Com referência ao artigo "Pasto ou confinamento: onde se lucra mais?" (clique aqui para ler o artigo) creio que estamos diante de um destes artigos capazes de suscitar um amplo e profícuo debate. Diversos leitores do mais alto nível técnico já se manifestaram brevemente chamando a atenção para um aspecto óbvio: as produções relatadas pela Embrapa são atípicas: significativamente mais altas do que se costuma verificar a campo para a produção a pasto e extremamente baixas para a produção em confinamento total. De minha parte quero salientar que não se deve concluir pela melhor competitividade de um ou outro sistema, com base apenas na margem bruta, como foi feito. Porém, as informações obtidas ao longo de 10 anos de experimentos sobre os dois sistemas, sob condições controladas, têm um valor inestimável para os produtores de leite brasileiros na avaliação e tomada de decisões estratégicas de seus negócios. Outros centros de pesquisa precisam começar a "abrir os números" também. Mesmo que seja para concluirmos que estão fora da realidade e precisam ser revistos.
Apenas para demonstrar como a análise destes dados pode ser interessante, fiz algumas contas. Se não errei nos números o valor médio do leite produzido em Coronel Pacheco foi de US$ 0,186, considerando lactações de 305 dias. Nada mal. Mais ainda: o sistema confinado, sem variar o Custo Operacional, precisaria ter produzido cerca de 25,5 kg/vaca/dia para oferecer a mesma margem em US$. Moleza! Já para oferecer a mesma margem em % da receita (sensacionais 65%), precisaria produzir cerca de 42,4 kg/vaca/dia... Por último: ainda sem variar os Custos Operacionais, os sistemas se equivalem em margem enquanto % da receita (50%) com produções de 12 e de 30 kg/vaca/dia. Aos incautos, cuidado: ao assumir os custos operacionais como fixos, as contas ficam simples, mas sem muito significado prático. Seria muito importante que maiores informações fossem fornecidas, como por exemplo: quais os componentes e valores do Custo Operacional apresentado? Sobre a porção concentrada da dieta, quais os níveis de fornecimento e custo? Qual a composição e valores dos demais custos, não operacionais, e logo qual a margem líquida apurada para cada um dos sistemas?
Gostaria de relembrar alguns argumentos apresentados no passado recente sobre sistemas de produção para o Brasil. Relato de memória, e, portanto, sujeito-me ao erro. O Prof. Sebastião Teixeira Gomes em artigos recentes fez menção a maior flexibilidade dos sistemas de produção a pasto. Argumentava o professor que a depender da relação de troca entre o valor do litro de leite e do quilo do concentrado e com menores custos fixos e investimentos a amortizar, o produtor poderia decidir com maior grau de liberdade sobre quanto "arraçoar" suas vacas. Em contrapartida, o produtor sob sistema confinado precisava manter suas vacas em produção e arraçoamento "plenos", de forma a alcançar volumes suficientes para amortizar seus custos e investimentos. Antes mesmo da questão do arraçoamento o produtor a pasto poderia ainda flexibilizar o nível de adubação nitrogenada de suas pastagens, ao passo que o confinador era chamado a cada primavera a conduzir suas culturas para ensilagem, independente das relações de troca vigentes.
Roberto Jank contrapôs a estes argumentos que não via sistemas de tal forma flexíveis sob uma ótica profissional. Estariam, se bem entendi, mais para "safristas" ou mesmo "gigolôs", produzindo ao sabor dos ventos e com pouco ou nenhum compromisso com seus clientes. (Os termos "safristas" e "gigolôs", mais duros, são meus, não do Roberto). Lembrava ainda que a produção sazonal neozelandesa, embora muito profissional, pouco ou nada tinha de flexível. Embora entusiasta dos sistemas de produção a pasto, e reconhecendo a lógica teórica dos argumentos do Prof. Gomes, concordo com Jank. A meu ver a flexibilidade efetivamente possível sob condições reais dos sistemas a pasto é bastante limitada, tal a dependência da atividade ao fator "escala de produção". Em outras palavras, seria preciso uma relação de troca radicalmente desfavorável, para que o produtor a pasto pudesse justificar reduções no arraçoamento e/ou na adubação, e, por conseguinte na sua produção diária.
Outro argumento que quero salientar vem de artigo que li em publicação neozelandesa. O articulista, relembrando a importância que altas pressões de pastejo têm em sistemas intensivos de produção a pasto, recomendava cuidado aos produtores que cogitavam suplementar seu rebanho com grãos e farelos. A inclusão de concentrado na dieta reduziria a ingestão de forragem e, portanto a pressão de pastejo, exigindo maior número de animais no sistema. Tudo bem, isto pode ser arranjado e planejado, embora demande algum tempo e um bom capital. Mas como é que ficamos, quando as relações de troca entre leite/concentrado se deteriorarem? Neste momento será preciso reduzir novamente o rebanho, e rápido. Pior: como os vizinhos provavelmente estarão fazendo o mesmo, o mercado estará superofertado, os preços deprimidos e a vacada excedente deverá acabar mesmo é no gancho...
Fiz questão de salientar este ponto, a partir de uma opinião de quem é reconhecido como "os reis do pasto" para mostrar que a flexibilidade de sistemas a pasto pode se revelar muito limitada, na prática. Talvez até, mais limitada do que em sistemas confinados, em que se pode variar a dieta sem as limitações impostas pela produção momentânea do pasto e a conseqüente necessidade de pastejo ou a possibilidade de suporte. Voltando à Nova Zelândia, de quem muito falamos mas nem sempre conhecemos bem (eu mesmo nunca fui lá...), embora não usem suplementos concentrados, invariavelmente mantém reservas de forragem (silagem ou feno) pois mesmo com todo sua expertise, sabem da dificuldade de casar a demanda da vacada com a produção forrageira. Isto pra não falar dos partos induzidos (abortos mesmo!) quando o pasto resolve sair antes das parições.
Para finalizar, quero fazer minhas as recomendações do Renato Fernandes: trate de conhecer sua propriedade (tamanho, solo, relevo, clima, instalações, etc.), o ambiente externo (oferta de suplementos, seus clientes, vizinhos, assist. técnica), seu rebanho (capacidade de resposta à suplementação) e a si mesmo (conhecimentos técnicos, experiência, capacidade de investimento) antes de sair correndo atrás do que alguns malucos escrevem na internet. Reforço também a sugestão do Jank de que o Milkpoint coordene a compilação de dados reais e das instituições de pesquisa sobre o tema. Se as nossas opiniões tendem para tudo quanto é lado, a matemática por sua vez tem o dom de ser inexorável.
Só para não perder a oportunidade, lembro que os estados que desejarem adotar a sistemática do Conseleite, deverão ser capazes de definir sistemas de produção padronizados, bem como seus respectivos custos. Talvez seja um começo.
Nota do MilkPoint: André e Roberto, vamos trabalhar em cima dessa idéia e em breve voltamos a discutir, ok?
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