Diferentemente do ano de 2022, em que o fenômeno climático em ação era o La Nina, em 2023 é o El Nino que está em plena atividade. Caracterizado por um aquecimento acima do normal na região equatorial do Oceano Pacífico, os impactos do fenômeno são distintos ao longo do vasto território brasileiro.
Na região Sul, espera-se um volume de chuvas acima do normal e um aumento da temperatura média em decorrência do El Niño. As condições oceânicas observadas e a tendência no Oceano Pacífico Equatorial, mostram valores de anomalias de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) maiores que 0,5°C desde junho de 2023, indicando condições de El Niño (Figura 1).
Nas últimas semanas houve uma intensificação da condição apresentada, indicando uma presença do fenômeno em níveis mais elevados.
Figura 1. Anomalia Mensal de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) durante a 1ª quinzena de setembro/2023
Fonte: INMET/NCEP-NCAR e Copaaergs
O modelo de previsão de El Niño-Oscilação Sul (ENOS), do APEC Climate Center (APCC), centro de pesquisa sediado na Coréia do Sul, identificou uma probabilidade de 90% ou mais, de que as condições de El Niño se estenderão durante os meses de primavera e início do verão 2023/2024 (Figura 2). Além disso, o modelo também indica alta probabilidade de que o fenômeno se intensifique, chegando à categoria de classificação forte nos próximos meses, com chance até mesmo de categoria muito forte para o fim de novembro e decorrer de dezembro.
Figura 3. Previsão probabilística de ENOS do APCC.
Fonte: APEC Climate Center e Copaaergs
Quais impactos o El Niño causa na produção leiteira do Sul?
O excesso de chuva nos próximos meses pode intensificar o excedente hídrico, causando o encharcamento do solo e, consequentemente, prejudicando a colheita da safra de inverno e o início do plantio das culturas de grãos.
Consultado pela equipe do MilkPoint, Wagner Beskow, sócio-diretor da Transpondo Consultoria Agropecuária e colunista aqui no site, destacou que o El Niño geralmente proporciona anos bons quando olhamos o setor agro como um todo. “O fenômeno geralmente traz consigo anos bons para a região Sul quando falamos de produtividade. Viemos de três anos de seca, estiagens fortes que trouxeram grandes prejuízos”, destacou.
Em um breve resumo da região, Wagner destacou a desuniformidade. “A situação está desuniforme. Temos regiões com muitas chuvas e temperaturas acima da média, como era esperado. Por outro lado, alguns locais estão quentes e sem tantas precipitações. E ainda existe regiões que a temperatura está abaixo do esperado, como a metade Sul do Rio Grande do Sul”, disse Beskow.
Quando falamos da cultura do milho, existe uma janela de plantio diferente entre as regiões devido as condições climáticas. Nas regiões mais quentes, o plantio é feito em julho – como o exemplo da bacia leiteira de Santa Rosa, Noroeste do RS - enquanto nas regiões com temperaturas mais amenas, o plantio é realizado em agosto. Wagner destacou que algumas regiões foram atingidas por intempéries que prejudicaram a lavoura. “Embora não seja raro, esta safra do milho sofreu até com geadas esse ano. Não dá para dizer que as temperaturas estão mais elevadas do que o normal em decorrência do El Niño, até geada se teve”, disse, destacando que o problema climático certamente afetará o desempenho da lavoura como um todo.
O aumento das precipitações causa alguns tipos de problemas, e o excesso de barro nas instalações e nos locais em que os animais transitam, tem gerado dor de cabeça para alguns produtores. “O barro é um desafio no momento, muitos produtores estão passando por essa situação. E é importante lembrar que outubro, em média histórica de 30 anos, é o mês que mais chove. E as previsões indicam que o mês será de mais chuvas do que a média apresenta, trazendo uma perspectiva desafiadora”.
Embora os desafios pela frente aparentam ser grandes, o consultor permanece confiante em um resultado positivo das chuvas que estão por vir. “Olhando o cenário de cima e embora estando um pouco cedo para dizer, acredito os efeitos positivos da chuva vão trazer resultados mais favoráveis do que desfavoráveis para o produtor de leite. Vamos aguardar o estabelecimento do milho”, conclui.
Orientações de técnicos e especialistas para driblar os impactos do El Niño
As culturas de inverno apresentam vantagens nessas condições. Devido aos dias mais nublados e precipitações mais intensas que aumentam a umidade e reduzem o calor, o ciclo se prolongou, possibilitando a disponibilidade desse tipo de alimento para o rebanho leiteiro.
Consultamos Loana Cardoso, pesquisadora em Agrometeorologia da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação e Coordenadora do Copaaergs, Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado do Rio Grande do Sul, que lembrou que além das chuvas, os dois meses finais do ano apontam temperaturas elevadas, acendendo o alerta de atenção para problemas de estresse térmico. “O prognóstico nos indica que, além das chuvas e o barro, as temperaturas mais elevadas são um problema a mais para o fim do ano, quando falamos em produção leiteira. O cuidado que o produtor precisa ter com isso é relevante. Deve-se tentar minimizar ao máximo o estresse térmico dos animais. O conforto térmico tem impactos altíssimos sobre a produção e a produtividade dos rebanhos”, destacou a pesquisadora.
Alguns outros tipos de manejos preventivos e orientações técnicas ajudam a contornar os impactos que o fenômeno climático pode causar, atente-se:
- No manejo de plantas forrageiras, promover a manutenção da cobertura de solo e de boa disponibilidade de forragem, através de cargas animais adequada;
- Escalonar os períodos de plantio/semeadura das forragens cultivadas para o período de primavera/verão utilizando mudas/sementes de alto vigor, para reduzir as perdas ou atrasados de implantação que podem ocorrer devido a umidade elevada no início da primavera.
- Reduzir a carga animal na pastagem após a ocorrência de grande volume de chuva, de forma a evitar danos à pastagem pelo excesso de pisoteio;
- Indica-se fazer silagem/feno de cultivos e pastagens de inverno/primavera, visando garantir maior disponibilidade de alimento no verão para as categorias de rebanhos mais exigentes;
- Em virtude do prognóstico de chuvas acima da média climatológica, atentar para as instalações e o entorno para evitar formação de muito barro o que pode ocasionar problemas de casco.
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Referências utilizadas
Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado do Rio Grande do Sul