Recentemente fui fazer um curso em Paris e aproveitei para viajar e visitar fazendas. Um dos destinos escolhido foi a Suíça e, após algumas pesquisas, fiz questão de conhecer a cidade de Appenzell. Este pequeno vilarejo fica praticamente na fronteira com a Alemanha e é um dos diversos locais no país que preservam muitas das tradições campestres. Além disso, também é conhecida por ser o ponto de partida para belíssimas trilhas e pelo queijo Appenzeller® - um queijo duro, condimentado e produzido há mais de 700 anos nesta região.
Um dos objetivos era experimentar o queijo alpino direto dos produtores e, para isso, escolhi uma trilha de 2h que atravessava os vales e culminava em um lago verde-azulado. O percurso inteiro foi coroado com o tilintar dos sinos das vacas à distância e, quando cheguei no lago, finalmente encontrei as instalações com os animais soltos, pastando ao redor. Se você, leitor, estiver curioso com a minha reação, já coloco aqui: eu me senti em um filme, estava verdadeiramente imersa em uma paisagem idílica.
Fonte: autora.
Entrei nas (minúsculas) propriedades, conversei com as pessoas que ali estavam, experimentei o leite fresco adocicado graças ao bouquet de flores alpinas que faz parte da alimentação das vacas no verão e comi queijo maturado em cave de pedra natural no meio do vale.
Enquanto apreciava a natureza exuberante e o vai e vem de tantas pessoas no local, fui tomada por um pensamento: claramente, o último problema dos produtores que ali estavam é o investimento constante em comunicação para explicar sobre o manejo, bem-estar animal e práticas sustentáveis. Ninguém parecia se preocupar como é a ordenha, se tem pus no queijo ou se as vacas estão realmente confortáveis. Pelo contrário, queriam comprar logo seus laticínios para consumir em casa no melhor estilo farm to table (da fazenda direto para a mesa do consumidor) possível. Todo aquele cenário era completamente natural para todos. E eu concordo em gênero, número e grau: soa mesmo muito natural para todos nós.
Fonte: autora.
Mas em algum momento o inverno chega e as vacas vão para os estábulos para serem confinadas durante meses de temperaturas extremamente baixas. E aí? Segue sendo natural para quem vive a realidade de dentro da porteira, porém a reflexão que acredito ser bastante válida é que os seres humanos dormiam em cavernas e uma boa cama transformou nossas vidas. O mesmo aconteceu com uma vaca deitada em uma cama de areia, com ventiladores e sprinklers a todo vapor, comida balanceada e água fresca 24h por dia. O fato é que esse cenário não é associado ao bem-estar animal de forma tão óbvia para muitos consumidores e aí que, dos mesmos criadores de síndrome de vira-lata, eu carinhosamente chamo essa visão deturpada de síndrome de vaca pardo-suíça.
O recente vídeo – publicado e apagado - pelo ator Marcio Garcia começa exatamente com essa imagem: vacas pastando em campos verdes cercados por montanhas e casinhas cinematográficas. A imagem é acompanhada da provocação: “você acha que é daqui que vem seu leite? Pois veja a seguir qual é a verdade depois das investigações”.
Posso afirmar que o trabalho de explicar uma realidade em uma fazenda de leite que é diferente de vaquinhas pastando em vales verdejantes não é fácil. Exige conteúdo. Exige frequência. Exige insistência. Exige transparência. Exige estudo e comprovação. Exige storytelling (contar uma história).
Uma produção de leite apoiada em práticas sustentáveis e baseada em bem-estar animal pode acontecer por meio de diversos formatos e isso nós já estamos cansados de saber – e de estudar. É preciso parar de brigar na frente do consumidor sobre qual o melhor modelo e, ao invés disso, trazer um único discurso potente e embasado sobre o bem-estar ser - sem a menor sombra de dúvida - uma das grandes prioridades do produtor de leite. Roupa suja se lava nos milhões de grupos de WhatsApp (risos).
Reforçar o que tem sido feito de bom dentro das fazendas ao redor do Brasil é importante e urgente. Aprender a falar a mesma linguagem do consumidor urbano também. Se quisermos pessoas transitando tranquilamente entre as vacas e consumindo o equivalente aos queijos alpinos aos montes, precisamos explicar que nossos modelos também oferecem igualmente – se não mais - conforto, segurança, sanidade e bem-estar. E então talvez seja através da naturalização que a gente alcance conexão.
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