indústrias e cooperativas, teremos condições de criar uma agenda mais positiva em relação a ações pré-competitivas, pagamento por qualidade, etc. Enquanto tivermos centenas de indústrias, fica bastante difícil focar as questões de longo prazo. Uma coisa é certa: teremos muitas mudanças nos próximos 5 anos.
Vale registrar aqui duas posturas importantes de dois dos principais laticínios. Tanto DPA quanto Itambé se mostram bem mais dispostas a discutir questões setoriais do que antes (e aqui meus parabéns ao Jacques e ao René). Minha impressão é que estes laticínios entendem que pouco adianta sua estratégia ser excelente ou sua execução ser eficiente, se ambas esbarram nas limitações setoriais. Dois outros grandes players, BR Foods e Bom Gosto, patrocinaram o evento, talvez uma evidência de que também caminharão nesse sentido. É fundamental que os líderes tenham posturas mais pró-ativas; são eles que puxarão a fila.
De resto, acho que as 250 pessoas que participaram do evento puderam presenciar um debate aberto e de ótimo nível técnico. Ao final, veio um cidadão me dizer que estava pensando em se tornar produtor de leite e que, após aquele dia, tinha se decidido: aprendera muito e ficara bastante otimista com as possibilidades.
E, para mim, ficou provado que evento em São Paulo é mesmo complicado: fosse em Minas, Goiás, Paraná, etc…uma temática dessas teria atraído mais de 500 pessoas.
A constatação vale também para a Feileite: mudou-se o nome (da antiga Expomilk), mas a realidade é que a cidade de São Paulo deixou há muito de ser o local de concentração da pecuária de leite que cresce no país. O leite merece uma feira forte, em um local mais dinâmico e mais amigável (e barato) do que a cidade de São Paulo.
E, ainda por cima, durante o evento, roubaram meu notebook, um MacBook Pro novo em folha, com 15 dias de uso…
PS: ouvi dizer que os Estados Unidos estão analisando a possibilidade de sair do mercado internacional, focando no mercado interno e inclusive implantando cotas de produção, as mesmas que a União Europeia planeja retirar em 2015…ou seja, podem virar um Canadá, o país mais protecionista em lácteos. Parece que o pêndulo liberalizante está voltando para o outro lado, de protecionismo. Mas dificilmente passa no Congresso.
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