Parece improvável que na era da comunicação, em tempos onde a informação está cada vez mais disponível e acessível e que o nível de tecnologia aplicada nas mais diferentes áreas da produção é alto, alguém possa afirmar que não existe resultado em sua utilização: sim, a tecnologia se for utilizada onde a base não foi bem construída, o resultado não será o esperado.
A reflexão que convidamos todos a fazer e que nos dá convicção em nossa afirmação, está baseada em inúmeras constatações a campo no dia a dia do nosso trabalho, em propriedades que investem seus recursos principalmente junto a atividade leiteira, e que em sua grande maioria faz da produção de leite a principal, ou uma das principais fontes de renda do estabelecimento agropecuário.
Embora a base de nosso trabalho tenha sido fomento em produção e qualidade de leite, nossas atividades tem se direcionado a área de conforto animal, a qual tem sido o ponto de compactação das demais atividades ligadas ao setor produtivo leiteiro e de busca de resultados satisfatórios quando se deseja obter bons índices produtivos, reprodutivos, técnicos e sanitários do indivíduo vaca, a nossa matriz leiteira.
Sendo assim, a primeira preocupação que vem a tona é em relação a implantação e desenvolvimento do sistema de confinamento de vacas leiteiras utilizando o modelo de compost barn; muito já se evoluiu nos últimos 10 anos, idade do sistema no Brasil, mas muito ainda tem de ser aprendido e compreendido, num pais carente de pesquisa, nossa vivencia e busca incessante por resultado positivo faz com que estejamos todo dia separando o que dá certo do que precisa ser melhorado.
E o que nos salta aos olhos é o fato de que a grande maioria das propriedades que adotaram o sistema ainda não compreendem como ele funciona, talvez por falta de informação, por não compreender a informação disponível, por não saber qual informação acessar visto a enxurrada que cai frente aos olhos pela internet, ou talvez porque as pessoas buscam atalhos para não vivenciar o processo de aprendizagem que por vezes é um pouco chato e menos veloz, o que vai na contramão da pressa do ser humano em ter tudo nas mãos o mais rápido e mais barato possível.
A importância dos primeiros sessenta dias da cama do compost barn simplesmente é ignorada na grande maioria dos projetos implantados, muitos nem sabem que este período deve ser respeitado, compreendido e implantado dentro dos critérios que lhe são pertinentes. Sim, a cama do compost barn leva sessenta dias para começar da forma correta, para somente então pensarmos em como proceder com o manejo de manutenção da cama, o que medir, que cuidados tomar, de qual forma fazer as reposições, o que fazer caso entre água da chuva ou um cano de água se rompa, como proceder quando as vacas se concentram em um só setor e a cama fica mais úmida naquele local, como administrar todos esses e outros fatores.
Não observar este período faz com que a gente caia no ciclo vicioso do chamado, “correr atrás da máquina”, tendo a cama sempre mais úmida do que gostaríamos, as vacas estarem um pouco mais sujas do que gostaríamos, a incidência de mastite até diminuiu, mas está maior do que gostaríamos, problemas de cascos também foram reduzidos, mas volta e meia aparece algum indesejado, e isto se resume a menor resultado de retorno do recurso investido em uma tecnologia fantástica que é o compost barn.
Muitas propriedades mudam de sistema por achar que migrando para o free stall resolverão o problema, mas o free stall também tem seus princípios básicos que devem ser respeitados. Felizmente as propriedades que estavam pondo em dúvida a efetividade do compost barn, mesmo investindo em ferramentas ou manejos que buscavam atalhar o conceito de como funciona a compostagem dinâmica abaixo das patas das vacas, voltaram atrás e se deram por conta que precisavam corrigir a rota de manejo quando tiveram acesso a informações que levaram ao entendimento e a importância de como deveria ter sido feito os primeiros 60 dias do inicio da compostagem dentro do confinamento de suas matrizes leiteiras, o que evitou a troca de sistema em momento em que não havia disponibilidade de recursos além da necessidade de aprendizagem de um outro sistema totalmente diferente do ponto de vista de manejo e materiais utilizados, embora o objetivo seja o mesmo: melhorar e otimizar os índices das vacas da propriedade.
Um outro exemplo clássico, rápido e mais comum do que todos imaginamos, é visto ao chegar em uma propriedade que recém investiu em um equipamento com alta tecnologia para realizar a ordenha, mas os envolvidos - tanto da empresa que comercializou, como a gestão da propriedade - negligenciaram na capacitação e treinamento da equipe de ordenhadores, onde quatro pessoas manejando dezesseis conjuntos de ordenha, em uma sala com ordenha dupla, estavam reivindicando mais colaboradores pois o processo de ordenha estava demorando muito.
Precisamos registrar que o equipamento está equipado com retiradores automáticos de conjuntos de ordenha, e tecnicamente bem concebida pelo ponto de vista de dimensões mínimas para funcionamento ideal na retirada do leite, respeitando as necessidades fisiológicas das vacas, ou seja, tecnicamente seria um equipamento para ser operado por somente dois ordenhadores.
Em um determinado momento, passaram-se vinte e dois minutos sem movimentação de uma vaca se quer, pois havia uma vaca de baixo fluxo de leite, a famosa dureira, em cada lado da sala; Não é o formato da máquina, tão pouco o numero de pessoas que ficaram um bom tempo sem ter o que fazer, mas sim a base da informação de estabelecer uma linha de ordenha eficiente levando em conta a característica de velocidade de ordenha das vacas que são conhecidamente mais lentas de serem ordenhadas, entre outros fatores básicos em uma sala de ordenha.
Ou para concluir, ao chegarmos em um rebanho bem alimentado, com ambiência sendo ofertada de forma satisfatória no confinamento e as vacas aparentemente sadias, mas com um sério problema reprodutivo e tendo abortos consecutivos, e ao solicitarmos as informações do que estavam sendo feito pelo ponto de vista sanitário do rebanho, a gestão da propriedade nos afirmou com veemência que todo calendário vacinal estava sendo cumprido.
Para nossa surpresa as únicas vacinas que não constavam no calendário, eram as que previnem para IBR, BVD, Leptospirose e afins, ou seja, muita tecnologia envolvida em todos os seguimentos da propriedade e a base vacinal sendo negligenciada, e todos sabemos o quanto custa e nos tira resultado problemas reprodutivos junto a nossas vacas.
Apenas três exemplos simples e rápidos demonstram que se a base não for bem feita, as melhores tecnologias, as vezes utilizadas em busca de resultado e por vezes em forma de atalho para não vivenciar o processo que constrói a atividade leiteira, não nos trará o resultado que desejamos.
Você já parou para pensar quantos outros exemplos podemos vivenciar no nosso dia a dia, levando em conta a mesma afirmação? Reflita.