No mês de agosto, tive a oportunidade de participar do evento Benchmarking 2011, promovido pela empresa de consultoria Exagro (www.exagro.com.br) para seus clientes.
De acordo com a Wikipedia, "Benchmarking é simplesmente o método sistemático de procurar os melhores processos, as idéias inovadoras e os procedimentos de operação mais eficazes que conduzam a um desempenho superior" (Christopher E. Bogan).
No caso específico da Exagro, a ideia foi mostrar os melhores resultados obtidos por seus clientes, no intuito de estimular a reflexão a respeito do porquê das diferenças e, ao mesmo tempo, gerar estímulo para que todos possam evoluir, atuando nas áreas em que estão mais fracos do que a média.
O gráfico 1, mostrado pela consultoria, exemplifica a utilização do benchmarking em relação à variável "lucro/ha/ano". As barras azuis representam uma fazenda cujo resultado no ano anterior foi de R$ 100/ha/ano, e cuja meta para o ano corrente é R$ 120/ha/ano. Ao finalizar o ano, a fazenda apurou R$ 130/ha/ano, superior, portanto, à média e 30% acima do ano anterior. A princípio, um ótimo resultado.
Mas esse índice é realmente bom? Um primeiro ponto a analisar é que essa variação pode não ter sido decorrente de uma melhoria gerencial efetiva da propriedade, ou da evolução de índices técnicos, mas simplesmente fruto de um ano melhor para a atividade, com preços mais elevados ou relação preço do leite/custos mais favorável. São fatores que a propriedade não controla, ou pouco controla.
Um segundo ponto é que, estando as atividades agrícolas em geral operando em algo próximo ao que se chama de "concorrência perfeita", as barreiras de entrada inexistem e os lucros tendem, na média, a zero, isto é, são suficientes apenas para remunerar o empresário (obs: para uma boa definição sobre Concorrência Perfeita, clique aqui. Desta maneira, é fundamental conhecer sua posição no mercado para saber se, no longo prazo, seu negócio corre risco à medida que os menos lucrativos tendem a sair do mercado.
A comparação com a barra verde claradá uma outra visão sobre aquilo que, à princípio, parecia bom: a média das fazendas que participam do programa lucra quase 3x mais do que essa propriedade, sugerindo que ela é bem menos eficiente em relação a esse parâmetro do que inicialmente se sugeriu.
Por fim, a comparação pode ainda ser feita com a melhor propriedade da amostra, cujo lucro por área é 9x maior. Nesse caso, a comparação tem o mérito mais de mostrar como estão os melhores do que precisamente aonde se pode chegar, uma vez que as características das propriedades são diferentes, principalmente se estão em regiões muito distintas (área, solo, topografia, clima, etc).
Gráfico 1. Benchmarking 2011 (Fonte: Exagro)
Para consultores, pesquisadores, formuladores de políticas públicas, empresas de insumos e laticínios, a análise de benchmarking serve a um propósito ainda mais amplo: ao permitir que se conheça e se relacione práticas e tecnologias a resultados, é possível passar da teoria à prática na recomendação de sistemas de produção e tecnologias para determinadas regiões, desde que se tenha uma boa base de dados (amostragem considerável e dados corretos). Por exemplo, se o benchmarking indica que produtores que utilizam irrigação de pastagens têm resultados consistentemente superiores aos que não utilizam, pode-se recomendar essa prática de maneira mais segura.
É possível, também, comparar regiões em relação à competitividade. O IFCN, International Farm Comparison Group, faz isso na Alemanha, comparando produtores de diversos países, todos os anos, com a mesma metodologia aplicada (https://www.ifcnnetwork.org/en/start/index.php). No Brasil, o uso mais amplo da técnica do Benchmarking permitiria conhecer de forma mais precisa as diferenças entre regiões, orientar projetos estruturantes em locais que apresentam deficiências e mesmo definir por investimentos em novas fábricas, em regiões mais competitivas.
Ainda, para estes agentes, a técnica permite que se compare a lucratividade da atividade leiteira com outras atividades agrícolas, tendo como base o lucro por hectare, que mede a eficiência com que o principal recurso investido na propriedade - a terra - é utilizado para geração de dinheiro. Essa comparação é muito importante à medida que surgem alternativas atrativas para se explorar a propriedade. Conforme apresentado pelo produtor Roberto Jank Jr., no Interleite 2011, o arrendamento para cana-de-açúcar em São Paulo atinge hoje US$ 625/hectare, contra US$ 180 em 2003, colocando grande pressão sobre a atividade leiteira. O benchmarking auxilia, com isso, a se ter uma visão mais global da atividade, do potencial em cada região e dos riscos que se corre mesmo que a atividade seja lucrativa (para uma análise recente sobre o leite em Goiás abordando o custo de oportunidade, clique aqui).
A tabela 1, reproduzida abaixo, mostra como as 3 melhores propriedades do sistema utilizado pela Exagro se comparam a outras atividades. No caso específico, o leite tem remunerações próximas ao milho de alta tecnologia e ao algodão, ficando à frente da soja e da recria/engorda de gado de corte.
Tabela 1. Leite x outras atividades (Exagro)
Analisando as correlações entre diversas variáveis e o lucro, há dados interessantes, ainda que o número de fazendas no sistema seja relativamente baixo para que tenhamos uma análise mais completa. O total de vacas no rebanho, por exemplo, teve correção de apenas 0,20 com o lucro por hectare, com tendência de rebanhos maiores terem menor resultado do que rebanhos menores. Essa correlação foi a mesma verificada quando se comparou a área - com propriedades maiores tendo resultado levemente pior do que as menores.
O preço do leite, variável sempre considerada muito relevante, teve correlação de apenas 0,22, com uma variação levemente positiva em direção a preços mais elevados (figura 2).
Figura 2. Relação entre preço do leite e lucro/ha/ano (Fonte: Exagro)
Um aspecto interessante apresentado pela Exagro foi a baixa correlação de diversos fatores em relação ao lucro, gerando uma possível frustração na análise. Isso ocorre porque são muitas as variáveis envolvidas na atividade e, em uma análise como essa, não é possível variar uma, mantendo as demais estáveis. Por exemplo: a resposta a essa variável seria bastante diferente se a pergunta fosse: "Considerando tudo o resto igual, fazendas com preço do leite mais elevados são mais rentáveis?".
Em função disso, talvez os dados pudessem ser tratados estatisticamente de outra forma, mas como não sou especialista em estatística, deixarei essa questão em aberto.
De volta às correlações, o custo de produção por vaca/anoteve correlação um pouco superior, 0,34, embora ainda bastante baixa. A maior correlação entre custo por vaca e lucro do que preço e lucro provavelmente ocorreu provavelmente por dois aspectos: i) a amplitude de valores para o custo por vaca foi muito mais ampla do que em relação ao preço recebido; ii) custo por vaca está atrelado a produtividade por vaca. Nesse ponto, é interessante notar que quanto maior o custo por vaca, maior a lucratividade, o que está logicamente relacionado a maior quantidade de leite produzido.
Outros parâmetros com correlação superior: % de vacas em lactação (0,46), produção de leite por vaca/dia (0,52) e, curiosamente (por se tratar de algo pouco pesquisado), tempo de vida do projeto, com 0,54, indicando que projetos mais maduros tendem a ter resultado superior (figura 3). Nesse ponto, podemos fazer uma correlação com o que foi visto no Interleite 2011, que abordou 19 estudos de casos de fazendas de destaque, ficando evidente que o longo tempo médio de casa do funcionário, um parâmetro indiretamente ligado ao tempo do projeto, é uma característica marcante destes projetos (veja mais).
Figura 3. Relação entre tempo do projeto e lucro/ha/ano (Fonte: Exagro)
O trabalho da Exagro é bastante interesse e se tornará ainda mais quando o número de fazendas aumentar, dando mais consistência às análises.
De uma forma mais conceitual, a análise de benchmarking é uma ferramenta de grande valia para gestores e para todos os envolvidos na atividade. No entanto, é muito pouco utilizado pelas fazendas. Entre as razões, apontaria:
- Ter os dados: é preciso ter dados consistentes, caso contrário, não há como submetê-los a um processo de comparação; são relativamente poucas as propriedades que controlam os dados econômicos; Esse ponto está relacionado ao segundo aspecto:
- Baixa ênfase em gestão: tenho notado, ao longo dos anos, que temas técnicos sempre dão mais "Ibope" do que temas gerenciais, seja em artigos no site, seja em palestras em eventos. O benchmarking é, antes de tudo, uma ferramenta gerencial e, como todas elas, não tem tido ainda o devido reconhecimento do seu público-alvo. Isso certamente irá mudar à medida que o setor deverá passar por um intenso processo de profissionalização;
- "Medo" de ceder os dados: em se tratando de dados estratégicos da propriedade, é possível que muitos produtores tenham receio em disponibilizar estes dados para terceiros, ainda que as informações nunca sejam inidividualmente disponibilizadas, salvo se autorizadas.
Por fim, uma última observação importante sobre o benchmarking: as propriedades precisam ser analisadas por uma mesma metodologia, caso contrário o benchmarking não gerará dados confiáveis.