Fabiano BarbozaTrabalhador na produção de leite em Invercargill, Nova Zelândia. Está há três anos no país, dois atuando na atividade leiteira. Formado em Ciências Econômicas no Brasil e estudante de curso de agropecuária voltado para produção de leite, na Nova Zelândia. |
MKP: Breve descrição pessoal e profissional.
Meu nome é Fabiano Pires Barboza, sou de Araras/SP e tenho 26 anos. Minha experiência com gado de leite começou aqui na Nova Zelândia. Quando morava no Brasil, não tinha a mínima ideia como funcionava a produção leiteira, não sabia que a Nova Zelândia era um enorme produtor (em relação ao tamanho do país), enfim, experiência e conhecimento zero.
Estudei na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, fui graduado em dezembro/06 no curso de Ciências Econômicas. Durante a universidade, fiz estágio na área administrativa e financeira da Embrapa e também no Banco do Brasil. Vim para a Nova Zelândia em março de 2007, apenas com a intenção de passar cerca de um ano, viajando pelo país e fazendo trabalhos temporários.
Foi em julho de 2008 que minha experiência com a produção leiteira começou. Naquela época, eu estava praticamente decidido a voltar ao Brasil mas, após ler inúmeras reportagens a respeito da produção de leite desse país e ver as oportunidades que poderiam surgir, decidi, juntamente com minha namorada, ficar mais um tempo e experimentar a vida no campo. Após alguns meses trabalhados, nós dois percebemos o quanto gostamos, devido à possibilidade em trabalhar ao ar livre, estar junto com animais e sempre fazer algo diferente, enfim, adoramos o estilo de vida. Trabalhei na mesma fazenda até o final da temporada 2008/09 e depois me mudei para a fazenda que atualmente me encontro.

Em fevereiro de 2009 comecei o curso "National Certificate in Agriculture", o qual terminei o Level 3 em Fevereiro/2010 e atualmente estou cursando o Level 4. Esses cursos seriam equivalentes a um curso técnico em pecuária, voltado praticamente para produção leiteira. Também tenho certificado em "Milk Quality" (Qualidade do leite) e "Dealing with Dairy Farm Effluent" (Operando o Efluente de uma Fazenda de Leite).
MKP: Como é a propriedade leiteira em que você trabalha?
Atualmente estou em uma fazenda de leite situada na área rural de Invercargill, região Southland (Ilha Sul) da Nova Zelândia. A fazenda conta com 161 hectares de terra, dos quais cerca de 151 ha são destinados efetivamente a pastagens para a produção leiteira. Vale lembrar que essas terras são utilizadas somente para a produção de leite, todas as bezerras e novilhas são transportadas para uma terra de suporte, cerca de 30 km da fazenda com 60 hectares.
A ordenha é feita duas vezes ao dia, às 5:00 e 15:00 horas, em uma sala espinha de peixe com conjunto de 36 copos. Todo o efluente gerado na sala de ordenha e de espera é utilizado para irrigar cerca de 35 hectares da fazenda. Os pastos irrigados com esse efluente requerem uma menor aplicação de adubos e/ou fertilizantes.
O período de parição é programado para que aconteçam entre agosto, setembro e outubro de cada ano. Aqui, a temporada/safra tem início no dia 1º de junho de cada ano.
Normalmente começamos a temporada com cerca de 350 vacas e 100 novilhas prenhas, todas ficam secas entre junho e julho, são geralmente alimentadas com couve e silagem de grama. Entre 50% e 60% das parições acontecem em agosto, cerca de 30 e 40% em setembro e o restante em outubro. No pico de produção, ordenhamos cerca de 435 vacas, a partir de janeiro o número de vacas em lactação fica em torno de 420, geralmente na primeira semana de abril o plantel cai para cerca de 400 vacas em lactação, quando chegamos a maio, o número cai para cerca de 380 vacas.
Durante o período de parição, quando os bezerros nascem, os separamos das respectivas mães no mesmo dia ou na manhã do dia seguinte. Os filhotes são levados para um local coberto, onde ficam protegidos do frio, chuvas e possíveis nevascas. As vacas são encaminhadas ao rebanho pós-parto (colostro) e ficam por lá durante as oito primeiras ordenhas, e depois são encaminhadas ao rebanho das vacas "normais". A meta é conseguir no mínimo 100 bezerras para reposição. Há temporadas que o número excede, estas são criadas e vendidas no futuro.
Na primeira semana de novembro, colocamos alguns touros juntos com as novilhas que se encontram na terra de suporte, animais com idade entre 13 e 15 meses. Eles ficam juntos por cerca de 13 semanas. No início da segunda semana de novembro começamos a inseminação das vacas em lactação. Pelo fato da produção ser programada, é muito importante que as vacas estejam em boas condições corporais, sem estresse, recebendo uma alimentação de boa qualidade, pois assim, desde que elas não tenham enfrentado problemas como retenção de placenta, metrite ou algo do gênero, elas voltam a apresentar o cio mais rápido. Também é de extrema importância ter-se um excelente método de identificação das vacas no cio, porque uma vaca que não notamos o cio hoje representará, na próxima temporada, no mínimo cerca de três semanas a menos de lactação.
A inseminação ocorre por seis semanas, atingindo em média 18 vacas inseminadas por dia nas primeiras três semanas. Para operar com eficiência, a meta nacional nessas três primeiras semanas é ter uma taxa de 90% do rebanho submetido à inseminação, com uma meta para taxa de concepção em torno dos 70%. Após essas seis semanas, a inseminação termina e colocamos alguns touros junto com as vacas para engravidar o restante, eles ficam juntos por cerca de seis a oito semanas.
Entre dezembro/janeiro, ou seja, quando a oferta da pastagem fica maior que a demanda animal, utilizamos o excedente para produção de silagem. Assim, a sobra do verão poderá ser utilizada para cobrir o déficit que ocorre entre abril/maio e final de agosto/setembro. Às vezes é necessário comprar mais silagem de outros fazendeiros.
A partir de janeiro o dia-a-dia na fazenda fica mais tranquilo, a quantidade de horas trabalhadas diminui consideravelmente, pois a parte mais difícil e corrida passou. O trabalho seria, praticamente, ordenhar as vacas e fazer manutenções gerais na fazenda.
No começo/metade de abril começamos a fornecer silagem para as vacas, pois nessa época a disponibilidade das gramíneas começa a ficar menor que a demanda dos animais. As vacas que estiverem com a condição corporal abaixo do recomendado são separadas do rebanho e passam a ser ordenhadas somente uma vez ao dia, desse modo elas têm a possibilidade de aumentar o peso.

Na metade do mês de maio, ou no máximo no final, todas as vacas estarão secas. Uma vez que todas estão secas, elas são transportadas para a terra de suporte. Lá, elas são alimentadas em um pasto plantado com couve e é fornecida silagem de grama como suplemento. As novilhas retornam para a fazenda na última semana de julho, e as vacas na primeira semana de agosto. A partir daí, começa tudo de novo. A produção da safra 2009/10 foi um total de 2.027.337 litros de leite (177.593,6kg de sólidos), o teor de gordura e proteína tiveram uma média anual de 4,91 e 3,85 respectivamente.
Quais são as principais dificuldades que você vê na atividade?
Como trabalhador, diria que no início, a principal dificuldade que enfrentei foram as longas horas trabalhadas. Hoje estou bem mais acostumado em relação a isso, pois no modo em que esse sistema de produção é operado, há semanas que trabalhamos cerca de 10 ou 11 horas por dia, mas há semanas que trabalhamos de 2 a 3 horas por dia, tudo depende do sistema da fazenda e a época da temporada.
Outra coisa que não foi, e ainda não é fácil, seria em relação ao frio. Mesmo não sendo invernos rigorosos como vários outros países, para nós que estamos acostumados com o clima do Brasil, passar o inverno trabalhando com gado leiteiro não é fácil, principalmente em fazendas que ordenham o ano todo.
Olhando o lado do produtor de leite neozelandês, diria que algumas das dificuldades encontradas estão na sanidade animal e mão-de-obra. Em relação à mastite, li um estudo realizado em 2005 por consultores da LIC, Fonterra, veterinários e outros, dizendo que a indústria leiteira da Nova Zelândia tinha um gasto em cerca de NZ$ 180 milhões/ano (R$ 225 milhões) por causa de mastite, clínica ou sub-clínica. Infelizmente, não encontrei nenhum estudo mais recente.
Acredito que um dos motivos por este alto índice seria a falta de higienização durante a ordenha, pois a grande maioria dos casos é de mastite ambiental. Aqui, dificilmente você encontrará alguma fazenda que o produtor utilize algum método pre-dipping. Muitos, sequer, limpam os tetos antes de colocarem os copos.
Outro ponto seria o número de casos com afecções de casco. Não consegui encontrar nada que me desse os números reais, mas sei que esse problema afeta praticamente todos os produtores do país, especialmente em épocas que chove bastante. Pois, como todos sabem, uma vaca que apresenta afecção de casco, gera ao produtor custos com tratamentos e tem a produção reduzida. E, às vezes, algumas vacas acabam indo para descarte por apresentarem repetitivamente casos de afecção do casco.
Já em relação à mão-de-obra, o país não está conseguindo fornecer o número de trabalhadores necessários que a indústria demanda, devido ao desinteresse dos jovens e o aumento do número de vacas e fazendas. Entretanto, o departamento de imigração, juntamente com o governo neozelandês, opera uma política de incentivo a imigrantes que possuem qualificação e/ou experiência, tentando minimizar o problema
O que está melhorando no setor?
No cenário neozelandês, diria que a continuidade de projetos e pesquisas, novas tecnologias, melhoramento genético, constante inovação de gramíneas, grupos de discussão operados pela DairyNZ nacionalmente, acesso a internet banda larga na área rural, melhor disponibilidade de cursos técnicos, entre outros, estão ajudando muito, tanto o produtor, quanto os trabalhadores do setor leiteiro.
No Brasil, acredito que um aumento do número de profissionais capacitados, projetos e pesquisas, melhores tecnologias e genéticas. No entanto, pelo fato que minha experiência com a indústria começou recentemente, e ainda não sei exatamente tudo que ocorreu no passado, fica um pouco difícil para fazer uma análise como essa.
O que você acha que falta no setor?
Pelo pouco que conheço sobre a produção de leite no Brasil, diria que a falta de uma união e/ou cooperativismo entre produtores e laticínios estão prejudicando o desenvolvimento dos produtores. Também acredito que falta um melhor relacionamento entre os produtores de leite e o governo brasileiro, principalmente para que ocorra um melhor planejamento, possibilitando atingir melhores resultados, aumentar o consumo, começar a exportar de maneira considerável e maximizar a produtividade e lucratividade da indústria leiteira brasileira.
Aqui na Nova Zelândia, principalmente no momento, acredito que falta uma proteção do governo contra grandes investimentos no setor. Como exemplo, cito um grupo da China, que está tentando investir cerca de NZ$ 1,5 bilhão (R$ 1,87 bilhão) no setor lácteo neozelandês. Para os produtores daqui, e também para a Fonterra, isso pode representar certo risco. Agora são NZ$ 1,5 bilhão (R$ 1,87 bilhão), daqui a cinco anos outros grupos poderão surgir investindo mais. No longo prazo, grande parte do lucro gerado pelas exportações lácteas poderão estar nas mãos de outros países, colocando em risco o lucro dos produtores e a atual performance da Fonterra.

MKP: Qual a personalidade que admira no setor?
Não diria apenas um nome, mas sim, todos os produtores e profissionais relacionados à produção leiteira mundial que desenvolvem a atividade com sucesso.
MKP: Qual empresa admira no setor?
Embrapa, Fonterra, DairyNZ, LIC e Agriculture Industry Training Organisation.
MKP: Dica de sucesso ou frase preferida:
Nunca se deixe levar por ilusões. Estude, avalie, amplie seus conhecimentos, busque ajuda, faça planejamentos, "abra sua mente", tenha ambição e trabalhe bastante, pois o sucesso será, apenas, uma consequência.
MKP: Quais os serviços do MilkPoint você utiliza mais, e como o MilkPoint lhe auxilia no dia-a-dia?
Gosto das seções Giro Lácteo, Espaço Aberto, Sistemas de Produção e Fotos. Mas sempre que possível, passo um tempo lendo artigos em outras seções também. Devido à falta de experiência em relação à produção leiteira brasileira, o MilkPoint está sendo extremamente benéfico, pois através do site estou conseguindo ampliar meus conhecimentos, me manter informado e ainda tenho a oportunidade para trocar experiências com produtores no Brasil.
Conheça mais sobre a participação do Fabiano Barboza no MilkPoint, visitando sua página pessoal no MyPoint.
