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Qual é a música?

ESPAÇO ABERTO

EM 03/10/2002

7 MIN DE LEITURA

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Marcello de Moura Campos Filho 1

Agradeço os comentários do amigo Marcos Jank com relação às discordâncias de considerações que fiz no meu artigo "A virtude não está nos extremos", pois me permitem complementar e esclarecer as colocações ali apresentadas.

Não nego a contribuição de Adam Smith ao mostrar, há mais de 200 anos, os benefícios líquidos que o livre comércio pode trazer para as sociedades. Mas, para o livre comércio funcionar sem restrições, seria necessário que um poder não humano garantisse o mercado perfeito e o equilíbrio competitivo de seus componentes. Marcos Jank concorda que o livre comércio não existe no mundo real. Penso que se Adam Smith pudesse ver tudo que aconteceu depois que escreveu o célebre livro "A Riqueza das Nações", talvez hoje fizesse uma revisão na obra, ao menos alertando que os conceitos continuam válidos, mas que na sua aplicação são necessários certos cuidados em função da diferença de informações e poder econômico das sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento.

O célebre economista britânico, Jonh Maynard Keines, talvez tenha sido o primeiro a propiciar uma compreensão de que a falta de demanda agregada suficiente explicava a queda das economias e que as forças de mercado não funcionam rapidamente para adaptar a economia a um nível de emprego pleno. Por isso, mais tarde, teve uma participação fundamental em Bretton Woods, quando foi criado o FMI. Dentro de seu conceito original, o FMI era fundamentado num reconhecimento de que os mercados em geral não funcionavam bem, e poderiam gerar desemprego em massa e deixar de disponibilizar verbas para países que precisassem restaurar suas economias, e assim era necessário uma entidade que pudesse ajudar os países a corrigir essas distorções e obter políticas expansivas, assegurando a estabilidade econômica. Hoje o FMI defende a tese da economia de mercado e só concede recursos para países que se engajarem em políticas de corte de gastos, aumento de impostos e elevação de taxas de juros, medidas que levam a retração da economia. Joseph E. Stiglitz, Nobel de Economia em 2001, diz que Keynes estaria se revirando no túmulo se pudesse ver o que aconteceu com o projeto que idealizou.

O marxismo e a transição da Rússia para o comunismo ensejaram no século XX uma experiência econômica e social sem precedentes, onde a economia de mercado era considerada perniciosa, e apenas o rígido controle da economia pelo Estado proporcionaria resultados positivos em termos econômicos e sociais. Não funcionou, o comunismo caiu, e com a queda do muro de Berlim, a Rússia, a Europa Oriental e o Sudeste Europeu abandonam a intervenção do estado na economia, abraçam o capitalismo e as idéias dos defensores do livre mercado. O processo de transição está longe de terminar, mas os resultados neste período ficaram longe do que previam os defensores do fundamentalismo do mercado no lugar do marxismo.

Por isso tenho a convicção que também na economia, a virtude não está nos extremos: para que os mercados funcionem bem, é necessário uma certa dose de regulação do estado, que também deve proteger determinados setores em determinados momentos da concorrência desleal e predatória de outros países.
Devemos obviamente buscar a eficiência e produtividade na agropecuária, mas como o próprio Marcos Jank reconhece, os países ricos se fecham pontualmente aos produtos onde conseguimos competitividade. O açúcar e leite são realmente os produtos mais protegidos da agropecuária mundial. No caso do açúcar, talvez seja decorrente do fato de no passado, Brasil e Cuba, que dominavam o mercado mundial, terem imposto preços muito elevados, o que levou esses países a aumentar sua produção interna e hoje não querem abandonar seus produtores, pois desempenharam um papel fundamental na queda dos preços do produto no passado. O leite por outras razões, talvez por gerar empregos significativos no campo e pela importância do produto para a saúde da população e segurança alimentar. Aliás, estas foram razões que os consumidores do Canadá apontaram, em pesquisa realizada pelo Governo para manter a política praticada, mesmo representando preços maiores que o leite importado.

O subsídio ao leite nos EUA surgiu há cerca de 60 a 70 anos atrás, constatado que o sério problema de reprovação escolar por que passavam era decorrente de consumo abaixo do mínimo recomendável. O produtor de leite dos EUA na época era pouco produtivo, recebia preço vil pelo "mercado", e não poderia assim abastecer o mercado interno nos níveis que seria desejável para assegurar a saúde e o rendimento escolar do jovem americano. Criou-se um programa, conhecido como "matriz de paridade", onde se determinou numa matriz todos os custos para produção de leite, e um preço para cobrir esses custos e assegurar uma justa remuneração do produtor. Se os insumos subissem, o preço ao produtor subiria junto. Se o governo, politicamente não quisesse que os aumentos fossem repassados no preço ao consumidor, deveria cobrir a diferença. O sistema original mudou bastante, permanecendo proteção e subsídios do governo para garantir os níveis de produção e estoques que julgam necessários.

Realmente, a agropecuária nos EUA absorve apenas 2% da população e na UE apenas 4%. Mas é preciso considerar que existe uma defasagem da realidade brasileira de cerca de 40 a 50 anos com relação a realidade dos EUA e de cerca de 20 a 30 anos com relação a EU. No Brasil a geração de empregos na agropecuária será fundamental por muitos anos ainda. Se houver uma política para nosso consumo por habitante atingir os níveis mínimos recomendados pela OMS, e tarifas que evitem concorrência desleal e predatória de outros países, estaremos acrescentando 8,5 bilhões de litros por ano à nossa produção de leite, gerando cerca de 800.000 empregos diretos no campo. Isto, no meu entender, justifica atenção especial do governo brasileiro para o leite, protegendo esse mercado da concorrência desleal e predatória de outros países (que sem subsídios e proteção tarifas baixas não penetrarão no mercado brasileiro, pois nosso custo de produção é dos mais baixos do mundo, além do custo do frete a longa distância). Mas concordo que, se o mundo todo liberar o mercado de laticínios, poderemos liberar também, passaremos a ser grandes exportadores de leite e teremos vantagens com isso. Mas essa liberação ampla, geral e irrestrita não depende apenas da nossa vontade pessoal, e poderá por muitos anos ainda ser uma utopia.

É obvio que para exportar, precisamos também importar, pois o comércio internacional é uma via de duas mãos. Não tenho dúvidas que o comércio internacional é importante para o desenvolvimento dos países e fortalecimento de suas economias. Mas também não tenho dúvidas que o fortalecimento da economia dos países passa pela geração de empregos e pela melhoria da distribuição de renda, permitindo um comércio interno mais vigoroso. Por isso acredito que os governos devem deixar os mercados funcionarem, mas estabelecendo um mínimo de regulamentação, e até mesmo de proteção, para evitar as distorções que ocorrem na prática em função da diferença de informações, de organização e, principalmente, de poder econômico dos participantes do mercado.

No caso do leite, por exemplo, com milhares de produtores, desorganizados, desinformados e descapitalizados, e um número relativamente pequeno de compradores, dominados por grandes empresas, geralmente multinacionais, caracterizando oligopsônio, pode-se acreditar em livre mercado ? Em função do resultado dos últimos 20 anos eu não acredito, e por isso defendo a criação de uma Câmara Nacional do Leite junto ao MAPA, onde teriam assento representantes de todos os segmentos do agronegócio e representantes do Governo, para, através de discussões e negociações com mediação do Governo, estabelecer diretrizes para o agronegócio e, anualmente, a política de preços vigentes. Deixo claro que não prego a volta ao tabelamento de preços pelo Governo, e que o papel dessa Câmara e a mediação do Governo é estabelecer, através de parâmetros, a regulamentação mínima que deverá ser observada na negociação comercial entre as partes, de forma a evitar o domínio da informação e o abuso de poder econômico por qualquer das partes, garantindo a atividade sustentável de todos os elos do agronegócio.

Acredito que eu e o amigo Marcos Jank tivemos oportunidade de expor aos leitores do MilkPoint nossos pontos de vista. E naturalmente, em muitos deles podemos concordar, em outros discordar.

Mas o importante é que após as eleições, com a posse de Lula, que deverá ser o novo Presidente da República, o disco realmente vai mudar. Logo vamos saber qual a música que vai tocar. Pelo que o candidato tem dito em campanha, parece que a melodia não será nos extremos das experiências econômicas, ou seja, nem deixar para o livre mercado resolver tudo, nem deixar todas as soluções como encargos do Estado. Se for essa a música, me agradará, pois reafirmo que acredito que a virtude não está nos extremos, mas sim no meio termo.

________________________
1 Presidente da Leite São Paulo;

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FERNANDO ANTONIO DE AZEVEDO REIS

ITAJUBÁ - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 07/10/2002

Parabéns pela clareza de raciocínio, inteligência e bom senso em todos os seus artigos que tenho lido no MilkPoint.

Os produtores de leite necessitam de lideranças que além de entederem da atividade leiteira também tenham uma bagagem de cultura, conhecimento ou formação acadêmica para nos posicionarmos nesse mundo globalizado onde o mais forte engole o mais fraco.
Os produtores precisam se fortalecer em torno de entidades independentes para que sejam respeitados.

Fernando A Azevedo Reis - produtor de leite em Piranguinho - MG

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