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O Risco da "Mala sem Alça"

POR MARCOS SAWAYA JANK

ESPAÇO ABERTO

EM 06/10/2004

4 MIN DE LEITURA

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Todo mundo sabe que "mala sem alça" é aquele objeto difícil de levantar e carregar. E é exatamente nisso que o Mercosul se vai pouco a pouco transformando, apesar dos belos discursos em contrário de todos os governantes da região.

Vale esclarecer que sou da geração "mercosuliana", que até aqui sempre acreditou que o bloco regional seria o melhor caminho para a integração dos nossos países à economia mundial. Iniciado em 1991, o Mercosul aproximou vizinhos que se confrontaram política, econômica e até militarmente por décadas a fio. No primeiro qüinqüênio do bloco, a criação de comércio e investimentos foi impressionante, apesar dos problemas derivados do seu tamanho relativamente reduzido. A configuração de um regionalismo aberto para o mundo era o instrumento ideal para que o Mercosul pudesse competir globalmente de forma mais eficiente. E o caminho para essa maior integração começou a ser trilhado a partir de 1994, com a coordenação do bloco na negociação simultânea de dois acordos de grande ambição, a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e o acordo birregional com a União Européia.

A primeira crise veio com o agravamento das assimetrias nas políticas macroeconômicas da região, particularmente em relação à impossível convivência de regimes cambiais distintos no Brasil e na Argentina. Os 3 últimos anos, no entanto, trouxeram boas perspectivas para o avanço do mercado unificado, com a adoção do câmbio flutuante na região e a eleição de presidentes altamente comprometidos com o bloco. Só que não foi isso que ocorreu. Hoje ainda não há nenhum sinal que a união aduaneira será concluída e a própria zona da livre comércio derrapa, com arbitrariedades sucessivas impostas pela Argentina produto a produto, que já atingiram fogões, geladeiras, máquinas de lavar, televisores, calçados e veículos. A leniência brasileira com as sucessivas restrições abusivas argentinas debilita, em lugar de reforçar, o Mercosul.

Até mesmo a coordenação externa do bloco vem sendo afetada pelo neoprotecionismo argentino, que resiste em aceitar uma política comercial mais agressiva de integração ao mundo. Na última década, a Argentina destacou-se por posições pendulares que variaram do liberalismo inconseqüente da era Menem ao renascimento de um protecionismo cepaliano na era Kirchner. Depois do congelamento imposto às negociações da ALCA, por conta da incompatibilidade nas agendas dos EUA e do Mercosul, a integração com a União Européia pode ser agora a mais nova vítima da falta de uma visão integracionista de longo prazo do bloco. Tudo indica que essas negociações estão caminhando para um impasse este mês e com isso se perderá mais uma oportunidade de criar incentivos externos fundamentais para a consolidação do Mercosul. Conscientes desse fato e dos parcos resultados até aqui alcançados em outras frentes de negociação regional, acredito que nossos Ministros Amorim, Furlan e Rodrigues fizeram o possível para tentar dar um primeiro passo na integração com a UE ainda este ano. Nessa última rodada, contudo, foram a burocracia européia e a resistência argentina que mais atrapalharam.

Estou convencido de que a maioria da indústria brasileira deseja hoje ampliar o nível de integração do País à economia mundial, e ainda mais depois do notável surto recente de exportações. A indústria brasileira pede apenas que a integração seja acompanhada de melhorias institucionais e correções de políticas públicas - principalmente na área da injusta carga de impostos e juros - que garantam condições eqüitativas de competição com as grandes economias. Um pleito mais do que justo, que poderia ser induzido pela própria pressão integracionista.

Ocorre que na indústria argentina predomina hoje uma visão isolacionista marcada por crescentes restrições às nossas exportações e por um conservadorismo nas mesas de negociação que pode prejudicar o nosso comércio com o resto do mundo, na medida em que afeta qualquer processo integrativo que venhamos a almejar. Basta notar que as posições do Mercosul nas várias frentes de negociação têm sido construídas a partir da pior oferta individual dos membros do bloco. Por exemplo, se a Argentina não quer abrir o seu ineficiente setor açucareiro, o Mercosul automaticamente piora a oferta desse produto, prejudicando os interesses exportadores do maior e mais eficiente produtor mundial.

O fato é que o custo econômico do Mercosul político se está tornando excessivamente alto para uma boa parte da indústria brasileira. Não resta dúvida que vontade política é um ingrediente fundamental para a desejável maior integração dos povos da América do Sul. Só que sem incentivos econômicos e institucionais claros, os empresários não vão investir na integração das cadeias produtivas. Usando a analogia preferida dos nossos governantes, a exemplo do futebol os jogadores não conseguem jogar se as regras da partida não forem claramente estabelecidas e respeitadas. E, até aqui, a principal regra do Mercosul ainda tem sido: "Na hora do aperto, cada um por si".

Assim, se de fato o Mercosul é prioridade, o nosso inevitável "destino" alardeado por sucessivos governos, é fundamental que se fixe imediatamente uma data próxima e definitiva para completar a zona de livre comércio, para pôr plenamente em vigor a tarifa externa comum, para estabelecer um mecanismo rápido e eficiente de solução de disputas comerciais e para uma coordenação efetiva das políticas macroeconômicas e setoriais. Se não for possível atingir o mercado comum, que se apresente uma meta factível para concluir ao menos a zona de livre comércio prometida desde 1991, acabando com esse absurdo mercantilismo setorial. É imprescindível também estabelecer uma nova metodologia na definição da política comercial que permita o avanço das negociações com as grandes economias.

O que está em jogo nos sucessivos impasses a que estamos assistindo no Mercosul não é o risco do seu desaparecimento, já que nenhum governo vai assumir a responsabilidade política por esse gesto, mas sim de sua crescente irrelevância, de ver o bloco ser transformado numa mala pequena e muito pesada, impossível de ser levantada. Nesse momento, o Mercosul já conseguiu transformar-se em uma mala sem ALCA. Vamos torcer agora para que não vire também uma "mala sem alça".

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Artigo publicado originalmente em O ESTADO DE S. PAULO, em 5 de outubro de 2004, reproduzido com autorização do autor.

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