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Uma avaliação crítica do projeto Fome Zero

POR LUIS FERNANDO LARANJA DA FONSECA

PANORAMA DE MERCADO

EM 22/11/2002

8 MIN DE LEITURA

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Antes mesmo de tomar posse, o novo presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva já anunciou publicamente uma de suas prioridades de governo: o combate à fome.

Para atingir esse objetivo, o futuro presidente anunciou que será prioritário a implantação de um grande projeto que foi gestado por vários meses no Instituto Cidadania, uma ONG da qual Lula é presidente e que se dedica a elaborar planos e projetos de políticas públicas para o País. Esse projeto, intitulado "Fome Zero" já foi apresentado aqui mesmo nesta coluna (Um plano para combate à fome - 19/10/2001). Trata-se de um amplo projeto, elaborado com a colaboração de diversos técnicos e políticos de diferentes instituições, tais como IPEA, Embrapa, Unicamp, UFRJ, dentre outras. Na verdade, a versão final do projeto corresponde quase que a um tratado de análise da situação da fome e da miséria no País e que, no final, propõe uma série de medidas para minimizar o problema no nosso País.

Pois bem, foi esse projeto, coordenado pelo Prof. José Grazziano da Silva, agrônomo formado pela ESALQ e professor de Economia Rural da UNICAMP, que foi eleito pelo futuro presidente para dar início a uma série de ações que priorizem a mitigação das nossas mazelas sociais. No entanto, mal foi anunciada a prioridade que será dada ao novo projeto, já surgiram muitas críticas, debates e logicamente elogios à nova iniciativa. E o meu objetivo neste breve artigo é exatamente este, trazer o projeto mais uma vez ao debate.

Em primeiro lugar, parece claro que há um consenso na questão. De forma unânime, todos os setores da sociedade se mostraram favoráveis a um plano de combate à fome. Ninguém fica insensível a uma mazela dessa natureza. No entanto, muitos se manifestaram de forma crítica à maneira como será executado o projeto.

Uma das críticas mais freqüentes que o projeto vem recebendo, diz respeito à distribuição de cupons/vale de alimentação, que poderiam ser trocados por alimentos em postos e mercados credenciados. Desta forma, as famílias carentes, cadastradas no projeto, receberiam cupons ou cartões magnéticos, com créditos que seriam usados para a compra "exclusiva" de alimentos. As críticas a esse sistema partem tanto de dentro do PT quanto de fora do partido. O senador Suplicy tem sido um crítico feroz desse sistema, condenando o uso de tíquetes/cupons ou vale alimentação. O senador petista tem insistido para que esse projeto seja modificado pelo famoso projeto de renda mínima, por ele elaborado e que tem se tornado uma obsessão na sua atuação política. O senador Suplicy enfatiza sistematicamente que a existência dos cupons ou vales criaria um mercado paralelo, em que esses cupons seriam trocados por dinheiro (com deságio, logicamente) ou por outros itens não alimentícios. Dessa forma, seria mais lógico, segundo o senador, repassar dinheiro diretamente as famílias carentes, ao invés dos cupons. Nesse caso, cada família daria o destino que quisessse a essa renda, e provavelmente, grande parte dessa "remuneração" seria gasta com alimentos, visto que saciar a fome é a prioridade mais imediata do ser humano. No entanto, muitas vezes a prioridade de uma família pobre poderia ser a compra de roupa, por exemplo, ou de material de construção para a ampliação ou reforma de uma moradia precária. Enfim, essa tem sido a crítica mais comum ao projeto "Fome Zero".

Além disso, tem sido debatida a questão da fonte de recursos para a implantação do referido projeto. A crítica que brota poderia ser estereotipada com a seguinte frase: "a idéia é brilhante, mas de onde virão os recursos". Na sua versão original o projeto aponta que deveriam ser utilizados recursos do orçamento federal (cujo valor destinado às políticas sociais somam cerca de R$ 45 bilhões atualmente, sendo que o custo dos cupons seria equivalente a R$ 10 bilhões/ano), bem como recursos do fundo de combate à pobreza, complementados com algum valor que poderia ser obtido com a contribuição da sociedade civil organizada e empresas.

Bom, quanto à primeira crítica, ou seja, a forma de repasse dos recursos, se via cupom ou via repasse direto de dinheiro (da mesma forma como ocorre hoje com os projetos bolsa-escola, vale-gás, etc...), eu gostaria de destacar um aspecto. Julgo que esse projeto tem um caráter pontual e assim deve ser encarado. A finalidade é combater a fome através de políticas de segurança alimentar. Não se trata de um projeto para acabar/minimizar a "miséria" do país de uma forma mais ampla, como poderia ser o projeto de renda mínima do senador Suplicy, aliás, um projeto muito interessante. Com isto, quero dizer que devemos colocar as coisas no devido lugar e na sua ordem de grandeza. O Projeto Fome Zero deve ser um dos vários grandes projetos do governo Lula, paralelo a outros projetos, por exemplo, para habitação popular, segurança pública, geração de emprego, etc... Se encarado desta forma, como um projeto pontual e específico de seguridade alimentar, é válido que ele seja focado na distribuição exclusiva de alimentos. E é justamente neste ponto que eu vejo uma correlação estreita entre esse projeto de mitigação da fome com o setor agropecuário, que, em última análise, é o que nos diz respeito aqui nesta coluna. Se há um projeto claro e relativamente grande de distribuição de alimentos para um público até então alijado do mercado consumidor, isso significa um incremento de demanda significativo, o que impacta de forma intensa no setor agrícola. Desta forma, um projeto dessa natureza poderia matar dois coelhos com uma única cajadada.

Vejamos o caso do leite. Considerando que o projeto Fome Zero contempla, dentre às suas POLÍTICAS ESPECÍFICAS (aquelas destinadas a promover a segurança alimentar e combater diretamente a fome e a desnutrição dos grupos populacionais mais carentes) a doação de cestas básicas emergenciais, o combate à desnutrição materno-infantil, a manutenção de estoques de segurança a ampliação da merenda escolar, isto certamente implicaria na aquisição, por parte do governo, de grandes quantidades periódicas de alimentos, incluído aqui o leite como um alimento prioritário pelas suas características nutricionais. Se estas aquisições do governo fossem feitas de forma organizada e estratégica, poderiam funcionar como um elemento regulador de mercado, através de uma geração de grande demanda em épocas do ano em que há oferta abundante de produto e conseqüente queda de preço aos produtores. Essa é uma estratégia amplamente utilizada nos EUA, por exemplo. Lá, o estado compra grandes quantidades de leite em pó sempre que o USDA detecta um movimento brusco de queda de preços ao produtor. Esse leite em pó é então destinado aos programas sociais, merenda escolar e abastecimento das forças armadas.

Dessa forma, acho que tem validade a tentativa de restringir os benefícios do programa a compra exclusiva de alimentos, pois seria uma forma de atacar diretamente a fome, além de promover um incremento positivo de demanda por produtos agrícolas produzidos no País. Voltando ao caso do leite, o único receio que tenho é que, dependendo do aumento de demanda, não teremos produto suficiente para abastecer o mercado, o que geraria um aumento das importações. Veja que um simples aumento no consumo per capita no País da ordem de 5 litros/hab/ano geraria uma demanda adicional de quase 1 bilhão de litros de leite.

Com relação ao segundo ponto, isto é, a origem dos recursos para o projeto, eu concordo que realmente é uma questão crítica, pois um projeto dessa grandiosidade não se alimenta apenas de boas intenções, e sempre fica a questão: "se é tão fácil assim mitigar a fome, porque o governo FHC não o fez, uma vez que a princípio o nosso presidente teria sensibilidade suficiente para abraçar essa causa?". Dizem vários técnicos do atual governo que os recursos são muito mais limitados do que se pensa e que não será fácil encontrar brechas no orçamento federal que proporcionem os recursos necessários, da mesma forma que no fundo de combate à pobreza, cujo orçamento é limitado. Pois bem, na minha opinião, este é um desafio grande, mas que, no entanto, exige às vezes muito mais do que profundo conhecimento técnico de finanças públicas, mas sim uma dose de audácia e criatividade política, e tenho certeza que esse é o caminho que está sendo buscado pelo futuro governo. Quero dizer que isto envolve uma mobilização geral da sociedade em torno de uma causa e a sua conseqüente sensibilização para o problema, fazendo brotar iniciativas espontâneas novas. Isso significa o aparecimento de recursos que estavam escondidos, a procura de uma boa causa política. Dentre estes recursos, eu destacaria os recursos de instituições e fundos internacionais, tais como BID, DIRD, Banco Mundial, FAO e até mesmo do FMI. A tarefa neste caso é ter cacife e habilidade política para comover os "companheiros" que possuem a chave do cofre dessas instituições. E ao que parece, isso tem sido feito nas últimas semanas pelo novo governo, com a promoção de encontros e reuniões com as autoridades dessas instituições. Essa análise pode parecer excessivamente inocente, mas às vezes prefiro acreditar que dá para ser criativo e que podem existir caminhos não ortodoxos para aliviar a crise orçamentária do estado. Vejamos as manifestações expressas ontem pelo presidente do Bird, James Wolfensohn ao anunciar que a instituição deverá liberar entre US$ 6 bilhões e US$ 10 bilhões em recursos novos ao País nos próximos três anos. Wolfensohn, que está no Brasil há uma semana, encontrou-se ontem com Lula e depois declarou "O presidente eleito é um homem que pareceu preocupado com as questões sociais e fiquei muito emocionado", disse. "Agora percebo que estou lidando com gente responsável, que tem um sonho, e isso é uma combinação fantástica". Wolfensohn afirmou que fará "tudo que puder para ajudar, com recursos e experiência".

Enfim, fora isso, julgo que muitos recursos podem ser mobilizados através de um trabalho bem direcionado e coordenado pela sociedade civil organizada, através de movimentos como aquele lançado pelo sociólogo Betinho, "Ação da Cidadania contra a Fome a Miséria e pela Vida". Entendo também que uma vez que haja uma mobilização nacional em prol da mitigação da fome, a iniciativa privada não se ausentará em dar uma contribuição importante.

Em resumo, acho que o momento é oportuno e o clima muito favorável para que essa questão tome força, e se isto acontecer, a legião de miseráveis do País agradece e tenho certeza de que o setor agropecuário brasileiro em muito se favorecerá desse potencial aumento de demanda de alimentos.

LUIS FERNANDO LARANJA DA FONSECA

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RUI DA SILVA VERNEQUE

JUIZ DE FORA - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO

EM 28/11/2002

Professor Laranja e leitores:

A idéia do projeto Fome Zero é, naturalmente, louvável e necessária. Todavia, a preocupação é até que ponto o processo de distribuição de recursos para "matar a fome" poderá resolver o problema de forma duradoura (podem ocorrer uso dos recursos para outros fins e, portanto, o tiro sair pela culatra). Encaro o problema mais ou menos como dar novalgina ou dipirona para a dor-de-cabeça. Ou seja, tira a dor, mas não cura a doença e não procura saber sua causa. Acho, sim, louvável, mas o problema precisa ser encarado com grande seriedade e os governantes e a sociedade precisam é procurar meios para que haja mais emprego e os "preguiçosos" não podem conturbar o processo, sacrificando aqueles que passam dificuldades simplesmente porque falta-lhes saúde ou emprego. Portanto, acho imprescindível que haja uma fiscalização forte do processo, com grande contribuição da sociedade, e que sejam providenciados meios para evitar a questão de "dar de graça", uma vez que isto estimula a preguiça e não resolve o problema a longo prazo.
WILLIAM GOMES VALE

BELÉM - PARÁ - PESQUISA/ENSINO

EM 28/11/2002

Concordo plenamente com o artigo do Prof. Luiz Fernando. Falou com Cádetra. Ademais, esse programa seria ideal para estabilizar a produção de leite bovino no Brasil e nos tirar da fragilidade do sistema. Como sabemos, o leite é um alimento fundamental para todas as idades das populações humanas, sendo também o grande impulsionador da agricultura em todos os países desenvolvidos. Infelizmente, no Brasil, nunca tivemos uma política sábia relacionada com o setor. Quando há excedente, o preço vai para baixo, quando falta o produto, exportamos no mercado internacional.

Parabéns, Prof. Laranja.


William G. Vale
Médico Veterinário
Professor Titular da UFRA
JOSÉ ALMEIDA DE OLIVEIRA

MAJOR ISIDORO - ALAGOAS - EMPRESÁRIO

EM 28/11/2002

Caro Senhor Luiz Fernando Laranja: seu comentário referente ao Projeto Fome Zero a ser implantado pelo Governo Lula, merece os maiores elogios. No entanto, pergunto? Quem pagará a conta? Veja Dr. Luiz que os projetos atualmente em voga acarretam danos significativos à produção agropecuária. Vemos que os beneficiados, porque são beneficiados, não mais se dedicam ao trabalho, faltando mão de obra à atividade. Se sentem satisfeitos com o pouco que recebem do Governo. Sugiro, no entanto, que com qualquer método a ser utilizado na distribuição do alimento, seja exigido polo Governo, de cada beneficiado, um comprovante do trabalho desenvolvido no período, pelo mesmo. Por falta de um política melhor direcionada, nós, produtores de leite e agropecuaristas em geral sofremos por falta de mão de obra em cada setor da atividade. Aguardo um seu comentário a respeito do tema e agradeço antecipadamente.

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