Seria a Guernsey uma raça nova? Muito pelo contrário. Trata-se de uma das raças mais antigas do mundo. As raças Jersey e Guernsey são talvez as raças leiteiras européias mais antigas no mundo e que evoluíram em ilhas (distantes umas das outras em apenas 30 km), o que tornam as suas genéticas menos sujeitas a influências de outras raças.
Segundo Curt Van Tassel, Geneticista do USDA (Guernsey World, Sept. 2007), as duas raças têm uma origem comum, ou seja, foram um dia uma única raça, que posteriormente desenvolveram-se em duas raças, separadamente nas duas ilhas de Jersey e de Guernsey. No livro "The Guernsey", escrito em 1941 por William H. Caldwell, é relatado que no final do século 17, quando ele esteve nas duas ilhas, o gado apresentava uma certa similaridade.
Ele registra um fato curioso à época, relatado por T.S. Cooper, conhecido importador de gado, de que uma vaca, que havia ganho o prêmio de melhor manteiga na ilha de Jersey por três anos consecutivos, teria vindo, na verdade, da ilha de Guernsey. Posteriormente, em Jersey, selecionou-se para pelagem bege fechada (embora até hoje nasçam Jerseys malhadas de amarelo/bege e branco) enquanto que em Guernsey manteve-se a pelagem malhada que varia do bege, passando pelo amarelo e indo até o avermelhado com branco. Uma característica muito interessante dessa raça é a sua intensa pigmentação laranja/avermelhada de toda a sua epiderme, evidenciando um caráter genético positivo para o acúmulo de Beta Caroteno, um pigmento anti-oxidante que inclusive dá cor ao leite da Guernsey denominado "Golden Milk" ou leite dourado.
Existe essa raça no Brasil? Infelizmente não. A raça extinguiu-se no Brasil. Embora intensamente importada pelos países da América do Norte e do Sul nos séculos 18, 19 e 20, a raça apenas prosperou e manteve-se pura nos EUA e Canadá, além do Reino Unido, Austrália, África do Sul e obviamente na própria ilha de Guernsey. No Brasil, a primeira importação de animais Guernsey foi feita pelo Barão de Nova Friburgo, para a famosa "Fazenda do Gavião", em Cantagalo, RJ, ainda no século 17.
Era bastante conhecida a paixão de alguns tradicionais criadores de cavalo Mangalarga pela raça Guernsey. As últimas importações datam da década de 80 e foram feitas pela família Custódio Almeida, tradicional criador do Rio de Janeiro, muito antes, portanto, do advento da Doença da Vaca Louca, que hoje proíbe a importação de animais vivos dos EUA e Canadá. Segundo consta, a raça Guernsey já foi a raça leiteira mais criada no Brasil antes do advento da Holandesa PB.
Alguns poucos admiradores dessa raça estão novamente fazendo cruzamentos usando sêmen importado dos Estados Unidos e Canadá disponíveis na Sembra e Semeia (Select Sires), Semex, AxelGen e Volta. As mestiças com HPB saem também pretas e brancas, mas observa-se uma melhora sensível no úbere, fertilidade, facilidade de parto, pés e casco. A produção de novilhas mestiças F1 Guernsey x HPB variou de 22 a 27 kg de leite/dia, não tendo ainda lactações fechadas até o momento. O produtor Laert Garcia, de Pouso Alegre, está muito satisfeito com as suas 5 novilhas 1/2 sangue Guernsey em lactação e convida os interessados a uma visita a sua propriedade no Sul de Minas, o Sitio Bela Vista.
Mas, afinal de contas, qual a vantagem de se criar uma raça leiteira que não produz tanto leite como a HPB? A maior vantagem seria a qualidade do leite quando os laticínios do Brasil remunerarem os produtores como todos os demais laticínios do mundo. Não é possível o Brasil, que tanto desenvolvimento tem demonstrado nas últimas décadas, continue a remunerar os seus produtores de leite como um país qualquer de terceiro mundo. O Brasil possui genética e tecnologia de primeiro mundo mas remunera os produtores de leite como um país de terceiro mundo.
O leite de Jersey é propagandeado como sendo o "melhor leite do mundo". Em termos práticos, no Brasil, essa afirmação é correta, pois mesmo não dispondo ainda de nenhum exemplar da raça Guernsey, a qualidade do leite desta raça é por demais conhecida e várias vacas Guernsey têm obtido recordes mundiais para gordura e proteína repetidas vezes. Além de elevados teores de gordura (já foi chamada de raça Mantegueira) e proteína, o leite de Guernsey - também chamado e vendido como "Golden Milk" - é rico em Beta Caroteno, daí a coloração amarelada e a denominação "Leite Dourado". É o leite para quem está pensando na produção de laticínios de altíssima qualidade. Não é um leite qualquer. É um leite único no mundo.
Porém, a faceta que mais chama a atenção no leite da Guernsey seria a sua total falta de alergenicidade por conter apenas Beta-Caseina A2. Nenhuma outra raça leiteira européia pode alegar essa total hipo-alergenicidade como a raça Guernsey. A raça que mais se aproximara seria exatamente a Jersey, talvez pela sua origem comum, com 75% do seu leite contendo apenas a B-Caseina A2. Mais informações sobre o Leite A2 pode ser obtida no site www.enxaqueca.com.br do médico Dr Alexandre Feldman.
Para trocar idéias sobre a raça Guernsey e obter mais informações entre em contato com o grupo que atualmente tenta reerguer a finada Associação de Criadores dessa raça, através do endereço eletrônico: zeeguernsey@hotmail.com Esse grupo convida aqueles criadores de mente aberta e que já estejam, por assim dizer, cansados de ver o mundo leiteiro em preto e branco. Seria o leite de Guernsey o leite do futuro?
O Autor é criador de Gado Guernsey em Elói Mendes e Seritinga, no Sul de Minas.
World Dairy Expo in Madison, Wisconsin, EUA - 2007. Campeã Suprema (à direita) e Reservada Campeã Suprema (à esquerda).