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O produtor de leite vota mal

ESPAÇO ABERTO

EM 04/09/2002

3 MIN DE LEITURA

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Paulo do Carmo Martins1 e Paulo Fernando Cidade de Araújo2

Em 1984, o foco das atenções era a ampla mobilização pela reestruturação política e institucional. Em dezembro, contudo, logo após ter sido eleito presidente da República, para a surpresa de muitos, em entrevista exclusiva à revista Veja, Tancredo Neves afirmou que a economia seria a sua prioridade de governo, pois "a economia e a política são irmãs siamesas: para onde tender uma, tenderá a outra".

Entre os anos sessenta e oitenta os economistas detiveram amplo poder de decisão. Num primeiro momento, a esses profissionais foi atribuído o mérito do crescimento econômico. Num segundo, de crise, continuaram na condição de Mandarim, nas sucessivas tentativas de conciliar crescimento do PIB e combate à inflação. O fato é que se consolidou popularmente a visão de que a profissão é tão somente o manuseio de números. Antítese, portanto, da política. Imagem distante da formação que o economista recebe no seu curso de graduação, que é próxima do pensamento de Tancredo. Afinal, o objeto da ciência econômica é a produção e a partição da riqueza. Organizar os fatores de produção e repartir os ganhos entre os agentes econômicos é, essencialmente, um ato político.

Os produtores de leite brasileiros nunca tiveram os economistas do governo como aliados. Por ser atividade de mercado interno, o leite conviveu com preços controlados até 1991 e, dessa forma, contribuiu para o controle da inflação. O resultado final líquido, porém, todos conhecem: desestímulo à adoção de tecnologias e à consolidação de sistemas comerciais de produção.

Nos anos noventa, a tônica continuou sendo a economia. Agora, sem a tutela do estado. O produtor de leite foi levado a negociar preços, num mercado de concorrência imperfeita, tanto para aquisição de insumos, quanto para a venda de sua produção. Por outro lado, com economia aberta e moeda sobre valorizada, passaram a vigorar internamente os preços vigentes no mercado internacional, amplamente subsidiados. Para os economistas do governo, o melhor dos cenários: aumento de oferta, redução de preços de leite e nenhuma pressão organizada em contrário. O produtor de leite que se entendesse com o mercado.

A partir de 1997, as lideranças dos produtores de leite, representadas pela CNA, Leite Brasil e federações estaduais iniciaram a reversão deste quadro, ao aglutinarem os produtores em torno de propostas políticas, com embasamento econômico. Em cinco anos avançou-se mais na organização dos produtores de leite que em cinco décadas anteriores, de 1946-1996.

Visando estudar a estrutura dos os grupos de pressão, entrevistamos recentemente 150 produtores de leite. Escolhemos as 10 regiões mais dinâmicas, nos cinco maiores estados produtores: MG, SP, GO, PR e RS. Solicitamos, nessas regiões, que empresas-líderes escolhessem produtores que também fossem dinâmicos. Nessa escolha, contamos com o apoio da Nestlé, Parmalat, Itambé, Elegê, Centroleite, Sudcoop, Castrolanda e Coonai.

Por se tratar de amostra que retrata a elite dos produtores e não a média, os resultados obtidos parecem-nos preocupantes. Dos 150 produtores pesquisados, somente 56% eram sindicalizados e apenas um em cada três soube informar medidas recentemente adotadas pelo Governo e que afetavam a atividade. Quando perguntados sobre a atuação do legislativo na defesa de seus interesses, 5% consideraram-na ótima ou boa, 15% regular, e 80% ruim ou péssima. Mas somente 11% e 16% dos produtores de leite, respectivamente disseram que, nas últimas eleições, votaram em candidatos a deputados estadual e federal com vínculos com a produção de leite, enquanto 60% e 59% dos produtores disseram que votaram em candidatos a estadual e federal sem nenhum vínculo nem mesmo com outros setores agrícolas. Votaram em candidatos com propostas urbanas.

Na arena democrática, as pressões ocorrem no legislativo. É lá que diferentes grupos organizados fazem-se representar. É por isso que funcionários públicos, empregados e empregadores urbanos votam e apoiam candidatos afinados com os seus interesses. Ao que parece, os produtores de leite estão recebendo dos políticos mais do que lhe estão oferecendo. Foram instalados cinco CPIs estaduais sobre o leite e a Câmara Federal mantém-se sensível aos produtores. Se os produtores de leite continuarem sem dar a devida atenção aos aspectos representativos, estarão negando a máxima de Tancredo e condenando a si a não serem atendidos em seus anseios, mesmo com o esforço e dedicação de suas lideranças. Afinal, as políticas de governo, em geral operadas por economistas, beneficiam setores que se mostram politicamente organizados. Pois, também para os economistas, economia e política são irmãs siamesas.

Nesses dias que antecedem a uma nova eleição, é fundamental refletir sobre isso. Produtor que vota em candidatos sem compromissos com a atividade leiteira vota contra si próprio. Vota mal. E quando a vaca vai pro brejo, não adianta chorar sobre o leite derramado...

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1 Professor da FEA/UFJF; Delegado do CORECON-MG por três mandatos; doutorando em economia aplicada na ESALQ/USP;
2 Economista; Professor Doutor aposentado da ESALQ/USP; Professor Visitante da FCE/UERJ.

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