O Rio Grande do Sul é o segundo maior produtor de leite do Brasil, sendo responsável por 12,5% da produção nacional. Dados da Pesquisa da Pecuária Municipal, divulgados recentemente pelo IBGE, dão conta de que a agricultura familiar é responsável por 85% do total de leite produzido no Estado. São mais de 134 mil produtores de leite, produzindo a partir de um rebanho composto por mais de 1,5 milhão de vacas. Mais de 60% da produção de leite do Rio Grande do Sul se concentra no noroeste do Estado (mapa 1), região com propriedades leiteiras com área ao redor de 20 ha, sendo algumas, apesar de pequenas, muito eficientes, obtendo produtividades superiores a 20.000 litros/ha/ano, demonstrando o potencial produtivo da região.
Mapa 1: Distribuição da produção de leite no RS
Nas fazendas leiteiras do Rio Grande do Sul é predominante o uso da raça Holandesa, porém algumas regiões trabalham com ótimos rebanhos Jersey; percebe-se que, em relação a outras regiões do país, a genética no Rio Grande do Sul não é um fator limitante para a produção de leite, característica que permite rápidas respostas quando são aplicados conceitos técnicos relacionados a nutrição, manejo e conforto do rebanho. Nas fazendas onde se estabelece um bom sistema de manejo, são comuns casos de animais com lactações entre dez e onze mil litros de leite, tendo pastagens como base da alimentação, porém ainda falta uniformidade aos rebanhos. Na maioria das propriedades, a produção de leite é conduzida pela família, onde geralmente a mulher é responsável pela ordenha e pela recria das bezerras, enquanto o homem fica com a produção de alimentos e manejo do sistema como um todo. A utilização de pastagens perenes do gênero Cynodon (Tifton, Jiggs, Coast-Cross etc), principalmente no final da primavera, verão e início do outono, tem possibilitado uma maior produção de forragem no período quente do ano na região; em áreas intensificadas, essas plantas têm permitido a obtenção de lotações superiores a 10 animais/ha nesse período, contribuindo para o aumento da capacidade de suporte das propriedades e para a redução dos impactos do vazio forrageiro, que ocorre nos períodos de transição no outono (março a maio) e primavera (outubro a novembro). Essas áreas perenizadas pela utilização dos Cynodons no período quente também permitem, através da utilização da técnica de sobressemeadura, que plantas de inverno (normalmente aveia e azevém) sejam semeadas a lanço no período frio, sobre estas mesmas áreas utilizadas no verão, garantindo que uma mesma área seja utilizada tanto para pastejo de verão, quanto de inverno. No período frio, geralmente utiliza-se também a silagem de milho para complementar a alimentação volumosa do rebanho, além do pastejo de aveia e azevém cultivados em áreas de agricultura; mais recentemente, tem-se utilizado o trigo de duplo propósito para pastejo, também cultivado nas áreas de agricultura de verão. O período do inverno, normalmente chuvoso na região sul, que permite o aproveitamento de pastagens de inverno de alta qualidade, faz com que a safra de leite no sul ocorra em um período oposto à safra de outras regiões, principalmente sudeste e centro oeste, que concentram sua produção no período do verão e, no inverno, suplementam seus animais no cocho.
Área com Azevém - inverno
A questão da sucessão familiar é também um problema a ser enfrentado nas propriedades gaúchas. Muitos filhos de produtores já não estão mais nas propriedades, pois deixaram o campo em busca de melhores oportunidades na cidade. Alguns por vontade própria, pelo interesse por atividades urbanas, mas a grande maioria por falta de perspectivas na propriedade. Em grande parte das fazendas leiteiras, o contexto vivido pela família até hoje mostra uma realidade de sofrimento associado a um trabalho árduo e de pouca renda. Esse cenário somente será modificado à medida que o produtor passe a ter acesso ao conhecimento, fator capaz de lhe apresentar novas possibilidades e formas de produzir, promovendo uma melhor expectativa de vida no campo. Nesse sentido, várias instituições têm procurado o trabalho da Cooperideal no intuito de desenvolver a pecuária de leite através da capacitação de técnicos e produtores. Esse é o caso de vários municípios do Rio Grande do Sul como Alegrete, Caiçara, Engenho Velho, Lagoa Vermelha, Pinhal da Serra, Santo Ângelo, São Gabriel, Seberi, Taquaruçu do Sul e também de empresas do setor, como a BRFoods, LBR e Laticínios Seberi, cujo apoio permite que este mesmo trabalho chegue a produtores de outros quinze municípios do Estado.
O setor leiteiro é de grande importância para o Rio Grande do Sul, que pelas características de clima, solo, raças especializadas e mão-de-obra familiar faz com que, juntamente com o Oeste de Santa Catarina e Paraná, esteja entre as regiões que apresentam as maiores taxas de crescimento no país. Com o objetivo de ilustrar os resultados obtidos junto aos produtores apoiados por tais parcerias, vamos analisar o trabalho que vem sendo realizado no município de Alegrete desde a parceria firmada em abril de 2010 entre a Prefeitura Municipal, através de sua Secretaria de Agricultura e Pecuária, e a Cooperideal. Na região da Fronteira Oeste do RS, onde está localizado o município, as atividades tradicionais são a pecuária de corte e a produção de arroz, a atividade leiteira comercial ainda é uma novidade. Como normalmente ocorre em todas as regiões do país, no Rio Grande do Sul também havia uma grande desconfiança em relação à metodologia do Projeto Balde Cheio, que seria utilizada pela Cooperideal, e que até então era desconhecida no Estado. Muitos produtores alegavam que este seria mais um programa dentre os vários que já haviam passado pelas diversas regiões do Estado, quase sempre sem obter resultados concretos que melhorassem a renda e a qualidade de vida dos envolvidos. Poucos eram os casos dos leiteiros, que é como são chamados os produtores de leite da fronteira, que obtinham retorno adequado sobre o que investiam na atividade; não eram raros casos com final trágico, onde se perdeu tudo o que fora investido. Nessa região, a responsabilidade pela implantação do programa, pela capacitação dos técnicos locais e acompanhamento junto aos produtores ficaria a cargo do Eng. Agrônomo Juliano Alarcon Fabrício. Nesse cenário cercado de dúvidas, desconfiança e questionamentos por parte de produtores e técnicos locais, foi dado início ao trabalho da Cooperideal no município de Alegrete.
Inicialmente, foi selecionada a propriedade Granja do Cedro, do senhor Leoni Zacarias da Silveira e de seu filho Ronei Motta da Silveira, onde seriam aplicados os conceitos de produção intensiva de leite e gerenciamento da atividade, preconizados pela metodologia do Projeto Balde Cheio, e onde também seriam capacitados os técnicos locais. Essa propriedade tinha uma característica interessante: o filho Ronei havia voltado a trabalhar com seu pai na propriedade havia pouco tempo, portanto o sucesso do trabalho proposto tinha a responsabilidade de garantir o futuro da fazenda pela permanência do filho na propriedade; caso a atividade leiteira não conseguisse gerar renda suficiente para atender os anseios do filho, dificilmente ele se manteria na propriedade e a sucessão do negócio estaria comprometida. Ronei assumiu as atividades da fazenda e assumiu a responsabilidade inclusive de pagar ao pai um valor de arrendamento mensal pelo uso da terra e das instalações da propriedade.
De acordo com o diagnóstico inicial realizado na primeira visita, a Granja do Cedro produzia 233 litros/dia de leite com 30 vacas em lactação, uma produção média de 7,77 litros/vaca/dia. Feito o planejamento das pastagens de inverno e verão, estabelecido ajustes de manejo e adubação das áreas, foi possível uma melhoria expressiva já no final do primeiro ano de trabalho. Ao final dos primeiros 12 meses de acompanhamento técnico, a produção média obtida mais que dobrou e chegou aos 515 litros/dia, atingindo picos de produção de 720 litros/dia. A propriedade começava a dar os primeiros sinais de onde poderia chegar e, nesse momento, houve um salto tanto da renda gerada, quanto do nível de confiança do produtor em relação ao trabalho proposto. Nos últimos 12 meses de atividade na fazenda (julho de 2013 a junho 2014) a produção aumentou ainda mais: foram produzidos, em média, 860 litros/dia no período. A tabela 1 descreve os principais índices da propriedade.
Tabela 1: Resumo dos principais índices zootécnicos obtidos na Granja do Cedro nos períodos 2010/2011 e 2013/2014
Fonte: Planilhas de avaliação econômica e zootécnica da fazenda nos dois períodos
Com a orientação técnica priorizando a manipulação de fatores produtivos visando à geração de renda na propriedade, intensificou-se o uso do solo através da utilização de plantas tropicais de alto potencial produtivo, aplicando-se a técnica do pastejo rotacionado (durante o trabalho foi implantado 1,5 ha de Tifton 85, que passou a ser irrigado em 2012, fato que possibilitou que a propriedade trabalhasse no verão de 2013 com picos de lotação de 14 UA/ha; essa área está sendo expandida para 4 ha), investiu-se em correção do solo e adubação das áreas e trabalhou-se o fornecimento de ração em função da produção de cada lote, o que permitiu a redução no uso de concentrado e o melhor atendimento das necessidades nutricionais do rebanho. Com as mudanças estabelecidas, o rebanho atingiu média de 23 litros de leite/vaca/dia, o que representa, em uma lactação média de 305 dias, uma produção de 7.015 litros/vaca. A melhoria da eficiência na manipulação dos fatores produtivos da fazenda fez com que se comprometesse menos renda para o pagamento de despesas operacionais: atualmente a fazenda gasta 67% de sua renda com despesas operacionais (redução de 12,4% frente à situação inicial, quando se gastava 79,4%). A confiança do produtor no negócio aumentou: nos últimos doze meses de trabalho o investimento foi de R$ 31.297,88, valor seis vezes maior que o realizado nos primeiros doze meses. A sobra financeira disponível para a família, representada pelo fluxo de caixa da atividade, que no início do trabalho foi de R$ 19.384,99/ano, saltou para R$ 69.863,69 nos últimos doze meses. Vale ressaltar que estão computados nos custos o valor de arrendamento de R$ 22.480,00/ano pagos do filho para o pai.
Baseado nos resultados obtidos pelo trabalho na propriedade da família Silveira, o município de Alegrete criou o Programa Mais Leite Alegrete. No projeto, os técnicos do município que receberam capacitação durante a implantação do trabalho na Granja do Cedro aplicam os conceitos adquiridos nas demais propriedades do município. Com a dedicação dos técnicos e o comprometimento dos produtores, foi possível um incremento de 4,1 milhões de litros/ano na produção de leite local. Em 2010 a produção anual do grupo de produtores atualmente acompanhados pelo programa Mais Leite Alegrete era de 5 milhões de litros, e nos últimos doze meses esta produção saltou para 9,1 milhões, crescimento anual médio de 17% no período 2010-2014, bem maior que o observado na grande maioria das bacias leiteiras do país (gráfico 1). O volume médio de leite produzido diariamente pelas propriedades trabalhadas, que no período anterior à participação no programa era de 246 litros, subiu para atuais 423 litros. Considerando um preço médio de R$ 0,90/litro, foram acrescidos ao comércio local de Alegrete, somente nos últimos dozes meses, o valor de R$ 3.690.000,00/ano (R$ 0,90 x 4,1 milhões de litros), mostrando a importância de se investir no desenvolvimento da atividade e a grande capacidade que tem a atividade leiteira em fomentar o desenvolvimento e movimentar a economia local, isso tudo tendo como base um trabalho de assistência técnica de qualidade.
Gráfico 1: Evolução da produção de leite em Alegrete/RS - Programa Mais Leite Alegrete
Fonte: Dados das empresas BRFoods e Cosulati.
As palavras de Marcio Amaral, médico veterinário da Emater de Alegrete, e um dos principais responsáveis por organizar o trabalho de assistência técnica ao produtor de leite no município, resumem a forma integrada com que o trabalho é realizado em Alegrete: ‘’Acreditamos que um dos principais pontos, dentre outros que poderíamos destacar para justificar o bom momento do setor em Alegrete, talvez seja a dedicação dos técnicos e a compreensão das várias instituições envolvidas - Secretaria de Agricultura e Pecuária do município, Emater, Fundação Maronna, Senar/Sebrae, Embrapa, entre outras - de que, juntas e sem vaidades, somos muito mais fortes. Quem ganha com isso é o produtor do Alegrete". Com um propósito definido, compartilhando e transferindo conhecimento, poder público, técnicos e produtores têm se engajado ao projeto de mudar a realidade das propriedades leiteiras de Alegrete e de toda esta região de fronteira; aos poucos vai sendo criada uma cultura transformadora, onde todos trabalham juntos, unidos para conseguir melhores resultados na atividade, que se traduzirão em desenvolvimento para o município e mais qualidade de vida no campo.