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O caso dos supermercados: seu impacto sobre a cadeia do leite e estratégias para controle do abuso econômico (Parte 2)

POR LUIS FERNANDO LARANJA DA FONSECA

PANORAMA DE MERCADO

EM 11/04/2002

13 MIN DE LEITURA

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Dando seqüência ao artigo publicado na semana passada, iremos discutir agora, de forma um pouco mais profunda, o real impacto das grandes redes de varejo sobre o preço dos produtos ao consumidor, sobre a concorrência e sobre a geração de empregos, bem como abordaremos algumas estratégias que estão ou que podem ser usadas para minimizar os efeitos nocivos das grandes cadeias de supermercados sobre o mercado.

Em primeiro lugar, é preciso reafirmar que não há dúvidas quanto à importância dos supermercados na vendas de varejo e o seu poder na distribuição, especialmente de gêneros alimentícios. Dados da Nielsen, de 1998, apontam que as vendas por auto-serviço (supermercados) representavam 85,6% do total de vendas de alimentos, envolvendo nessa operação apenas 12,2% dos pontos de venda. Ou seja, vende-se muito em poucas e grandes lojas. Além disso, o setor está concentrado cada vez mais em poucas mãos. Basta ver que os cinco maiores grupos supermercadistas do Brasil respondem por quase 50% das vendas de varejo. E esta situação tende a se agudizar, com a aquisição sistemática de pequenas redes regionais por parte de grandes conglomerados como Sonae, Pão-de-Açucar, Carrefour e Wal-Mart. É importante ressaltar que esse fenômeno não é uma particularidade brasileira, pois nos EUA e Europa, as cinco maiores cadeias de supermercados respondem por 65 e 80% do mercado, respectivamente.

Mas o que se observa, é que essa concentração do varejo em todo o mundo traz cada vez mais preocupação para os governos e consumidores, além, logicamente, dos seus concorrentes, neste caso representados pelos pequenos varejistas, padarias e mercearias de bairro. Tais preocupações envolvem diferentes aspectos.

Em primeiro lugar, questiona-se cada vez com mais freqüência se realmente os preços praticados pelas grandes cadeias de varejo são realmente menores. Na verdade, a sensação que o consumidor tem, e a imagem que se passa das grandes cadeias de varejo é de que elas realmente praticam os menores preços e isso as torna atrativas para o público. Mas na verdade, alguns estudos não referendam essa sensação. Pesquisas realizadas na Iowa State University nos EUA, conduzidas pelo Prof. Kenneth Stone mostram alguns resultados surpreendentes. O referido professor aponta que o grande volume de negócios realizados pelo Wal-Mart, por exemplo, no mundo todo, que gerou um faturamento anual de 220 bilhões (é isso mesmo, bilhões!) no ano de 2001, permite que essa rede obtenha grandes descontos junto aos seus fornecedores, mas que apenas parte desse benefício seja repassado para os consumidores. Afirma o Prof. Stone: “É falsa a imagem de que tudo no Wal-Mart é mais barato. Seus administradores efetivamente praticam os preços mais baixos nos mil itens mais procurados pela clientela, mas nos outros 119 mil itens, os produtos não são tão baratos assim”. Apenas para ilustrar esse quadro, o grupo Wal-Mart teve um lucro líquido de US$ 6,6 bilhões em 2001. Para se ter uma idéia, esse é aproximadamente o valor de todo o PIB lácteo brasileiro!

Mas analisando essa questão na realidade brasileira, temos outros dados de pesquisa. Dados coletados em Belo Horizonte, fruto de 190 pesquisas de preço ocorridas duas vezes por semana durante os anos de 1999 e 2000, mostram que os supermercados singulares (lojas únicas) ou pequenos e médios comércios de bairro localizados fora da região central de Belo Horizonte, vendiam a cesta básica de alimentos proposta pela Secretaria de Abastecimento do município a um preço menor do que as grandes redes de supermercados em freqüência muito superior. Em 72% das pesquisas realizadas, os mercados singulares vendiam a cesta básica a um custo menor do que as cadeias de super e hipermercados. E em apenas 18% da vezes o preço foi mais baixo nas grandes lojas. Ainda em Belo Horizonte, foi realizada uma outra pesquisa que mostra que a rede de supermercados Mineirão, após ter sido adquirida pela rede Carrefour, teve um aumento relativo do preço praticado nos produtos da cesta básica. Em 1999 (quando ainda pertencia ao grupo brasileiro Mineirão), este supermercado ofereceu a cesta básica com menor preço da cidade em 35 ocasiões. Já em 2000 (após ser adquirido pelo Carrefour) essa freqüência de preços mais baixos caiu para apenas 8 vezes no ano.

Outro levantamento, desta vez realizado no Sul do País, em Porto Alegre, vem comparando os preços de produtos alimentícios praticados nas grandes redes de supermercados da cidade, em uma rede de mercados de pequeno porte e em uma tradicional feira de produtos ecológicos organizada por uma cooperativa local. Os resultados mostram que as margens das grandes cadeias de supermercados são muito superiores e acabam balizando o preço no comércio em geral.

Todas essas informações referendam uma avaliação empírica crescente nos últimos anos de que os grandes supermercados efetivamente não praticam melhores preços de forma geral. Na verdade, as grandes redes de supermercados operam com uma filosofia de grandes descontos em “produtos chamariz” que atraem o público. Geralmente tais produtos são aqueles que envolvem compras mais freqüentes, o que inclui o leite. Tal fato foi denunciado recentemente na CPI do leite do Paraná pelo presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios (Sindileite), Sr. Wilson Thiesen, que afirmou que “a competição entre as redes de supermercados, um setor altamente concentrado, faz com que elas utilizem o leite para atrair consumidores com promoções”. E logicamente, quando se trata de um canal de comercialização responsável pela distribuição de mais de 60% do leite de consumo no Brasil, pode-se concluir que tal estratégia para atração de clientes gera uma distorção tremenda no mercado. Para se ter uma idéia do poder de fogo das grandes cadeias de supermercados, basta ver que somente a rede Wal-Mart comercializa cerca de 2 bilhões de litros de leite/ano, o que equivale a toda produção do Estado de São Paulo no mesmo período ou a toda a captação anual de leite da Nestlé e da Itambé somadas !

Também é importante fazer uma análise crítica da argumentação defendida muitas vezes pelos grandes supermercados, de que o preço dos alimentos têm ficado proporcionalmente mais baixo justamente no período que coincide com a expansão das grandes redes de varejo. Na verdade tal fenômeno não pode ser atribuído diretamente à expansão das grandes cadeias de varejo, mas sim a uma mudança estrutural do mercado, que incluiu um aumento de preço dos produtos com maior valor agregado conjuntamente com uma mudança no perfil de consumo que privilegiou esses produtos mais sofisticados. O que ocorre é que é justamente nesses produtos de maior valor agregado onde ocorrem as boas margens do varejo. Ou seja, em termos práticos, você vai até um grande supermercado para comprar um litro de leite, atraído por uma promoção que anuncia o litro de longa vida a R$ 0,75 e acaba levando um pacote de bolacha recheada (produto com valor agregado) que custa R$ 2,00/pacote. Pergunta-se: onde o supermercado lucrou ? Na venda do leite ou da bolacha recheada ? Porque você decidiu ir até o supermercado ? Induzido pela propaganda vistosa em grandes letreiros ou no encarte de jornal feito em cima do leite ou da bolacha (que provavelmente não consta na lista das promoções) ?

Não estou aqui condenando os supermercados por usarem esse tipo de estratégia, afinal isso mostra que estas redes são extremamente inteligentes no seu processo gerencial e de marketing e qualquer administrador inteligente faria a mesma coisa. O que estou tentando apresentar aqui é apenas uma análise crítica da situação e relacionando fatos que em última análise perturbam a cadeia do leite em específico. Além do mais, podem ter certeza de que esta situação não é peculiar do Brasil, mas ocorre em todos os grandes países capitalistas do mundo. A única diferença é que em outros países existem mecanismos de proteção às distorções do mercado e, neste caso especificamente, proteção do elo mais frágil da cadeia, os produtores.

Para continuar com esta análise crítica, gostaria de abordar também o impacto das grandes redes de supermercados sobre a concorrência, representada aqui pelos pequenos supermercados, mercados de bairro, padarias e mercearias, bem como sobre a geração de empregos. Vários estudos mostram que a instalação de grandes lojas, ao contrário do que se anuncia e do que se imagina, gera aumento do desemprego na região. Segundo Manuel Ramos, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, “cada emprego gerado por uma grande loja do Wal-Mart, Pão-de-Açucar e Carrefour acarreta o corte de uma vaga e meia nos pequenos estabelecimentos”. Nos estudos realizados em Iowa (EUA) pelo Prof. Kenneth Stone, foi verificado que após 10 anos de instalação das lojas do Wal-Mart, o comércio nas 34 cidades onde a rede se instalou aumentou 25%, mas, no entanto, nas 15 cidades vizinhas onde não havia grandes lojas de varejo, o comércio diminuiu em 34%. O prof. Stone conclui: “devido aos seus métodos extremamente eficientes de gestão, grupos como o Wal-Mart causam o fechamento de pequenas lojas locais”. Em resumo, isso significa que o efeito da entrada de grandes lojas de varejo é devastador para a concorrência, que fica completamente desprotegida frente ao poder econômico de grandes grupos e isso acaba afetando negativamente o nível de emprego regional, o que parece óbvio uma vez que a grande escala dos hipermercados resulta num aumento de eficiência da mão-de-obra, cujo efeito econômico é positivo mas social é negativo.

Em virtude de todo esse quadro que se cristaliza de forma cada vez mais evidente não apenas no Brasil, mas sim no mundo todo, vários economistas e administradores públicos, bem como a sociedade civil organizada, têm debatido estratégias para minimizar os efeitos negativos da expansão das grandes cadeias de varejo.

De forma muito sucinta, apresento a seguir algumas estratégias que foram adotadas em diferentes países com o objetivo de minimizar os efeitos nocivos da expansão do grande varejo sobre a concorrência e oferta de empregos.

França: desde de 1986 existe o Conselho da Concorrência, que analisa o impacto da instalação de grandes lojas de varejo sobre o emprego e a concorrência. Por conta dessa regulamentação oficial, empresas como o Carrefour estão proibidas de se instalar na região central de Paris, com o argumento de proteção dos pequenos estabelecimentos.

Espanha: as prefeituras têm a prerrogativa de aprovar ou não a abertura de grandes lojas de varejo, considerando rigorosamente o impacto dessas novas lojas sobre os estabelecimentos locais menores.

Argentina: Desde de 1998, a abertura de lojas com mais de 2.500 m2de superfície exige uma autorização especial das prefeituras da província de Buenos Aires.

E quem acha que essa realidade ainda está longe de chegar ao Brasil, está muito enganado: já existem várias iniciativas oficiais no sentido de limitar a expansão de grandes lojas de varejo ou de limitar os seus efeitos potencialmente danosos à comunidade local. Existe um projeto em tramitação no Congresso Nacional, de autoria do deputado Jurandil Juarez (PMDB-AC), já aprovado na Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da Câmara Federal, que determina que todos estabelecimentos comerciais com mais de 1.000 m2 têm de apresentar à Prefeitura um Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV) para que esta autorize seu funcionamento. Um projeto muito semelhante a este também tramita na Câmara Municipal de São Paulo. Legislação semelhante já vigora na cidade de Porto Alegre desde dezembro de 2000, que na essência exige detalhados estudos antes de aprovar a instalação de lojas com mais de 1.500 m2 de área de superfície no município. Por conta dessa lei, a rede Carrefour, para obter autorização para instalar uma nova loja em Porto Alegre teve que fazer uma série de concessões que envolveram a cessão de um espaço contíguo para a instalação de pequenos comércios complementares (40 pequenas lojas), a contratação obrigatória de pessoas da própria comunidade onde a loja seria instalada (sendo que 10% dos novos contratados deveriam ter mais de 30 anos de idade), a cessão de espaços para campanhas de alimentos da prefeitura e a instalação de uma creche com 60 vagas para utilização da comunidade local. Nesse mesmo sentido, durante a administração de Cistóvam Buarque em Brasília, foi negociada a inclusão de produtos das pequenas agroindústrias fomentadas pelo Governo do Distrito Federal nas gôndolas dos grandes supermercados.

Estes fatos mostram que tanto a União quanto os Estados e Municípios podem utilizar instrumentos legais para amenizar os impactos negativos da instalação de grandes lojas de supermercados. A cobrança diferenciada de impostos é um instrumento passível de ser utilizado pela União e pelos Estados, embora tal medida apresente uma certa fragilidade jurídica. No entanto, é no município que se concentra o maior poder de regulação dessa questão, pois a legislação de ocupação do solo é de uso ilimitado, podendo restringir ou negociar a instalação de grandes superfícies de venda a partir de diretrizes estabelecidas democraticamente pelo Legislativo local ou mesmo por consultas populares. Dessa forma, a exigência de instrumentos tais como Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Estudo de Impacto na Vizinhança (EIV) são plenamente factíveis nesta situação. Veja que não se trata de uma posição ideológica ou unilateral contra as grandes cadeias de supermercados, mas sim de um ato responsável do poder público para avaliar os potenciais efeitos nocivos da instalação dessas grandes redes, que podem se dar tanto sobre a concorrência (pequeno varejo), sobre o nível de emprego local, sobre o mercado (distribuição de produtos produzidos localmente e por pequenos produtores) e até mesmo sobre o meio ambiente (lixo e esgoto) e serviços públicos (energia elétrica, água, trânsito). Por isso tudo, medidas de proteção pública como essas têm sido adotadas em várias cidades européias. Não se trata de um enfrentamento com as grandes empresas de supermercados, mas apenas uma disciplina que deve ser estabelecida e que potencialmente pode ser sinérgica aos interesses dos empresários, como no caso mencionado do Carrefour de Porto Alegre, conforme declaração do Secretário da Indústria e Comércio daquele município: “A experiência foi boa para nós que equacionamos o impacto socioeconômico, e para o Carrefour, que teve aceitação melhor na região. Foi peça de marketing para a empresa, que é vista pelo público local como parceira”.

No caso específico do reflexo sobre a cadeia láctea, trata-se muito mais de um impacto estrutural sobre toda a cadeia do que de um impacto local e restrito geograficamente, e, dessa forma, seria importante refletir sobre o assunto e avaliar quais estratégias poderiam ser utilizadas para minimizar os efeitos danosos sobre os elos mais frágeis da cadeia. Não se trata de engessar o mercado como pensariam alguns críticos deste artigo, mas apenas da regulamentação mínima exigida em mercados imperfeitos. Quase todos os países desenvolvidos do mundo estabelecem mecanismos de proteção aos seus produtores primários, e isto vale no caso do leite para os EUA, Canadá, Europa, Japão etc... No Brasil, abriu-se o mercado sem limites e o que vimos foi uma vil espoliação dos produtores, e muitos daqueles que há 10 anos bradavam em alto e bom tom pela desregulamentação do setor, são hoje viúvas chorosas do Estado e pedem a entrada novamente do governo no mercado para amenizar as perdas dos produtores. Num determinado momento, as indústrias se prevaleceram ou se prevalecem do seu poder de fogo e, agora, outro ator mostra a sua força, no caso as grandes cadeias de varejo, que chegam até a se sobrepor às poderosas indústrias, os algozes de outras épocas. O que se pretende com este artigo não é propor uma limitação do direito do consumidor de classe média degustar do imenso prazer da compra do mês numa linda e grande loja de supermercado, mas sim compatibilizar esse direito adquirido ao gozo das compras com o direito de existência ou de dignidade de um grande grupo de produtores que sentem os reflexos de uma cadeia assimétrica.

Fontes:

- Folha de São Paulo
- Instituto Cidadania: “Projeto Fome Zero”
- MilkPoint - www.milkpoint.com.br

LUIS FERNANDO LARANJA DA FONSECA

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HUMBERTO LUIZ WERNERSBACH FILHO

VITÓRIA - ESPÍRITO SANTO - INDÚSTRIA DE INSUMOS PARA A PRODUÇÃO

EM 30/04/2002

Gostaria de parabenizá-los pela qualidade do artigo publicado, e acrescentar que cada vez mais devemos, como técnicos, trabalhar em conjunto com os produtores para construir uma pecuária leiteira mais forte, não dentro da porteira, mas sim fora dela.

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