Como a descarbonização da cadeia do leite pode ser uma oportunidade para o Brasil

Enquanto o mundo discute clima em Belém, estudos mostram que eficiência produtiva e descarbonização podem mudar o futuro do leite brasileiro.

Publicado por: MilkPoint

Publicado em: - 7 minutos de leitura

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A Conferência COP30, em Belém, reúne 198 países para discutir ações contra mudanças climáticas, com foco nas metas do Acordo de Paris. O Brasil, um dos dez maiores emissores de gases de efeito estufa, atualizou sua meta de redução de emissões, priorizando a pecuária leiteira. A Embrapa Gado de Leite colabora com laticínios para descarbonização, mostrando que a eficiência produtiva reduz emissões. Programas do governo e empresas oferecem incentivos para práticas sustentáveis na produção de leite, visando aumentar a competitividade do setor.

Nos últimos dias, os olhos do mundo estão voltados para Belém (PA), palco da Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30). Participam da Conferência 198 países que ratificaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, constituindo-se em um dos maiores órgãos multilaterais da ONU.

A COP é o órgão responsável por tomar as decisões necessárias para implementar os compromissos assumidos pelos países no combate às mudanças do clima. Esses compromissos foram firmados no Acordo de Paris, durante a COP21 em 2015, tendo como principais objetivos: manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2° C, com esforços para limitá-lo a 1,5° C; incrementar capacidades de adaptação e resiliência; e alinhar os fluxos financeiros aos demais objetivos do Acordo.

O Acordo de Paris estabeleceu a obrigação de todos os países apresentarem periodicamente suas “Contribuições Nacionalmente Determinadas” (NDCs, na sigla em inglês). Nas NDCs, cada país estabelece suas metas e detalha as ações para responder à mudança do clima, sendo sua implementação acompanhada por um regime de transparência global.

O Brasil está entre os dez maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE) do mundo, sendo o único país desse ranking que apresenta o setor agrícola como o que mais contribui para essas emissões. Em 2024, durante a COP 29 realizada em Baku, no Azerbaijão, o Brasil atualizou sua meta de redução de emissões, estabelecendo os limites entre 59% e 67% até 2035, comparada aos níveis de 2005, e emissão líquida zero até 2050. Apesar de ser responsável por cerca de 3% das emissões de GEE do país, a pecuária de leite foi colocada como um dos setores prioritários para essa redução.

Além do governo brasileiro, algumas das maiores empresas de laticínios que atuam no país também estabeleceram suas metas para a redução das emissões e de balanço líquido zero a serem alcançadas até 2050. Essa conjugação dos compromissos público e privado reforça a necessidade de esforços conjuntos para avançar nesta direção de redução das emissões para o alcance das metas estabelecidas.

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A etapa de produção do leite é a principal responsável pela pegada de carbono dos produtos lácteos, representando cerca de 75% das emissões totais da cadeia. Esse dado coloca a fazenda como o local prioritário para a implementação de ações para descarbonização do setor. As emissões na produção de leite in natura originam-se de quatro fontes principais (Figura 1):

1. Fermentação entérica: Processo digestivo dos bovinos que gera metano (CH4), um gás de efeito estufa (GEE) com alto potencial de aquecimento global;

2. Alimentação: Produção de alimentos para o rebanho dentro e fora da propriedade (alimentos comprados), que emite dióxido de carbono (CO²) e óxido nitroso (N²O) – outro GEE potente;

3. Manejo de dejetos: Tratamento dos dejetos dos animais, que libera CO², CH4 e N²O;

4. Consumo de energia: Atividades que demandam combustíveis ou eletricidade, gerando principalmente CO².

 

Figura 1. Exemplo de pegada de carbono do leite in natura e participação relativa de seus contribuintes.
Fonte: Embrapa Gado de Leite.

 

Atuando em parceria com empresas de laticínios em programas de descarbonização desde 2021, a Embrapa Gado de Leite tem ampliado o banco de dados necessário para cálculo da pegada de carbono do leite in natura, totalizando atualmente mais de quatro mil fazendas distribuídas em relevantes bacias leiteiras do país. Em uma amostra de cerca de 1.600 sistemas de produção já analisados, a pegada de carbono média do leite foi de 1,12 kg CO2 eq/kg FPCM1, sendo que 88% desses sistemas apresentaram pegada de carbono inferior a 2,0 kg CO2 eq/kg FPCM. Embora esses dados sejam exclusivos da base de produtores dos laticínios parceiros e não representem a pegada de carbono média do leite nacional, eles sugerem que a pegada de carbono do leite brasileiro é provavelmente inferior à estimativa de 2,0 a 3,0 kg CO²eq/kg FPCM, parâmetro internacional citado pela IFCN (International Farm Comparison Network), que é uma rede internacional que apresenta informações sistematizadas sobre o setor de laticínios de todo o mundo.

Essa diferença entre estimativas indica que o uso de dados reais para a quantificação da pegada de carbono, além de conferir acurácia às estimativas das emissões da produção de leite no país, permite identificar as estratégias mais efetivas para mitigação das emissões sem comprometer a produtividade das fazendas de leite.

As pesquisas da Embrapa Gado de Leite indicam uma relação direta entre eficiência produtiva e a redução de emissões de GEE, uma correlação observada em todos os sistemas de produção – seja a pasto, semiconfinado ou confinado. Portanto, a transição para sistemas de baixo carbono, embora exija investimentos, deve ser vista como uma oportunidade estratégica. O foco deve ser orientar esses recursos para ganhos de eficiência, que simultaneamente aumentam a rentabilidade e reduzem o impacto ambiental.

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Essa premissa é respaldada por estudos, como uma análise publicada no Milkpoint com dados reais de 2023. O estudo, que avaliou propriedades durante um período de crise setorial semelhante ao atual, revelou que os produtores eficientes mantiveram rentabilidade satisfatória independentemente do seu volume de produção. Esse resultado demonstra que sistemas mais rentáveis exibem melhores indicadores técnicos, um reflexo direto da eficiência gerencial "dentro da porteira".

Essa busca por eficiência associada às ações para redução das emissões de gases da atividade leiteira também já mostra resultados positivos. Exemplos das empresas Danone e Nestlé foram apresentados em matéria publicada no Milkpoint. No caso da Danone, entre 2020 e 2024, foi possível reduzir em 47% o fator de emissão de carbono na produção de leite, sendo que as fazendas participantes do seu programa registraram aumento de 22% na renda real, crescimento de 59% na margem líquida, alta de 15% na produtividade por vaca e crescimento médio de 26% na produção diária. Já a Nestlé, cita uma redução de 39% na pegada de carbono de um estrato de produtores somente na safra 2024/2025, com 47% mais produtividade por vaca e custo de produção de alimentos 8% menor.

Esse cenário pode se constituir em excelente oportunidade para a cadeia avançar de forma estruturada para aumento de sua competitividade, com investimentos orientados na atividade em busca de aumento da eficiência global, aproveitando-se dos recursos mais atraentes disponíveis nessas linhas de crédito voltadas à descarbonização. Existem atualmente programas das empresas de laticínios e do governo federal que incentivam a produção de leite com baixa emissão de carbono. Isso é importante, visto que o mercado ainda não valoriza de forma diferenciada esse produto mais sustentável, com o pagamento de preços mais altos, gerando a necessidade de políticas públicas e privadas de estímulo à adoção das práticas redutoras de emissões pelos produtores de leite.

Os programas das empresas contemplam desde assistência técnica custeada ou subsidiada pelo laticínio, financiamento subsidiado de estruturas e de equipamentos que favorecem a redução das emissões na propriedade, como o exemplo de sistemas modernos para o manejo dos dejetos, até sobrepreço pago pelo leite produzido de forma orientada para redução da pegada de carbono.

Entre os programas de governo com acesso pelo setor de laticínios está o Plano ABC+ (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), uma política pública do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) voltada para promover práticas agropecuárias sustentáveis que reduzam as emissões de GEE e aumentem a resiliência climática no campo. Esse Plano possibilita financiamentos com taxas de juros reduzidas, dentro do Plano Safra, para investimentos em práticas mitigadoras de GEE como, por exemplo, recuperação de pastagens, sistemas integrados (iLPF) e plantio direto.

Outra oportunidade, que associa a participação do governo com as empresas, é o Programa Mais Leite Saudável (PMLS), também do MAPA, que concede incentivos fiscais para empresas de laticínios que investem em seus produtores. Nesse caso, há possibilidade de apoio a projetos para fomentar a assistência técnica e a capacitação dos produtores rurais, para aumentar a produtividade nas fazendas e para adoção de boas práticas agropecuárias, projetos que focam o aumento da eficiência produtiva e, dessa forma, apresentam repercussão sobre a redução da pegada de carbono do leite.

A atual crise do setor leiteiro nacional, sintoma de sua baixa competitividade internacional, evidencia a necessidade urgente de uma evolução estruturada em toda a cadeia. Sem essa transformação, continuaremos a ver produtores abandonando a atividade e laticínios falindo — um ciclo que se repete em intervalos cada vez menores.

Mas olhando para o futuro, como a demanda global por proteínas de alta qualidade tende a crescer e os grandes produtores mundiais de leite enfrentam limitações para expandir sua produção, o Brasil pode se posicionar como um potencial fornecedor global de destaque. Neste contexto, a descarbonização da cadeia surge como uma oportunidade estratégica. Ao focar no aumento da eficiência dos sistemas de produção e na redução da pegada de carbono do leite, o Brasil pode não apenas resolver suas fragilidades atuais, mas também liderar a transição global rumo a sistemas alimentares sustentáveis. Esse movimento pode se tornar um diferencial competitivo definitivo para o país no cenário internacional.

 

1CO2eq/Kg FPCM = CO2 equivalente (unidade de referência usada para comparar o impacto climático de diferentes gases de efeito estufa) por kg de leite padronizado para 4% de gordura e 3,3% de proteína.

 

Autores

Denis Teixeira da Rocha - analista da Embrapa Gado de Leite

Thierry Ribeiro Tomich - pesquisador da Embrapa Gado de Leite

Vanessa Romário de Paula - analista da Embrapa Gado de Leite

Rafael Gonçalves Tonucci - pesquisador da Embrapa Gado de Leite

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