Se a Coca Cola vai efetivamente adquirir a Verde Campo é algo que veremos adiante, mas vale a pena entender um pouco mais claramente a estratégia por trás desse movimento que surpreendeu a muitas pessoas.
A Coca Cola é uma das marcas mais valiosas do mundo. O sucesso mundial baseou-se na bebida que deu nome a empresa: o líquido saboroso e refrescante, de cor escura, o qual conhecemos como....Coca Cola.
Porque uma empresa com uma marca tão forte, presença global e um produto tão vencedor está investindo em outras bebidas, como o leite?
O que ocorre é que os padrões de consumo estão mudando. De um lado, o consumidor tem uma multiplicidade de bebidas para consumir. Lembro-me, nas décadas de 70 e 80, que tínhamos basicamente refrigerantes, sucos em pó e sucos concentrados de 4-5 sabores, se tanto. Hoje, basta ir uma gôndola de supermercado para encontrar dezenas de tipos distintos de bebidas que competem com os refrigerantes.
De outro lado, o consumidor busca produtos mais naturais e menos industriais, com menos açúcar, sal e outros ingredientes, e mais nutritivos. E isso não é bom para a Coca Cola (e demais refrigerantes). Há quem classifique os refrigerantes como o “novo cigarro”. Não é para tanto, mas nem precisa ser.
Tudo somado, as perspectivas de crescimento para o mercado de refrigerantes tendem a não ser muito promissoras A mudança já está ocorrendo. Quem tem filhos com menos de 20 anos (como eu), sabe que as crianças de hoje (principalmente as mais instruídas) bebem menos refrigerantes do que há 20 anos. Segundo dados da ABIR – Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas não Alcóolicas, o consumo per capita, que já foi de 88,9 kg em 2010, caiu para 80,6 kg em 2014. O mercado como um todo caiu de 16,9 bilhões de litros/ano para 16,3 bilhões. Claro que os refrigerantes continuarão sendo um grande mercado, mas quando se fala em crescimento, é preciso olhar para outros lados, como a Coca está fazendo.
Quando a empresa anunciou o lançamento do seu leite FairLife, nos EUA, Sandy Douglas, a responsável global pela área de consumo da empresa, disse: “se você deixar cair uma bola de gude no centro de um supermercado e falar para ela rolar para as categorias de maior crescimento, ela irá para o perímetro, para os alimentos frescos. As pessoas estão equilibrando calorias com a naturabilidade”. Mais claro, impossível.
Dentro disso, é muito interessante ver como a Coca vem mudando seu posicionamento (e, claro, seu portfólio, com marcas como Del Valle e Mate Leão). Quem cresceu tomando Coca Cola nas décadas de 80 e 90 conhecia muito bem o slogan “Coca Cola é isso aí” ou “Emoção para valer”. Agora, o slogan mudou para o revelador “sua sede move a nossa”: o que consumidor quiser, a empresa corre atrás. Fica evidente, nas peças publicitárias, a presença dos diversos produtos (e marcas) adquiridas, como a Mate Leão, que agora se associa a Verde Campo.
Mas os lácteos são uma boa plataforma para buscar esse novo posicionamento? A pergunta não é de todo desprositada. Afinal, nos países desenvolvidos o consumo de leite fluido cai, além do fato de leite e derivados terem de conviver com pressões crescentes de regulamentação, fora a complexidade da cadeia, muito maior do que misturar ingredientes químicos e engarrafar refrigerante.
A Coca entende que sim. Nos últimos anos, efetuou diversas aquisições de empresas de lácteos como a Estrella Azul, no Panamá e a Santa Clara, no México.
A notícia mais bombástica, no entanto, foi mesmo o lançamento do leite FairLife, nos Estados Unidos. Através de ultrafiltração, os componentes são separados e recombinados, resultando em um produto com teor de proteína 50% mais elevado e com metade do açúcar (além de sem lactose). Esse leite é produzido pela Fair Oaks Farms Brands (que também é responsável pela marca de bebidas protéicas para atletas Core Power), uma joint venture da Coca com a Select Milk Producers, uma “cooperativa” de 87 grandes produtores de leite. A Fair Oaks faz aquilo que a Coca não sabe fazer: produzir leite.
Recentemente, publicamos no MilkPoint o provável lançamento da bebida láctea Vio, da Coca Cola, na Índia, buscando competir em um mercado 5 vezes maior do que o de refrigerantes nesse país, além de ter crescimento maior. A Coca ainda negou o interesse em uma participação na Chobani, líder do mercado de iogurtes gregos nos EUA, mas os analistas apontaram que ela e a Pepsico estavam negociando participação na empresa do imigrante turco, que reinventou a categoria. A Pepsico, aliás, tem forte presença no setor lácteo russo, através da empresa Wimm-Bill-Dann.
O que a Coca está buscando, na realidade, é o segmento que se denomina “milk plus”: as categorias de maior valor agregado e em crescimento, entre as quais se incluem o leite “turbinado” FairLife e eventualmente outros produtos que vão bem além da commodity. Mais ainda, os lácteos representam uma guinada em direção à saudabilidade e à naturabilidade para a Coca.
A possibilidade de desenvolver marcas em lácteos é outro atrativo para a empresa. Em alguns mercados, como nos EUA, há uma clara ausência de marcas fortes de leite, o que abre espaço para uma empresa que possui essa competência como ninguém. Segundo relatório do Rabobank, o leite é uma categorias com potencial não realizado ainda em relação ao desenvolvimento de marcas.
Vale lembrar ainda que a demanda por lácteos nos países em desenvolvimento tende a se manter crescente à medida que a renda média se eleva. Neles, há categorias como os produtos sem lactose e os iogurtes gregos, que crescem mais de 2 dígitos ao ano em determinados países. Por fim, os lácteos apresentam uma plataforma com muitas possibilidades de inovação, ainda mais se comparada com a dos refrigerantes.
Muita gente tem me perguntado se a eventual entrada da Coca nos lácteos aqui no Brasil seria algo positivo para o setor. Eu entendo que sim – é sempre bom ter um participante de peso que, como ocorreu com os produtos de erva-mate, tende a atuar visando agregar valor, o que ajuda a categoria como um todo. Pior seria se a estratégia fosse competir por preço.
Também, me perguntam porque a gigante Coca compraria uma empresa de porte relativamente pequeno. Minha avaliação é que, nesse momento, a estratégia deve ser conhecer o mercado, partindo de uma empresa inovadora e com posicionamento premium. A Verde Campo se encaixaria perfeitamente nessa necessidade. Sobre o crescimento futuro, a capilaridade de distribuição e a competência em criação de marcas fortes da Coca irá produzir, caso o mercado se mostre realmente atrativo. Sem dúvida, tempos interessantes no mercado de leite.
Um excelente final de ano e um 2016 de sucesso para todos os nossos parceiros e leitores! Muitas novidades no MilkPoint e na AgriPoint no ano que entra – aguardem!