O requeijão é um produto lácteo tipicamente brasileiro, classificado como queijo de massa fundida. Dentre os muitos relatos da história de seu surgimento, acredita-se que o requeijão começou a se popularizar no Brasil no final do século XIX, na tentativa de controlar atividade de microrganismos e enzimas em queijos (VIEIRA, et al., 2022).
Queijos processados fundidos são obtidos pela fusão de queijos prontos e maturados. O requeijão, entretanto, difere-se pelo fato de ser produzido pela massa fresca (PAULA, et al., 2019). Segundo o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade, o requeijão é o produto obtido pela fusão da massa coalhada, cozida ou não, dessorada e lavada, obtida por coagulação ácida ou enzimática do leite, opcionalmente adicionada de creme de leite, manteiga, gordura anidra de leite ou butter oil (BRASIL, 1997).
Além disso, a legislação designa a denominação de venda “requeijão” apenas para o produto com base láctea, ou seja, proteína e gordura láctea, podendo ser classificado em requeijão, requeijão cremoso e requeijão de manteiga (Tabela 1). Dessa forma, de acordo com a legislação, o produto denominado “requeijão” não deve conter amido ou gorduras vegetais.
Tabela 1. Requeijão, requeijão cremoso, requeijão de manteiga.
Fonte: BRASIL, 1997.
Além das denominações requeijão, requeijão cremoso e requeijão de manteiga, há outras duas denominações muito utilizadas, mas que não são determinadas pela legislação: o requeijão em barra e o requeijão culinário (VIEIRA, et al., 2022).
É permitido o uso de aditivos e coadjuvantes de tecnologia como conservantes, reguladores de acidez, emulsificantes, estabilizantes, aromatizantes e corantes na formulação do produto, respeitando as concentrações máximas indicadas na legislação (BRASIL, 1997).
Como é o processamento do requeijão?
O processo de produção do requeijão consiste em 4 etapas críticas: (1) coagulação, (2) fusão dos ingredientes, (3) cremificação e (4) resfriamento.
1. Coagulação: Com intuito de diminuir a perda de gordura no soro, a coagulação da massa do requeijão é feita a partir do leite desnatado. Existem 3 tipos de coagulação muito utilizadas para a produção da massa do requeijão: a coagulação enzimática, por meio da ação de enzimas, a coagulação ácida, por meio da adição de ácidos, como o ácido lático, acético ou cítrico, e a coagulação por meio de adição de culturas láticas – fermentação.
A coagulação por meio da acidificação direta é a mais utilizada, pois consiste em diminuir o pH do leite até a precipitação das proteínas. Essa diminuição ocorre até o pH 4.6, que corresponde ao ponto isoelétrico das caseínas (PAULA, et al., 2019). O requeijão produzido da massa obtida por acidificação direta resulta em um produto com uma textura mais longa. Uma desvantagem dessa coagulação é a produção do soro ácido, aumentando o custo de tratamento de resíduos e a inutilização do soro para outros fins. O processo utilizando a coagulação por enzimas e fermentação é semelhante ao processo de produção da mussarela. O seu produto final confere uma textura mais curta devido à proteólise.
Em seguida, para qualquer um dos tipos de coagulação, a massa é dessorada para remover o soro e é lavada com água para aumentar o pH, efetivamente removendo o excesso de soro na massa.
2. Fusão dos ingredientes: A próxima etapa é a fusão, onde são adicionados a massa, como fonte proteica, e a gordura, podendo ser creme, manteiga, gordura anidra de leite ou butter oil. Nessa etapa também se adicionam os aditivos, coadjuvantes de tecnologia e demais ingredientes.
Durante o processo de fusão, o produto é submetido ao aquecimento mínimo de 80ºC durante 15 segundos, ou qualquer outra combinação tempo/temperatura equivalente (BRASIL, 1997). Em consonância, reguladores de acidez também são adicionados, como o bicarbonato de sódio ou o gluconato delta lactona, para ajustar o pH desejado, e os sais fundentes ou emulsificantes, como tartaratos, citratos ou polifosfatos de sódio.
Os sais desempenham um papel importante na fabricação do requeijão. Eles trocam o íon cálcio da proteína pelo íon sódio, o que auxilia em uma maior solubilização, hidratação, dispersão e estabilização das proteínas, com objetivo de obter uma textura suave e cremosa, sem a formação de grumos (VIEIRA, et al., 2022; PAULA, et al., 2019;).
3. Cremificação: Durante a etapa de fusão, é realizada a cremificação, que consiste no aquecimento e agitação vigorosa da massa do requeijão, com o objetivo de hidratação das proteínas, o que resulta em um aumento na viscosidade do produto. Nessa etapa, parâmetros de pH, temperatura e tempo são de extrema importância para evitar o excesso de cremificação do requeijão, o que pode resultar em uma textura de “maionese”. Nesta etapa, não há alterações na composição química, somente na estrutura do produto.
4. Resfriamento: Por fim, após a fusão e a cremificação, o requeijão é envasado quente e, em seguida, é resfriado rapidamente, para diminuir a continuação da cremificação. Para conservação e comercialização, o requeijão deve estar em uma temperatura inferior a 10°C.
Principais desafios encontrados
Alguns problemas podem surgir no requeijão devido a uma série de fatores, desde a matéria-prima utilizada até o processo de produção e armazenamento. A seguir será abordado alguns dos principais problemas que podem ocorrer:
Separação de Fase e Sinérese no Requeijão: A separação de fase no requeijão ocorre devido a instabilidade coloidal, desequilíbrio de ingredientes e más condições de processamento, levando à segregação entre os componentes líquidos e sólidos, o que afeta a textura e o aspecto do produto, sendo considerado características sensorialmente indesejáveis.
Fatores como variação de temperatura, tamanho de partículas e composição química também contribuem para esse fenômeno. A sinérese é outro fenômeno que ocorre na produção de requeijão, resultando na expulsão de água e separação em uma fase líquida (soro), influenciada pela presença de cálcio e desequilíbrios na retenção de água pelos sólidos (LIMA et al., 2021), levando a uma textura indesejada devido à perda de umidade.
Oxidação lipídica: A oxidação lipídica nos alimentos, incluindo o requeijão, resulta da interação dos lipídios com o oxigênio, podendo ser acelerada por luz, calor e presença de metais (FERNANDES, et al., 2019). Esse processo gera sabores e aromas rançosos indesejados, além de afetar cor e textura do requeijão, prejudicando sua aceitação pelos consumidores. A exposição ao oxigênio e altas temperaturas, principalmente durante pasteurização, são fatores-chave para essa oxidação, sendo crucial o armazenamento adequado para evitar tais efeitos. Medidas para prevenir a oxidação são fundamentais para garantir a qualidade do produto final
Contaminação microbiológica: A contaminação microbiológica no processamento do requeijão resulta da presença indesejável de microrganismos, como bactérias, bolores e leveduras, quando as Boas Práticas de Higiene (BPH) não são seguidas rigorosamente. Isso pode deteriorar o produto, afetando odor, sabor e textura, representando riscos à saúde devido a microrganismos patogênicos, como Escherichia coli, Staphylococcus spp e Salmonella spp, associados a Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs). Para prevenção, são essenciais práticas sanitárias em todas as etapas, incluindo esterilização de equipamentos e análise microbiológica regular das matérias-primas e do requeijão para garantir a qualidade do produto final (SOUZA et al., 2016).
O requeijão é um exemplo notável da habilidade humana em transformar leite em produtos lácteos apreciados e versáteis. Seguindo as boas práticas de produção, é possível oferecer ao consumidor produtos de qualidade, seguros e saborosos.
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Autoras
Letícia Bruni de Souza, Mestranda do Laboratório de Termodinâmica Molecular Aplicada (THERMA-UFV).
Thaís Costa Santos, Doutoranda do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos (LIPA- UFV).
Profa. Dra. Ana Clarissa dos Santos Pires, Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Termodinâmica Molecular Aplicada (THERMA-UFV).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Portaria n º 359, de 4 de setembro de 1997. Regulamento técnico para fixação de identidade e qualidade de requeijão ou requesón.
FERNANDES, L. A. et al. Antioxidantes naturais para aplicação em alimentos. 2019.
LIMA, K. R. et al. Perfil físico-químico e sensorial de requeijão cremoso obtido a partir de diferentes coagulantes. Research, Society and Development, v. 10, n. 2, p. e33710212455-e33710212455, 2021.
PAULA, M. M. C. et al. Efeito do uso de proteína do leite (MPC) nas características físico químicas, reológicas e sensoriais do requeijão culinário. Dissertação de mestrado em Ciência e Tecnologia de Leite e Derivados da Universidade Federal de Juiz de Fora. p. 58, 2019.
SOUZA, D. S. et al. Avaliação da qualidade microbiológica e físico-química de requeijão. Higiene de alimentos, p. 2324-2328, 2019.
VIEIRA, P. et al. Efeito da adição de concentrado protéico de leite nas características do requeijão. Dissertação de mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal de Viçosa. p.39, 2022.