Certa vez, passados alguns anos, conversando com um consultor especializado em conforto animal, perguntei se determinado manejo seria adequado ou pelo menos tolerável aos animais em termos de conforto térmico e obtive uma resposta que trago comigo até hoje: "Pense que você é uma vaca, e coloque-se no lugar dela. É bom para você? Se é, ok! Caso contrário, se não é bom para você, não é bom para a vaca também!!" Esta leitura simplificada parece até elementar e está associada ao bom senso. Entretanto, na prática não é o que costuma acontecer. Por ser, a vaca, um animal (adulto) de porte avantajado (mais de 500 kg para muitas raças) não há uma proporcionalidade entre a sua aparência e a sua sensibilidade. Ao domesticarmos animais, é necessário, antes de tudo, compreender-los e conhecer a natureza comportamental dos mesmos. Animais inseridos em sistemas intensificados de produção são submetidos a diversos desafios que classifico, pessoalmente, como "pontos de pressão". Em outras palavras, o sucesso de uma consultoria especializada está intimamente associado à capacidade do consultor em localizar e indicar os possíveis "pontos de pressão" a que são submetidos nos diferentes manejos empregados em fazendas comerciais. Quanto maior for o grau de tecnificação de um sistema e grau de envolvimento dos responsáveis de uma determinada propriedade, mais atenção teremos de ter, sendo muitas vezes difícil a detecção de falhas no manejo.
Dentre estas (falhas/erros), podemos classificá-las de diversas maneiras. Existem erros evidentes que, apenas observando o sistema em si, conseguimos decifrar. Inúmeros são os exemplos como: tempo inadequado de ordenha, bebedouros sujos, qualidade (padrão) de mistura inadequada no cocho, etc. Outros problemas são passíveis de serem diagnosticados através da análise de números e coleta de dados como contagem de células somáticas, incidência de casos de mastites clínicas, intervalo entre partos, números de mortes, etc.. Muitas vezes os números e a rotina de manejo de uma fazenda encontram-se dentro da "normalidade", como costumamos dizer, mas problemas ainda persistem como, por exemplo, casos de laminite. A dieta está perfeitamente balanceada, o tamanho de partículas é adequado, o padrão de mistura está adequado (teste de peneiras/Penn State), o consumo está adequado, o conforto das instalações aparentemente está correto, enfim, todo o "check-list" foi efetuado e a produção pode não estar correspondendo com a qualidade de serviço oferecido aos animais.
Vacas não podem falar, infelizmente, mas nós podemos simplesmente observá-las. Existem diferentes metodologias técnicas para identificação de "furos" no manejo que possam estar contribuindo para um desempenho inadequado. Todavia, ressaltamos, que na produção de leite são as vacas nossas maiores aliadas. É necessário, antes de tudo observá-las. Ao invés de listas infinitas de checagem (bebedouro limpo: sim?, não ?; ordenha inadequada: sim?, não?;etc...) que nos levam muitas vezes a elucubrações pouco conclusivas, por que não acompanhar por um dia, a rotina de uma vaca ou de um determinado lote do rebanho? Quando isso acontece, muitas vezes surpresas são reveladas.
Segundo Mary Beth de Ondarza, consultora em nutrição (Plattsburgh, N. Y., EUA) vacas, antes de tudo devem estar "centradas" em apenas 4 atividades:
- ordenha (sendo ordenhadas)
- alimentação (comendo)
- bebendo
- descansando (deitadas em repouso)
Caminhar por entre os animais pode nos dar bons indicativos do que possa estar acontecendo e comprometendo a produção animal. Quando uma vaca (holandesa) está descansando, confortavelmente (deitada), a nossa presença não deve intimidá-las (vacas). Desta forma, ao passarmos por trás destas, em repouso numa cama de free-stall, se tudo estiver bem dificilmente a mesma se levantará. Este mesmo conceito se aplica para animais descansando num piquete, ou seja, grupo de vacas em pastejo, deitadas. Ao caminharmos, entre elas, poucas devem ficar incomodadas com a nossa presença.
A observação de determinadas "marcas" no corpo das vacas podem indicar lesões em função de instalações inadequadas. Em sistemas tipo free-stall, por exemplo, camas com comprimento inadequado ou a escassa reposição de areia pode causar lesões nos cascos e/ou "calos" em determinadas articulações. Isto faz com que, na proporção em que estas lesões vão se agravando, tais animais evitem cada vez mais as camas, permanecendo mais tempo em pé e comprometendo a produção. Outro aspecto importante a ser observado refere-se ao estado de limpeza dos animais. Devido à elevada quantidade de fezes eliminadas diariamente pelas vacas, muitas vezes os envolvidos com o manejo acabam por "se acostumar" com vacas relativamente sujas. Uma análise minuciosa de como as vacas estão sujas pode nos indicar "pistas". Se uma determinada fazenda com free-stall maneja adequadamente suas camas, com nível adequado de areia e limpeza e estas, por sua vez, estão dimensionadas adequadamente, mesmo com corredores apresentado uma higiene deficitária previamente constatada, devemos encontrar poucos animais sujos. Animais excessivamente sujos revelam, de antemão, camas inadequadas, o que faz com que grande números de vacas optem pelos corredores em detrimento às camas.
Vacas são animais lentos e preguiçosos, por natureza, principalmente as da raça holandesa. Devemos respeitar a "natureza" (índole) deste animal e jamais usar da violência para conduzí-las. Vacas manejadas corretamente, são calmas e sequer se preocupam com a nossa presença numa dada instalação.
Animais de alta produção buscam o cocho pelo menos 12 vezes por dia. Desta forma a avaliação da disponibilidade de cocho por animal é fundamental, sendo o mínimo necessário de 0,45 m/vaca com uso de canzis. Muitos recomendam o espaçamento mínimo de 0,60 m/vaca/dia. Diante deste conceito, não podemos nos esquecer das vacas recém paridas e da presença de novilhas com vacas num mesmo lote. Nem sempre a separação é possível, mas é necessário destacar que o balanço energético negativo tende a ser mais acentuado quando esta prática não é adotada (separação). O consumo de matéria seca (CMS) no início da lactação é restrito e as vacas novas não costumam ter o vigor físico (escore de condição corporal) capaz de promover uma competição justa por alimento. No caso de animais de primeira cria, esta situação se agrava ainda mais em função do menor peso vivo. Desta forma a recomendação perfeita seria a subdivisão em pelo menos quatro lotes, ou seja: vacas adultas em lactação, vacas recém-paridas, novilhas (primeira cria), novilhas (primeira cria) recém-paridas. Em propriedades menores e, na grande maioria dos casos, tal procedimento não é possível de ser efetuado. Quando não há meios para tal subdivisão de lotes, recomendamos que pelo menos vacas sejam separadas de animais de primeira cria, ou seja, um grupo de animais mais pesados separados de animais, teoricamente, mais leves.
Devemos destacar, de um modo geral, os cuidados envolvendo o período de transição, ou seja, o fornecimento de uma dieta pré-parto o
mais próximo possível da dieta inicial de lactação como ferramenta de maximização do CMS. Além disso buscar todos os cuidados possíveis em termos de conforto, principalmente no início de lactação. Numa recente pesquisa realizada por Rick Grant em 2003, apresentada na Cornell Nutrition Conference (2003) constatou-se que animais de alta produção necessitam de mais tempo de descanso que animais produzindo menos (diferença de 14 horas de descanso). A Tabela 1 a seguir resume padrões comportamentais importantes de serem observados comentados acima:
Tabela 1. Distribuição das atividade diárias de uma vaca em produção
Fonte: Rick Grant , Miner Institute, N.Y.
Comentários do autor: o estudo do comportamento animal, associado ao estabelecimento de níveis adequados de conforto vem sendo aprimorado anualmente. Desta forma, cabe a nós atentarmos e acompanharmos a evolução de tais linhas de pesquisa, incentivando a realização de trabalhos compatíveis nos trópicos (Brasil). O texto acima nos dá uma idéia do quão complexa é a atividade quando avaliamos possíveis problemas no manejo que possam estar interferindo na produtividade de um sistema. Assim, quando não há satisfação com os resultados produtivos e todos os protocolos envolvendo o manejo foram checados, ainda resta um elemento que devemos atentar: os animais que, apesar de não falar, podem nos indicar o caminho adequado a ser percorrido.
Fonte: Arquivos do autor e Hoard's Dairyman, 25 jan, 2004