Por Fernando Enrique Madalena1
Se o que interessa ao produtor de leite é obter lucro e boa rentabilidade do capital investido, então o sistema de produção tem que ser pautado apenas nesses parâmetros..
É verdade que nem todo mundo tem fazenda para ganhar dinheiro. Alguns a tem para lazer, outros para driblar o fisco, outros pelo ambiente para criar a família, e outros como meio de subsistência. Mas o denominador comum à maioria dos proprietários, grandes ou pequenos, é que eles querem ganhar dinheiro com o investimento realizado. Em conseqüência, o único critério válido para se avaliar a atividade rural é o desempenho econômico, auferido pelo lucro e pelo retorno do capital investido. Todo o mais, se as vacas dão muito ou pouco leite, se a produção por hectare é alta ou baixa, se se usa ou não uma máquina determinada, tudo isso são apenas indicadores técnicos, importantes, sim, mas apenas indicadores, do desempenho econômico. O que vale mesmo é lucro e rentabilidade.
Pois apesar disto ser tão óbvio, é freqüentemente ignorado. Outro dia li um trabalho holandês, baseado nos custos de produção de 700 fazendas. Quando Evandro Holanda, na época meu orientado, foi à procura de literatura brasileira ao respeito, achou dados de só 7 fazendas, nas que baseou o seu artigo "Leite caro não compensa". Alguma razão deve haver para que num país como o Brasil, com amplos recursos para pesquisa, não apareçam os dados econômicos que interessam. Da nossa parte, como acreditamos ser a transparência o melhor caminho para o diálogo, temos procurado incluir os aspectos econômicos nos Encontros de Produtores de gado Leiteiro F1. "Las cuentas claras y el chocolate espeso", dizem os espanhóis.
Estes Encontros são realizados de dois em dois anos, e já vamos para o 50 (clique aqui para ver o programa). De início, a motivação era falar do cruzamento F1 de Holandês x zebu leiteiro, o da primeira geração, que as pesquisas da nossa equipe na EMBRAPA tinham mostrado ser o mais econômico nas condições de produção prevalecentes na Região Sudeste, em decorrência da heterose cumulativa nas várias características que determinam o lucro do gado leiteiro. Mas a platéia pediu, e foi atendida, que outros temas relativos à produção econômica de leite fossem também abordados. Assim, neste encontro, além de ponderarmos o que se sabe e o que não se sabe sobre F1, o Dr. Roberto Teodoro, da EMBRAPA, apresentará avaliação econômica de cruzamentos de Jersey ou Pardo Suíço x Holandês/Gir, mostrando que o cruzamento Jersey x Holandês/Gir está plenamente justificado para quem não aproveita os machinhos, já que o lucro por dia de vida útil foi 53% maior que no cruzamento de Holandês/Gir.
Um outro assunto de grande interesse é o nível econômico de suplementação com ração. Este assunto é muitas vezes discutido com radicalismo, até apelando. Outro dia declarei a uma revista que "Somente os países do Primeiro Mundo podem se dar ao luxo de tratar o gado leiteiro com altas quantidades de ração porque subsidiam pesadamente a produção" e me citaram em outra, com grande destaque, mas tirando as altas quantidades, o que deturpa totalmente a frase. Tratar com altas quantidades de ração é antieconômico para a imensa maioria dos produtores de leite. Aí embaixo, na seção Radar Técnico, está citado o experimento do Dr. Duarte Vilela e colaboradores, onde vacas Holandesas comendo capim + 3 kg de concentrado produziram 25% menos leite, porém deram 30% mais margem bruta, que as que comiam ração completa. Tratar com ração se justifica em muitas circunstâncias, mas o que interessa é saber quanto e quando. Foi injusta a deturpação, porque há 40 anos que compreendi, lendo os trabalhos de Heady e Dillon, de Iowa, que cada sistema de produção tem seu nível ótimo de concentrados, e por isso, no meu relatório final a EMBRAPA, de 1982, do projeto de assistência técnica da FAO/PNUD que dirigia, a minha primeira recomendação foi de "incluir estudos sobre os níveis mais econômicos de utilização de alimentos concentrados". Até hoje esses estudos não foram feitos na extensão requerida, e em vez de discutir com base em resultados reais brasileiros, se prefere usar argumentos teóricos, adjetivos, exemplos inventados e até plagio de trabalhos de outras realidades. Por isso teremos grande satisfação em assistir, no 50 Encontro, à palestra do Dr. Firmino Deresz, que com a sua equipe, na EMBRAPA, são dos poucos que pesquisam sobre o assunto. À sua conclusão anterior, que 1 kg de ração aumenta apenas 0,6 kg de leite em vacas em pastejo intensivo, acrescentam agora resultados sobre o efeito na reprodução. Com esses dados se pode fazer a conta de se vale ou não a pena suplementar, de acordo aos preços do leite e da ração.
Que ordenhando com apojo as vacas dão mais leite, é bem sabido, inclusive por resultados brasileiros. A novidade que o Dr. Fabiano Junqueira acrescentou, na sua dissertação de mestrado na UFMG, conduzida na Fazenda Calciolândia, foi auferir os tempos despendidos no apojo e no aleitamento artificial. Verificou que estes tempos foram semelhantes, de forma que ordenhar com apojo nos dois primeiros meses da lactação resultou em margem bruta de R$ 106 por vaca a mais que ordenhar sem o bezerro.
A pesar do que se propala, sem dados, que os sistemas devem ser especializados, os poucos resultados existentes sugerem exatamente o contrário. Assim, o Dr. Augusto Cezar Moraes, que também apresentará os resultados da sua dissertação de mestrado na UFMG, sob orientação da Profa. Sandra Gesteira Coelho, mostra que um rebanho leiteiro F1, da EPAMIG, teve, em 2002 e 2003, respectivamente, lucros de 0,094 e 0,256 R$/litro de leite, dos quais nada menos que 25% correspondiam aos bezerros vendidos a desmama. Outros resultados do rebanho da EPAMIG, inclusive sobre custo da recria de novilhas com diferentes suplementos proteinados, serão apresentados pelo Dr. José Reinaldo Mendes Ruas.
Uma característica marcante dos nossos Encontros é a participação de produtores, pois queremos aprender com eles as dicas do sucesso. Por isso, porém, só convidamos quem lucra com o leite, que para ensinar a perder dinheiro tem palestrante de sobra por aí. Este ano virão Hélio e André Braga Alvim, que aplicam o sistema de F1 na sua Fazenda São Sebastião, na Zona da Mata de Minas Gerais, o Dr. Maurício Coelho, que pratica com êxito programa de produção com mestiças em Passos, MG, representantes da firma de assistência técnica PRODAP, com exemplos de produção econômica com gado mestiço e representantes da Cooperativa de Unaí, que está executando programa de produção em larga escala de novilhas F1 por meio da TE. O Dr. Ronaldo Lazzarini Santiago, da Colonial Agropecuária, informará sobre os resultados que vem sendo obtidos no projeto NeloGir, surgido da idéia do Dr. Gabriel Donato de Andrade de se aproveitar parte da grande população Nelore para absorvê-la com Gir e outras raças de zebu leiteiro, cuja expressão numérica é muito reduzida face à demanda por F1. Ricardo Ventura, mestrando da UFMG e laticinista, virá dar algumas "dicas" de como os pequenos e médios laticínios podem entrar no jogo. Quem sabe esta não venha a ser uma saída para certos produtores, aqueles com condições, de melhor defenderem o seu trabalho?
Os aspectos de fomento também têm espaço nos nossos encontros. Minas Gerais teve a sabedoria de manter, por mais de uma década, e em diferentes governos, na Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e seus órgãos, a EPAMIG e a EMATER-MG, uma visão de pesquisa, extensão e fomento pecuário realista, baseada nos sistemas de produção econômicos, que desembocou no PROPEC, um programa de crédito subsidiado para produção e aquisição de fêmeas F1, com participação dos bancos de fomento. O Dr. Elmer Almeida, da EMATER-MG, informará sobre o andamento desse programa.
Cada vez mais técnicos em Minas Gerais vêm se preocupando com o lucro na produção de leite, na Secretaria, na EMBRAPA, nas assessorias privadas, na UFU, na UFMG, dentre outras, e na PUC-Minas, que desta vez hospeda o evento. Mesmo tendo um dos melhores rebanhos de Holandês do Estado, eles tiveram que aceitar a realidade econômica e partiram para um programa de cruzamento F1, que será explicado pelo Prof. Miguel Alonso Valle. Nos últimos anos, muitos outros também têm encontrado na produção de novilhas F1 uma tábua para sair do vermelho.
Em fim, fique quem quiser com a problemática do leite caro; por aqui preferimos a "solucionática" - como diz o Rei Dadá- para a realidade do produtor, e vamos caprichar nessa pauta antes que o leite saia também destas bandas. É isso aí. Produtor, olha o bolso: foco no lucro.
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1 Professor da UFMG