A cana-de-açúcar vai tomar espaço e reduzir a produção de leite em nossa região? Esta é a grande dúvida que atualmente existe na cabeça de muitas pessoas em várias regiões do Brasil e principalmente no triângulo mineiro e sudoeste do estado de Goiás.
Existem muitos produtores de leite e também técnicos do setor afirmando que a pecuária leiteira não terá espaço para continuar existindo nestas regiões em função da chegada dos canaviais implantados pelas usinas de açúcar e álcool. Esta afirmação é no mínimo precipitada e não está fundamentada em estudos mais criteriosos sobre a rentabilidade proporcionada por ambas atividades.
A verdade é que nos últimos cinco anos, estamos observando nestas regiões um avanço muito grande do plantio de cana-de-açúcar destinada para a produção de açúcar e álcool. Neste período, cinco novas usinas já se instalaram em um raio de aproximadamente 200 km em torno de Ituiutaba-MG e outras estarão sendo construídas em pouco tempo.
Nós que trabalhamos com consultoria em pecuária de leite e que também estamos acompanhando de perto estas transformações nos diversos setores produtivos agropecuários, temos uma visão um pouco diferente em relação à retirada da pecuária leiteira para outras regiões mais distantes. A produção de leite dificilmente irá se reduzir nestas regiões. Poderá haver uma diminuição da área utilizada para leite, e isto realmente já está acontecendo, porém ao contrário que se pensa a produção está aumentando.
O leite possivelmente não vai diminuir por dois fatores muito fortes: o primeiro é que para ser produzido, ele não necessita de grandes extensões de terras e o segundo motivo, certamente mais forte que o primeiro, é que a pecuária leiteira quando bem conduzida torna-se mais rentável que o arrendamento para produção de cana.
As usinas por aqui trabalham preferencialmente no sistema de arrendamento de terras e remuneram os proprietários entre 10 e até 15 toneladas de cana por ha ao ano. Isso representa aproximadamente uma receita anual de R$300,00 até R$450,00 para cada hectare arrendado. Este valor depende de alguns indicadores de rendimento da cana e do preço de mercado da mesma.
Atualmente a tonelada de cana está por volta de R$30,00. Os pecuaristas que trabalham de olho na rentabilidade e baseando-se em números consistentes, não estão reduzindo suas produções, mas sim ampliando as mesmas e aumentando seus lucros. Os números que temos mostram e comprovam esta tendência do leite em se concentrar em menores áreas e se tornar mais rentável por ha quando trabalhado de maneira intensiva.
Fazendas que acompanhamos pelo projeto Educampo (Sebrae-MG/DPA Nestlé) há cinco anos estão passando por estas transformações regionais, reduzindo áreas destinadas ao leite, porém ampliando a produção e melhorando a rentabilidade da propriedade. A seguir apresentarei alguns dados médios de 15 fazendas acompanhadas pelo Educampo no triângulo mineiro e sudoeste de Goiás. Os números são referentes às mesmas fazendas em 2001 e 2005 (tabela 1).
Esta amostra apesar de muito pequena é um indicativo do que está acontecendo em várias outras propriedades da região. É possível aumentar a produção de leite mesmo com redução da área utilizada. Isso depende de tecnologias simples e já bastante difundidas entre os produtores. Estas tecnologias se racionalmente adotadas proporcionam uma melhor lotação animal e também promovem um significativo aumento na produção diária dos mesmos, culminando com uma melhor produção por área.
Neste sentido, as usinas se tornam aliadas da pecuária leiteira, pois introduzem na região novas variedades de cana que além de produzir açúcar e álcool acabam chegando também aos cochos das fazendas, servindo de incremento para a nutrição animal. Este é um forte argumento que nos leva a acreditar na não concorrência entre estas duas atividades, mas sim que elas sejam complementares se analisarmos o contexto do setor agropecuário como um todo.
Na tabela a seguir apresentaremos alguns indicadores de uma fazenda localizada no município de Ituiutaba-MG, que compartilhou sua área com a produção de cana visando melhorar a receita bruta e conseqüentemente a rentabilidade da propriedade.
Este é um exemplo de sucesso de convivência entre pecuária (de leite, principalmente) e as usinas que produzem açúcar e álcool. Esta propriedade arrendou 40% da área para plantio de cana-de-açúcar, se capitalizou, reorganizou sua produção pecuária e como conseqüência de toda esta transformação, ampliou em 2,8 vezes sua margem líquida por hectare.
O motivo do arrendamento foi visando melhorar o aproveitamento da área da propriedade e captar recursos que pudessem auxiliar na intensificação da pecuária de leite. Logicamente, houve uma série de mudanças de comportamento no gerenciamento da fazenda, principalmente relacionado à produção de leite que elevou-se de 200 litros/dia no ano de 2001 para 2000 litros/dia em 2005.
O modelo de produção de leite desta fazenda utiliza pastejo rotacionado em capim Mombaça adubado durante as águas e cana-de-açúcar como forrageira durante o período da seca.
Com relação à pecuária de corte, utilizando-se adubação e divisão dos pastos, praticamente se manteve o número de animais de antes (um pouco menos), porém utilizando-se apenas 40% da área anterior. Todas as tecnologias adotadas são validadas quando observamos o expressivo aumento na margem líquida anual por hectare da propriedade.
Podemos observar que, neste caso, a pecuária leiteira é a mais rentável das três atividades e está remunerando 4,7 vezes mais que a pecuária de corte e quase 3 vezes mais que o arrendamento para a usina. Isso não quer dizer que seja uma tendência geral, mas representa a realidade desta propriedade localizada em uma região onde muitas outras estão saindo da atividade sob alegação de falta de rentabilidade suficiente. O diferencial parece ser administrativo.
Na tabela a seguir apresentaremos mais algumas informações zootécnicas e econômicas apenas da pecuária leiteira desta mesma propriedade citada anteriormente. São números médios acompanhados pelo Educampo nos últimos 12 meses:
São exemplos como estes que nos levam a concluir que a produção de leite dificilmente irá reduzir em regiões como estas citadas anteriormente e em muitas outras. Existe espaço suficiente para se trabalhar com cana-de-açúcar e também com pecuária de leite e corte. Aliás estas atividades são de grande importância para o país e precisam se desenvolverem.
Não podemos acreditar que a cana irá eliminar a pecuária de leite, mas sim na possibilidade de utilizarmos as novas variedades de cana trabalhadas pelas usinas, em benefício da nutrição de nossa vacas leiteiras. Isso certamente já está acontecendo e ocorrerá em maior freqüência ainda na medida em que forem aumentando o número de usinas de açúcar e álcool.
A pecuária de leite conduzida de maneira profissional, torna-se uma atividade muito competitiva no setor agropecuário. Dificilmente outra atividade agropecuária rende mais por hectare do que a atividade leiteira bem conduzida. Aos técnicos e pecuaristas do setor resta-nos uma certeza, o leite bem trabalhado não será expulso pela cana-de-açúcar das usinas. Precisamos apenas agir com mais comprometimento e acreditar que é possível ser eficiente zootécnica e financeiramente produzindo leite.
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1Consultoria Técnica e Gerencial em Pecuária