A adoção dos sistemas de ordenha voluntária tem crescido bastante nos últimos 5 anos no Brasil. Estima-se que somente na região sul do país já haja mais de 500 robôs ordenhadores em operação nas fazendas leiteiras. E meu interesse por essa tecnologia também tem crescido bastante, e depois de alguma experiência acumulada nesse tema decidi escrever esse artigo com algumas reflexões sobre o que tenho visto em fazendas que já adotaram a ordenha robótica e sobre minhas conversas com técnicos e produtores sobre o tema.
O grande motivador para que eu decidisse colocar no papel essas reflexões foi uma frase que ouvi de um produtor numa feira agropecuária da qual participei recentemente. Ele passava em frente ao stand de uma das empresas fabricantes de robôs e eu caminhava em sentido contrário. Quando nos cruzamos ouvi ele dizer para a pessoa que o acompanhava: “Quando o leite estiver a R$ 10,00 eu compro um desses”. Não sei o teor da conversa entre eles, só ouvi essa frase, mas isso me fez pensar bastante sobre a adoção dessa tecnologia no Brasil.
Sem dúvidas o custo de um robô é bastante elevado. Comparando com o custo de uma ordenha convencional, o investimento em robôs, considerando o valor por vaca, é significativamente mais alto. Mas esses robôs não são apenas um equipamento de ordenha mais moderno, essa é uma visão míope e estreita do que significa um sistema de ordenha voluntária. A decisão pela adoção dos robôs não pode ser baseada unicamente no custo, o produtor deve ter claro qual seu objetivo ao dar esse passo.
E o que essa tecnologia pode gerar de benefícios para o produtor de leite? Nas minhas andanças nos últimos anos, fazendo treinamentos técnicos e algumas consultorias, tenho recebido 2 relatos distintos de produtores que estão satisfeitos com a mudança. De um lado aqueles que depois de algum tempo com a ordenha robótica estão ganhando mais dinheiro vindo de maior produção de leite, com mais eficiência. De outro lado aqueles que não estão ganhando mais dinheiro, mas tiveram uma melhora significativa na qualidade de vida, por terem mais tempo para se dedicar a atividades que não podiam fazer antes, incluindo lazer e mais tempo com a família.
Também há o grupo dos que não se deram bem com a tecnologia, se arrependeram, e voltaram à ordenha convencional. Boa parte desses perdeu dinheiro no processo. O que há de comum entre esses grupos? A tecnologia. É a mesma em todas as fazendas. Claro que há diferenças entre equipamentos oriundos de diferentes fabricantes, mas são poucas as empresas que fabricam robôs, e há exemplos de sucesso e insucesso com robôs de todas as cores. E quais as diferenças que pude observar entre os grupos citados acima? É o sobre o que vou discorrer nos parágrafos seguintes.
A turma que relata estar ganhando mais dinheiro depois que adotou os robôs me mostra que essa tecnologia pode gerar mais lucro para as fazendas, apesar do seu custo elevado. Dessa forma, será que é preciso rezar para o leite chegue a R$ 10,00 por litro para investir nessa alternativa? Uma coisa unânime entre os produtores desse grupo é que nenhum deles diz que está trabalhando menos, e alguns também dizem que o gasto com mão-de-obra não diminuiu em suas fazendas. Todos dizem que estão trabalhando diferente, menos com os braços e mais com o cérebro, e que não precisar pular para dentro do fosso de ordenha tem muito valor.
Um dos grandes benefícios do sistema de ordenha com robôs é a possibilidade de “individualizar” o manejo e nutrição das vacas. O termo está entre aspas por quê na verdade é uma individualização parcial, mas é uma possibilidade inexistente nos sistemas com ordenha convencional. Isso permite, por exemplo, que as vacas que produzem mais leite recebam dieta com mais nutrientes e as em final de lactação, que já estão produzindo pouco, recebam dieta mais barata, com menor densidade nutricional, adequada para o seu nível de produção.
Se essa individualização for bem feita, consegue-se melhorar a eficiência alimentar, ou seja, produz-se mais leite por kg de alimento que as vacas ingerem. E especialmente em tempos de preço baixo do leite, isso tem muito valor. Para que esse processo seja bem executado é preciso que alguém, o produtor ou algum colaborador da fazenda, dedique um bom tempo de cada dia para trabalhar com os dados zootécnicos que os softwares dos robôs disponibilizam, a fim de tomar decisões de manejo mais assertivas. Isso é trabalhar mais com o cérebro, e um dos desafios que percebo em muitas fazendas é que muitos produtores não gostam ou não têm facilidade para fazer isso, e aí as possibilidades de melhor a rentabilidade do negócio ficam mais limitadas.
Para ganhar mais dinheiro com os robôs é imprescindível fazer diariamente a análise dos dados disponíveis para fazer os ajustes necessários para que os sistemas sejam mais eficientes, dados referentes à alimentação, número de ordenhas diárias, número de visitas aos robôs, dentre outros.
Além da questão da nutrição, outro ponto muito importante para ganhar eficiência com os robôs é o número de ordenhas diárias. Nesse sistema esse número não é fixo, como nas ordenhas convencionais, e as vacas mais no início da lactação e as produzindo muito leite precisam ser ordenhadas mais vezes ao dia. Dependendo do volume de leite diário, num sistema com ordenha robótica é possível que algumas vacas sejam ordenhadas 4-5 vezes ao dia. O sistema também permite que as vacas em final de lactação, produzindo pouco leite, façam apenas 2 ordenhas diárias, ou até menos. O intervalo mínimo entre ordenhas pode ser definido por vaca nos robôs, e esse ajuste é de grande importância para que se consiga máxima eficiência no uso da tecnologia. Novamente, para fazer isso adequadamente a análise e interpretação dos dados é fundamental.
Pelos vários relatos que recebi ficou bem claro para mim que quem está tendo mais lucro com os robôs não está trabalhando menos. Mas está trabalhando diferente. Menos tempo na operação e mais tempo na estratégia do negócio, o que faz muita diferença, especialmente por não haver mais os sacrificantes horários de ordenha. O produtor consegue planejar melhor suas atividades, e se for eficiente no uso do tempo consegue se dedicar mais a atividades de lazer e desfrutar de mais tempo com os familiares. E isso tem bastante valor. Outro ponto importante é que esses que conseguem ser mais eficientes e estão lucrando mais com o sistema de ordenha voluntária estão conseguindo pagar o investimento feito nos equipamentos em tempo mais curto. Na minha amostragem, os melhores estão conseguindo pagar totalmente o investimento em cerca de 5 anos, o que é um prazo muito bom.
No grupo dos que se dizem satisfeitos com os robôs, mas não estão ganhando mais dinheiro, o grande benefício relatado é a melhoria na qualidade de vida e a redução na necessidade de mão de obra contratada. Nos produtores desse grupo que tive oportunidade de visitar não houve aumento na produção de leite e nem ganhos significativos na rentabilidade do negócio, mas alguns apontam melhoria na qualidade do leite. O ponto comum é a grande satisfação com a melhoria na qualidade de vida, especialmente por não precisarem mais ordenhar as vacas. Esses produtores claramente não tiram benefício da análise dos dados, pelo menos não completamente, o que impede que tenham ganhos expressivos em eficiência.
A redução na necessidade de mão de obra contratada não se observa em todas as fazendas, e esse é um ponto importante a observar. Mesmo sem precisar mais de ordenhadores, muitas dessas fazendas continuam precisando dos seus colaboradores para outras funções, ou optam por mantê-los justamente para que os proprietários possam se dedicar a outras atividades. De qualquer forma é uma mudança significativa na dinâmica das fazendas, e muitos produtores enxergam valor nessa outra forma de conduzir os trabalhos na fazenda.
Os casos que conheci de insucesso na adoção da ordenha robótica são poucos, mas existem e em alguns deles os produtores tiveram uma perda financeira bem considerável. Importante destacar que a quase totalidade desses não se deveu a problemas com o funcionamento dos robôs, mas sim à falta de clareza nos objetivos com a adoção da nova tecnologia, a expectativas erradas ou irreais, ou a erros na condução dos projetos, especialmente na transição dos rebanhos da ordenha convencional para o sistema voluntário.
Para ter sucesso na mudança é fundamental ter pleno entendimento de que os robôs não são apenas um outro tipo de equipamento de ordenha, trata-se de um sistema totalmente diferente de produzir leite. O manejo das vacas é diferente, a estratégia de nutrição e alimentação é diferente, e se o produtor não estiver 100% ciente disso as chances de insucesso serão enormes.
Vacas ordenhadas em sistemas convencionais precisam aprender a dinâmica e rotina de um sistema de ordenha robótica, e isso exige paciência e dedicação do produtor. Infelizmente vi casos de gente que acreditou que bastaria desligar a chave da ordenha convencional num dia e ligar a chave do robô no outro para que tudo funcionasse. Outros criaram expectativa de que simplesmente pelo fato de passarem a usar robôs a produção de leite fosse magicamente aumentar, e isso gerou muita frustração, stress e prejuízos para esses fazendeiros.
Eu não tenho dúvidas de que os sistemas de ordenha voluntária têm um enorme potencial para tornar as fazendas mais eficientes, mas os equipamentos não fazem isso sozinhos. Os robôs são ferramentas, se os produtores não souberem usá-las da melhor forma não terão os resultados esperados. Mas aqueles que estão fazendo bom uso da tecnologia estão progredindo e melhorando, seja em termos financeiros seja em relação à qualidade de vida, ou ambos. E os robôs não servem apenas para rebanhos pequenos, hoje temos vários exemplos de grandes rebanhos manejados em ordenha voluntária com grande sucesso.
No Brasil ainda estamos aprendendo como trabalhar de melhor forma com essa tecnologia que já é usada há mais de 30 anos na Europa. Aqui há desafios diferentes, como a qualidade dos volumosos, que precisam ser superados. Mas os casos de sucesso que conheço – e são muitos – me mostram que estamos no caminho certo!
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