Nos últimos anos, o Brasil tem sido um dos países do mundo em que se verificam as maiores taxas de crescimento da produção leiteira. Como essa taxa tem sido muito superior à da população e, por problemas de renda, não se verifica crescimento sensível no consumo per cápita, a disponibilidade interna do produto aumenta.
Assim, como produz leite com um dos custos mais baixos do mundo, o Brasil vai, gradativamente, construindo a possibilidade de sair da condição de um dos grandes importadores, tanto quanto de se tornar um exportador.
O ano de 2003 foi particularmente marcante neste aspecto. A quantidade importada foi a segunda menor dos últimos doze anos, decrescendo 61% em relação a 2002. Por outro lado, a quantidade exportada foi recorde, superando em 11% a de 2002. Com isto, a quantidade exportada representou 53,2% da importada (Tabela 1).
Fonte: Secex/Decex (Março/2004).
Esta é uma trajetória relativamente complexa de ser seguida, já que o mercado internacional de lácteos é um dos que mais sofrem com as grandes distorções internacionais de preço, provocadas por políticas de subsídios em importantes produtores e exportadores, com poucas perspectivas de alteração no curto prazo.
Este ano de 2004 será um importante indicativo para verificar até que ponto esta reversão de tendência no quadro de importações e exportações brasileiras de lácteos decorreu mais de aspectos conjunturais ou é uma tendência destinada a se firmar nos próximos anos.
O mais provável parece ser com a continuidade do aumento da eficiência do setor leiteiro nacional e com a ampliação do comércio internacional de lácteos, que esta recente experiência exportadora ajude a consolidar e ampliar os espaços do Brasil no mercado internacional de lácteos.
Para isto, seria muito importante também que se começasse a divulgar, inclusive internacionalmente, uma imagem menos negativa do setor lácteo nacional. É óbvio que internamente há problemas e muito que melhorar, mas, em função da completa falta de informações atualizadas e de qualidade, são divulgadas informações completamente ilógicas, inclusive por pessoas e entidades que defendem a cadeia produtiva.
Um exemplo gritante é o do chamado mercado informal de leite. A conclusão que se tira de algumas apresentações ou documentos que analisam o setor é que o Brasil é um mercado onde o comércio de leite realizado por vendedores e por indústrias ilegais é quase tão significativo quanto o mercado formal.
Ocorre que tem sido corriqueiro estabelecer o tamanho do mercado informal pela simples comparação entre a produção total dos estabelecimentos agropecuários e a quantidade adquirida pelas indústrias inspecionadas (Tabela 2). Assim, em 2002, por exemplo, como a produção brasileira foi de 21,64 bilhões de litros e a quantidade adquirida foi 13,22 bilhões, o mercado informal foi responsável por 38,9% do escoamento da produção, percentual maior que o de 2001, que teria sido de 35,6%; aumento decorrente de do fato de que, segundo o IBGE, a produção total cresceu mais que a que foi adquirida de 2001 para 2002.
Fonte: IBGE
Não existe nenhuma lógica nos números relativos à comercialização clandestina. Considerando o que ocorre no Brasil nos últimos anos- redução da população rural; redução de número de produtores de leite; aumento do volume comercializado por produtor para indústrias inspecionadas; aumento do número de empresas com inspeção; aumento da infra-estrutura de coleta e comercialização de leite, especialmente nas novas regiões de produção; aumento da fiscalização da comercialização clandestina; concentração populacional nos médios e grandes municípios; concentração do mercado varejista, entre outros aspectos -, é razoável concluir que a comercialização clandestina tenha sofrido uma significativa redução, podendo ser considerada relativamente inexpressiva em vários estados brasileiros.
É muito provável que o volume de leite vendido às indústrias inspecionadas seja muito superior ao que vem sendo apontado pelas estatísticas oficiais. Um levantamento adequado do volume de leite inspecionado, acompanhado de indicadores de qualidade, possivelmente ajudaria a reduzir a imagem negativa que se tem da cadeia láctea brasileira, a qual tem ajudado a criar barreiras para a conquista do mercado externo, onde foi generalizada a imagem da baixa competitividade do produto brasileiro, o que é, no máximo, parcialmente verdadeiro.
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1Eng. Agrônomo do Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina - Instituto Cepa/SC