O crescimento do mercado tem duas variáveis: o aumento da população e o crescimento per capita, isto é, por habitante. Ambas contribuíram para o desenvolvimento do mercado. O gráfico 1 mostra que no período entre 1989 e 2000, a população cresceu 1,59% ao ano, sendo responsável por cerca de 54% do crescimento do mercado, enquanto que, no período seguinte, cresceu 1,43%, respondendo por 47% do aumento. O consumo per capita, por sua vez, cresceu 1,33% entre 1989 e 2000, subindo para 1,59% no período mais recente.
É possível traçar algumas conclusões iniciais. O crescimento populacional tem sido uma variável relevante para o desenvolvimento de mercado, o que sem dúvida é um trunfo relevante para as empresas atuantes no mercado interno. Porém, não nos iludamos: a população crescerá porcentualmente cada vez menos, fruto da diminuição da taxa de natalidade. A segunda conclusão é que o consumo per capita tem ganho importância nos últimos anos, justamente em um período em que o PIB brasileiro cresceu, havendo melhoria da distribuição de renda.
Porém, devemos abrir um pouco os dados antes de concluir. De 1994 para 1995, em função do Plano Real, o consumo per capita cresceu 14%. Se tirarmos esse ano, o crescimento no período anterior fica na casa dos 0,3% ao ano, contando uma história muito diferente. Em outras palavras, tivemos uma mudança de patamar de 94 para 95, mas no geral andamos de lado nessa variável. Já nos últimos cinco anos, com exceção de 2006 para 2007, quando o crescimento foi de apenas 0,2%, conseguimos crescer mais de 2% ao ano no consumo per capita, o que é significativo. Na realidade, nesse período mais recente, 60% do aumento do mercado deveu-se ao maior consumo per capita.
Mas o gráfico 1 nos mostra mais dados interessantes. O primeiro deles é que o mercado formal, representando o leite inspecionado, teve uma dinâmica totalmente distinta nos dois períodos. Enquanto de 1989 a 2000 o crescimento foi de 2,3% ao ano (menor do que o crescimento do mercado total), entre 2000 e 2008 a evolução foi de significativos 5,8% ao ano! Isso explica em parte o aumento dos investimentos no setor leiteiro nos últimos anos (evidentemente, a disponibilidade de capital para investimentos e aquisições e o grau de fragmentação do setor também ajudaram).
O gráfico 2 dá uma ideia visual do que aconteceu de 2000 em diante. Enquanto o mercado formal cresceu de 2000 a 2007 nada menos do que 5,78 bilhões de litros, a produção informal aumentou, segundo os dados oficiais do IBGE, apenas 581 milhões de litros, ou 10 vezes menos. Não temos ainda os dados da produção total de leite em 2008, mas se considerarmos o forte crescimento de 7,5% no mercado formal e uma estimativa de 5,0% na produção total, o fosso continua aumentando.
Pode-se, a princípio, dizer que a produção informal também cresceu no período, o que, pelos dados, é verdade (usei o termo produção e não mercado, pois a produção informal engloba o leite que ficou na fazenda, além de não termos as informações relativas ao mercado informal em si).
Novamente, antes de concluirmos, vamos abrir os dados. Nos últimos 4 anos, a produção informal encolheu cerca de 300 milhões de litros, enquanto a produção formal cresceu 4,18 bilhão de litros. Na verdade, apenas de 2001 para 2002 houve forte crescimento da produção informal: 1,15 bilhão de litros. Sem os dados desse ano, a produção informal teria encolhido 569 milhões de litros.
Deve-se tomar cuidado com a aplicação do termo "formalização" do leite. O que os dados mostram é que a produção não inspecionada pouco se desenvolveu no período recente, ao contrário do que ocorreu com a produção inspecionada. Porém, não é possível dizer se houve ou não formalização do leite. Talvez os mecanismos que desenvolveram o mercado inspecionado não tenham sido aplicados aos produtores que estavam na informalidade. É possível que, enquanto os produtores inseridos no sistema receberam estímulos para se desenvolver, os não inseridos vêm sendo, aos poucos, eliminados do mercado, seja pela maior informação por parte do consumidor, seja pela conveniência e cada vez melhor distribuição dos lácteos no país, seja pela inspeção, seja pela existência de outras alternativas para sobrevivência por parte do produtor, ou até mesmo pelo fato dos filhos encontrarem outras oportunidades e não desejarem permanecer em uma atividade sem apoio e sem perspectivas.
Sem desconhecer que há potencialmente um problema social embutido nessa questão, o fato é que o mercado de produtos lácteos industrializados tem crescido bastante nos últimos oito anos. Se não é uma taxa chinesa, é bem superior ao crescimento da economia brasileira no período.
Esse crescimento, no entanto, não reside apenas no desenvolvimento do mercado interno. O gráfico 1 mostra ainda que enquanto no período de 1989 a 2000 a produção cresceu 3,18% ao ano, praticamente acompanhando o crescimento do mercado, no período seguinte o aumento foi de 4,19% ao ano, muito superior aos 2,65% de crescimento do mercado interno. Como explicar isso?
Nessa década, verificamos um rápido processo de substituição das importações e um início da inserção do Brasil como exportador no mercado internacional. Em 2000, para ficar em um exemplo, o saldo entre exportações e importações, convertido em equivalente-leite, foi de 1,45 bilhão de litros negativos, equivalente a 6,7% do mercado interno total. Já em 2007, o saldo foi de 522 milhões de litros positivos, isto é, exportações acima das importações. Tudo somado, nesse período crescemos além do aumento do mercado em si, cerca de 2 bilhões de litros, sendo dois terços via ocupação do espaço do produto importado e um terço pelo desenvolvimento da exportações. Esses dois bilhões de litros responderam por 28% do crescimento da industrialização interna.
Esses dados todos nos permitem tecer algumas conclusões finais.
1) A produção total (formal mais informal) tem crescido a taxas mais altas nos últimos anos principalmente em função do processo de substituição de importações e fomento às exportações. Isto nos indica que essas duas variáveis são relevantes para a manutenção da alta taxa de crescimento da produção. Vale lembrar que, se de um lado o processo de substituição das importações já se completou, estamos nesse momento diante de um substancial aumento das importações, sob o risco de, ao menos nesse ano, fazermos o caminho inverso do até então traçado.
2) O mercado interno tem tido impulso significativo em função do forte dinamismo do mercado inspecionado. A produção informal talvez seja uma "reserva técnica" de mercado, isto é, uma fatia sobre a qual podemos crescer sem necessariamente aumentar o consumo per capita de lácteos. Até quando essa verdade vai existir, é algo difícil de dizer. Na realidade, nem temos informação a respeito do real mercado informal, visto que parte significativa dessa produção não é comercializada.
3) Dito isso, é fundamental desenvolvermos o mercado interno através do aumento do consumo per capita. Depender do crescimento populacional será cada vez menos atrativo, visto que a população reduzirá a taxa de crescimento nos próximos anos, embora ainda cresça. Inovação, custos, qualidade, marketing institucional e outras ações pré-competitivas são os caminhos para que o consumo per capita seja elevado.
Ainda que essa análise não contemple o valor, em reais ou em dólar, do desenvolvimento do mercado pelo fato dessas informações não estarem disponíveis, é possível, através dela, termos uma boa ideia da dinâmica do crescimento do mercado de lácteos nos últimos anos. O período entre 2000 e 2008 é significativamente distinto do período anterior, explicando o aumento do interesse no setor lácteo por parte de empresas de outros segmentos, bem como fundos de investimentos.
P.S.: Este editorial foi republicado devido a alterações em alguns números que, no entanto, não afetam as conclusões gerais da análise anteriormente feita.