Vez por outra são divulgados estudos que afirmam que as propriedades de leite brasileiras não se pagam. Quem primeiro relatou isso no Brasil foi o Dr. Moricochi, então pesquisador do Instituto de Economia Agrícola – IEA, quando estudou uma amostra de propriedades de São Paulo, em 1973. A partir daí, na impossibilidade de explicar por que a produção crescia mesmo com resultados econômicos desfavoráveis das propriedades, substituíram a metodologia de custos econômicos tradicional pela de Custo Operacional Efetivo – COE e Custo Operacional Total – COT.
Todavia, mesmo com esta metodologia, os levantamentos continuaram demonstrando que a receita de boa parte das propriedades não cobria o COT de uma fazenda típica. Eu também conclui isso, ao analisar 63 propriedades na minha dissertação de Mestrado, ainda nos anos oitenta. Mas, é claro que não é toda propriedade que não consegue cobrir os custos. Afinal, se fosse assim, não estaríamos aumentando continuamente a produção.
Uma coisa é certa: a metodologia de COE e COT ajuda muito pouco um produtor a tomar decisões estratégicas, pois não revela claramente se a propriedade é eficiente. Esta metodologia considera os eventos ocorridos ao longo de um ano e não foca o que aconteceu no último mês, que é o que mais conta. É como dirigir sua fazenda olhando para o retrovisor. Ademais nestas quase 4 décadas em que vem sendo utilizada, não contribuiu para que tivéssemos benchmarking na atividade, ou seja, não contribuiu para que pudéssemos eleger, sob a ótica econômica, que é o que realmente importa, quais são as melhores práticas de gestão e as tecnologias mais rentáveis. Esta metodologia não indica qual o caminho do sucesso.
Ocorre que precisamos conhecer o caminho do sucesso e divulgá-lo, para que todos possam segui-lo ao invés de deixar de produzir leite, como vem ocorrendo com pelo menos um produtor brasileiro a cada onze minutos. Precisamos jogar mais luzes nestas infindáveis, apaixonadas e pouco produtivas discussões sobre qual é a melhor raça e o melhor capim, que mais confundem que esclarecem e deixam inseguro o produtor. É fundamental conhecer o caminho do sucesso, também, para separar o joio do trigo, demonstrando que tecnologias geram valor para o produtor (sucesso) e que tecnologias destroem valor, fazendo-o mais pobre (insucesso). Mas, a metodologia de COE e COT, largamente utilizada, não cumpre este papel.
Em janeiro de 2005 o Dr. Jacques Gontijo, atual presidente da CCPR/Itambé, convidou para uma conversa o prof. Dr. Sebastião Teixeira Gomes, o Prof. Dr. Vidal Pedroso de Faria, eu e o Dr. Luiz Carlos Takao Yamaguchi, pesquisadores da Embrapa Gado de Leite. Ele nos colocou um desafio: encontrar indicadores que possibilitassem aferir se uma propriedade apresenta desempenho eficiente. Na época, eu relatei aqui esta reunião. Convido-o a rever este relato, clicando aqui.
Pois naquele dia o Dr. Jacques falou de uma metodologia que estava revolucionando mundialmente a tomada de decisões nas empresas industriais e do setor de serviços. Falou conosco sobre EBTIDA, EVA, ROI e outros conceitos, e como isso permitia saber se uma empresa apresentava um bom desempenho quase que imediato. Na prática, essa ferramenta permitia gerir a empresa em tempo real. Ele achava que era necessário levar esses conceitos para o setor leiteiro, que é uma atividade de elevado risco e baixa rentabilidade, e nos colocou esse desafio.
Todos nós que ali estávamos não dominávamos estes conceitos e a conversa evoluiu pouco naquele dia. Passados três anos, conheci o estudante Willians Xavier de Oliveira. Ele fazia mestrado em Administração na Fundação Getúlio Vargas conjugado com a prestigiada ISCTE-IUL, de Lisboa, Portugal. Ele aceitou o desafio de testar estes conceitos no setor lácteo, com o apoio das cooperativas Castrolanda e CCPR/Itambé. Fui seu orientador de mestrado, juntamente com uma renomada professora portuguesa. A tese foi defendida em Portugal e foi elogiadíssima pela banca, dado o ineditismo. Se você deseja conhecer seu conteúdo, clique aqui.
Na CCPR/Itambé, onde tudo começou, o resultado favorável obtido com a tese estimulou a decisão de levar essa ferramenta aos produtores, para que eles conheçam o desempenho de sua atividade com o mesmo critério e agilidade das grandes empresas mundiais como a Apple, Nike, Esso, Bradesco, Unilever, Vale e Petrobras. Desde o ano passado, com forte envolvimento intelectual do seu presidente, o Dr. Jacques Gontijo, que tem aportado sua experiência ao projeto, técnicos da Empresa trabalham com a Embrapa Gado de Leite e com o prof. de MBA da Fundação Getúlio Vargas, Willians Xavier, visando criar uma nova sistemática que viabilize a disseminação desta ferramenta.
E o rebento nasceu! Depois de treinamentos, experimentações, criação e implantação de novos procedimentos de coleta de dados, estamos entregando ao produtor relatórios sobre o que se passou no mês anterior em sua propriedade, pelo terceiro mês consecutivo. Veja o modelo de relatório que o produtor recebe no início de cada mês, ao final deste texto. Em apenas uma folha ele tem as principais informações que impactam a vida econômica da sua propriedade. Logo no início da primeira página o produtor encontra uma mensagem todo mês. A seguir, vem as informações sobre o caixa gerado na propriedade naquele mês, qual a margem do caixa em relação à receita e se o retorno que o capital empatado na propriedade foi acima ou abaixo do que a poupança. Fica sabendo também se o ativo está girando rápido ou lentamente e se houve destruição ou geração de valor naquele mês. Ele ainda é informado o quanto seria necessário produzir para pagar três contas:
a) apenas as despesas de produção,
b) estas despesas e a depreciação de ativos; e
c) todos os custos, o que inclui o capital empatado. Então, na primeira página é uma fotografia do desempenho econômico da propriedade naquele mês.
Na segunda página da folha estão indicadores de outra natureza, mas que são, em essência, os geradores dos indicadores de desempenho da propriedade naquele mês. Eles estão classificados em dois grupos: a) indicadores de eficiência técnica, e b) indicadores de qualidade. Veja que, ao lado do resultado obtido no mês para cada indicador há um parâmetro de referência, algo parecido com o que encontramos nos exames de sangue. Isso ajuda o produtor a entender como a propriedade está em relação àquele indicador, que não é benchmark, pois é um parâmetro mínimo de “saúde”.
Nos indicadores de eficiência técnica apresentamos uma novidade que é o item “perda com morte de animais”. Lembre-se que estamos em busca de indicadores que impactam a rentabilidade da empresa. Então, este indicador é diferente de taxa de mortalidade. Já nos indicadores de qualidade, resolvemos considerá-los de modo isolado, dada a importância que eles assumem na formação de preços pagos aos cooperados da Itambé. Perceba que chega a R$ 0,17, como limite. Ao final, o produtor recebe uma análise curta do desempenho da propriedade naquele mês.
Esta nova metodologia está em fase de testes, embora em rápida consolidação. Em mais alguns poucos meses esta nova ferramenta de gestão poderá ser disseminada. Até que isso ocorra, não é confiável cair na tentação de aproveitar dados coletados pelos métodos tradicionais e transformá-los em ROI e EVA, por exemplo. Fizemos isso e percebemos que os resultados ficam muito diferentes dos procedimentos novos, que desenvolvemos e iremos disponibilizar.
O que desejamos é que esta nova ferramenta seja propagada. Com isso haveria uma frenagem na perda de produtores do setor. Os produtores ganham quando tem disponíveis instrumentos de gestão. Ganham as empresas, pois passam a ter fornecedores com visão de negócio. Por outro lado, nós da Embrapa Gado de Leite, queremos propor benchmarking para a atividade e jogar luz nestas discussões polêmicas que, travestidas de discussões técnicas, têm mais fé que razão. Entendemos que avançar nesta linha de pesquisa poderá permitir que o Brasil caminhe para estudar a padronização de sistemas de produção, como já existe na soja, no milho, no café, no suíno, nas aves e como ocorre há muito tempo nos países tecnologicamente avançados na produção de leite. Enquanto isso não acontece, a cada onze minutos o IBGE contabiliza menos uma fazenda produtora de leite no Brasil.