O agronegócio brasileiro tem inegável eficiência em diversas cadeias produtivas. Em algumas delas, já somos líderes mundiais; em outras, é questão de tempo. Todas as análises futuras apontam que o Brasil será o pivô do crescimento da produção de alimentos necessário para abastecer uma população de 9 bilhões de pessoas em 2040, mais de 2 bilhões acima do número atual, sem contar a melhoria da renda que certamente incorrerá em aumento da quantidade de calorias ingeridas por pessoa, implicando em mais alimentos.
Voltando ao presente, sabemos que o setor é responsável por uma parcela significativa do PIB brasileiro e tem mantido o superávit da balança comercial, pilar fundamental da estabilidade econômica que nos fez começar a ser visto pelo mundo como um país emergente, e não subdesenvolvido.
Mesmo com toda essa importância, o setor ressente-se de não ser ouvido o suficiente. Tem de lidar com a implantação de um Código Florestal que, se levado ao pé da letra da forma como foi concebido, inviabiliza grande parte da produção agropecuária do país. Tem enorme dificuldade de converter sua importância para o país em investimentos que consolidem sua competitividade, como em estradas e portos.
Enfrenta constantemente abordagens negativas na imprensa (produtores caloteiros tendo que renegociar dívidas, desmatamento, perda de biodiversidade, poluição de mananciais e rios, trabalho escravo, preços elevados), resultando em uma opinião pública que raramente está ao seu lado. Apesar da eficiência e do progresso, ainda carrega a imagem de patriarcal, oportunista, subdesenvolvido politicamente e socialmente atrasado.
Esse descompasso entre a importância do agronegócio e o reconhecimento dessa importância pela sociedade brasileira contribui para a resolução de uma série de dificuldades que poderiam tornar o segmento ainda mais competitivo.
O que falta ao setor? Lobby? Antes disso, falta compreender que a imagem e a comunicação são peças fundamentais no jogo político e econômico que rege o mundo atual. Não basta ser, é preciso parecer ser. O agronegócio é, mas não parece.
É realmente difícil ter um viés de marketing e de mercado quando sua principal competência está da porteira para dentro. Mas, queiramos ou não, essa é a competência faltante, que precisa ser trabalhada, por três razões básicas. Primeiro, porque a imagem, boa ou má, reflete na opinião pública, que por sua vez reflete na política.
É importante lembrar que o país está cada vez mais urbano e, portanto, distante da realidade rural. Por mais que o produtor se sinta injustiçado, o seu cliente urbano não tem a obrigação de reconhecer sua situação, mesmo porque a desconhece por completo. É muito diferente do que ocorre em alguns outros países, onde, seja por questões culturais ou por um trabalho de comunicação consistente feito ao longo dos anos, o setor goza de maior prestígio junto à sociedade.
Nesse cenário, explica-se o que se vê, por exemplo, na Inglaterra: restaurantes anunciando que só servem carne britânica; ou o "proudly american", nos EUA; ou a disposição do canadense de pagar mais caro pelo produto do país; ou, ainda, o "buy local" ("compre produtos locais"), que vem crescendo em vários países da Europa, sendo muito bem aproveitado pelos produtores do país sob a argumentação de menor emissão de gases de efeito estufa por causa do menor gasto de combustíveis fósseis para o transporte.
A outra razão pela qual o trabalho de imagem se faz necessário é que o agronegócio está sendo envolvido de forma definitiva em questões de interesse global, bem mais complexas e que não domina, diretamente relacionadas ao futuro da sociedade, como o aquecimento global e tudo que a ele se relaciona: desmatamento, emissão de gases de efeito estufa, assoreamento de rios, e assim por diante.
Em outras palavras, o preço a se pagar (como estamos vendo na questão do Código Florestal) no caso de um não-posicionamento ou de uma má comunicação tende a ser cada vez significativamente maior. O mundo começa a olhar para o campo não simplesmente com um provedor de alimentos, mas também como um guardião da água, do solo, do carbono, da vegetação nativa, da biodiversidade, da paisagem, enfim, da chamada multifuncionalidade da agricultura. Entender esse jogo e se preparar para ele é absolutamente essencial. E a comunicação é parte importante desse processo.
E a deficiência de imagem do setor já vem sendo levantada há algum tempo. De forma até simbólica, o primeiro editorial que escrevi para o MilkPoint, no dia 6 de abril de 2000, dia de lançamento do site, tratava exatamente dessa questão.
A terceira razão pela qual o setor precisa priorizar a comunicação e a imagem tanto quanto a eficiência técnica é o fato de que, como bem colocou Roberto Waack, Presidente do Conselho Consultivo do Instituto Ares (https://www.institutoares.org.br/), no mundo atual "ter a opinião pública contra é pior do que ter a justiça contra". O mercado simplesmente não perdoa.
Por tudo isso, pareceu-me bastante alvissareiro o pronunciamento da senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, em homenagem recebida durante o evento Interfeed, em São Paulo. Inteligente, envolvente e bem articulada, a senadora foi direto na ferida: seu principal desafio é mudar a imagem do setor junto à sociedade. Sem isso, as brigas serão sempre muito difíceis.
Ela que, ao ser eleita presidente da CNA, representa em si uma possibilidade de mudança de imagem: mulher que venceu desafios e conquistou espaço em uma seara tradicionalmente masculina. É a chance da maioria urbana que hoje nos governa começar a identificar um agronegócio diferente, motivo de orgulho para o país e que precisa ser levado a sério. Resta, logicamente, começar o quanto antes esse árduo e necessário trabalho. As expectativas são elevadas e a urgência, evidente.