Há cerca de dez anos esta pergunta começou a ser feita, visto que algumas indústrias iniciavam seus programas de pagamento por qualidade. Na época também era estruturada a RBQL (Rede Brasileira de Controle de Qualidade do Leite) o que permitiu que as análises pudessem ser feitas por entidades neutras e isentas, trazendo maior confiabilidade ao processo. Naquela época, foram desenvolvidos trabalhos de pesquisa com o objetivo de definir qual seria o número mínimo de amostras para classificar corretamente a qualidade do leite de um determinado produtor. Alguns anos se passaram, o número de indústrias que pagam por qualidade aumentou e a pergunta continua sendo feita, em especial pelos produtores. Neste artigo vamos retomar este tema e responder a pergunta. Desejo a todos uma excelente leitura.
Os programas de pagamento por qualidade e frequência de amostragem
Avaliando as 364 indústrias que monitoram a qualidade do leite junto a Clínica do Leite – ESALQ/USP, identificamos que 48 delas (13%) já adotam programas de remuneração pela qualidade (Gráfico 1). Se olharmos o número de produtores, este número já sobe para 34% dos produtores (Gráfico 2).
Gráfico 1. Distribuição das indústrias em função da adoção de PVQ
Gráfico 2. Distribuição dos produtores em função da adoção de PVQ
Ou seja, apesar de apenas 13% das indústrias possuírem um PVQ (Programa de Valorização da qualidade do leite), são indústrias com maior número de fornecedores, o que acaba representando 34% dos produtores.
Quando analisamos o número de coletas realizadas (Tabela 1) notamos que das 48 indústrias que pagam por qualidade, 17 delas realizam apenas 1 (uma) coleta por mês, enquanto que acima de 4 amostras por mês temos somente 7 indústrias.
Tabela 1. Frequência de amostragem
O conceito de amostragem
Considerando que a indústria faça coleta a cada 48h, durante um mês temos 15 coletas de leite na fazenda. Para que possamos classificar, com 100% de certeza, a qualidade do leite vendido à indústria durante o mês, o correto seria coletarmos uma amostra a cada remessa de leite, ou seja, 15 amostras por mês. Desta forma teríamos certeza da qualidade do leite que é de fato comprado pela indústria, seria um “mundo ideal” mas que já é feito em outros países.
Por outro lado, podemos lançar mão do processo de “amostragem” para estimar a qualidade do leite entregue num determinado período. Ou seja, das 15 remessas de leite feitas à indústria durante o mês, poderíamos realizar a coleta em apenas algumas remessas. A qualidade aferida nestas amostras seria representativa de todo o leite vendido durante o mês, com uma certa “margem de erro”.
Vamos analisar o exemplo abaixo de uma fazenda em que foi feita a coleta diária de uma amostra para determinação do teor de gordura. No Gráfico 3, podemos observar a variação no teor de gordura. O teor médio de gordura das 30 amostras é de 3,35%. Sabendo que amostramos todos os dias, sabemos que este valor é o valor “real” para o teor de gordura. Agora vamos imaginar que a indústria realizasse somente 1 (uma) amostra no período e que a coleta foi feita no dia 17/03. O teor de gordura observado nesta amostra foi de 3,13%. Ou seja, o valor de gordura obtido pelo processo de amostragem seria de 3,13%, abaixo do valor “real” de 3,35%.
Por outro lado, imagine se a coleta tivesse sido realizada no dia 19/03. O teor de gordura nesta amostra foi de 3,48%, superior a média “real” de 3,35%. Nesta situação a fazenda poderia ser classificada numa faixa superior e receber além do que deveria pelo litro do leite.
Por outro lado, se considerarmos a coleta no dia 23/03 o teor de gordura foi exatamente igual ao teor de gordura “real”. Ou seja, com uma única amostra durante os 30 dias conseguiríamos classificar o produtor corretamente.
Se formos aumentando o número de amostras coletadas temos a chance de aproximar cada vez mais o valor “observado” do valor “real”. Mas qual seria este número mínimo de amostras para termos uma certa segurança na classificação do produtor ? Um aspecto importante que afetará o número mínimo é a “variação natural” que ocorre ao longo do mês nos resultados. Este variação pode ser expressa por um indicador chamado de coeficiente de variação (CV %).
Gráfico 3. Variação diária do teor de gordura de uma fazenda (Exemplo).
Estudo de campo para definir a variação dos dados (coeficiente de variação)
Realizamos um estudo com 502 fazendas em que verificamos o coeficiente de variação amostral (CV %) para os parâmetros como gordura, proteína, CCS e CBT (contagem bacteriana total).
Na Tabela 2, as fazendas foram separadas em 3 grupos de acordo com o CV, considerando variação baixa, média e alta. Notamos que os parâmetros de CCS e CBT são os que apresentaram maior variação, enquanto que a proteína é o que menos varia. O valor do grupo alto é onde temos cerca de 75% das fazendas. Exemplo: para gordura, 75% das fazendas possuem variação de até 8% para gordura.
Tabela 2. Coeficiente de variação amostral observado em 502 fazendas
A informação do CV é uma peça chave para se calcular o número de amostras mínimo.
Sabemos que alguns fatores podem afetar o CV como:
- número de vacas em lactação: quanto maior o número menor deve ser o CV
- manejo nutricional: quanto mais estável for a nutrição dos animais, menor será o CV
- manejo de ordenha: quanto mais estável for o manejo, menor será o CV
Calculando o número mínimo de amostras
Além da informação do CV amostral, outra informação também é necessária para se definir o número mínimo, que é a amplitude da classe utilizada no pagamento por qualidade. Quanto menor for a amplitude, maior terá de ser o número de amostras.
Utilizando uma equação estatística específica, conhecendo-se o CV e amplitude da classe é possível definir o número mínimo de amostras.
Abaixo um exemplo para a análise de gordura. Se considerarmos uma classe com amplitude de 0,15 unidades (de 3,30 a 3,45), e considerando o grupo alto (que contempla 75% das fazendas) precisaríamos de pelo menos 3 amostras no mês.
Tabela 3. Número mínimo de amostras para teor de gordura em função do CV e amplitude da classe para fazenda com teor médio de 3,50%
Tabela 4. Número mínimo de amostras para teor de proteína em função do CV e amplitude da classe para fazenda com teor médio de 3,15%
Tabela 5. Número mínimo de amostras para CCS em função do CV e amplitude da classe para fazenda com CCS média de 250 mil.
Tabela 6. Número mínimo de amostras para CBT em função do CV e amplitude da classe para fazenda com CBT de 100 mil.
Ainda neste projeto, simulamos o que aconteceria com estes 502 produtores se por exemplo, o número de amostras fosse reduzido de 4 para 1 amostra/mes. Com esta redução mais de 80% deles mudaria de classe e consequentemente receberiam um valor diferente. Uns para mais, outros para menos.
E qual seria portanto o número mínimo de amostras ? Depende. Como podemos observar o número de amostras será função do CV e também da amplitude da classe. Se fosse fazer uma recomendação geral, pelo que temos observado nos programas de valorização da qualidade (PVQ), seria recomendável trabalhar com 3 ou mais amostras por mês.