Afirmações como essas costumam ser feitas por ativistas da alimentação, blogueiros radicais e militantes anticapitalismo. No entanto, as citações acima são de Emmanuel Faber, presidente da gigante francesa Danone. Faber fala de sua empresa, e do capitalismo em geral, como um profeta do apocalipse. “Uma revolução” e o fim da globalização se aproximam, diz ele.
A Danone está em posição privilegiada para visualizar tais mudanças. Sediada em Paris, ela vende para 130 países e faturou US$ 28 bilhões no ano passado. A maior parte de suas vendas é de laticínios, como o iogurte Activia, águas minerais (em garrafas plásticas), como a Evian e a Volvic, e comida de bebê. Faber vê a “revolução” como resultado principalmente das mudanças de hábito de consumidores de países ricos. “As pessoas estão abandonando marcas que consomem há décadas”, afirma.
Os millennials (pessoas nascidas entre 1980 e 1990), particularmente, acham que o atual sistema de abastecimento de alimentos não funciona mais e passaram a comprar de fornecedores locais, privilegiando pequenos produtores orgânicos.
A resposta da Danone está em repensar o que vem motivando a empresa. Isso implica rejeitar o conceito anglo-saxão de que uma empresa existe basicamente para satisfação dos acionistas. Assim, a Danone passa a buscar o que Faber considera um objetivo mais nobre: “O propósito da companhia não é mais simplesmente valorizar as ações.” Em vez disso, a meta agora é levar alimentos saudáveis ao maior número possível de bocas, beneficiando fornecedores, consumidores e acionistas.
Em parte, trata-se de uma jogada inteligente de marketing. A abordagem é consistente com a história da Danone, iniciada há mais de um século. Num discurso em Marselha, em 1972, o então presidente da empresa, Antoine Riboud, lançou a ideia de a Danone adotar um projeto de duplo alcance: buscar lucro e beneficiar a sociedade. A fala, inspirada nas inclinações socialistas de Riboud e nos protestos anticapitalistas de 1968, ainda é citada com respeito por executivos.
A Danone está bancando a nova aposta. Já vendeu, por exemplo, subsidiárias que produzem biscoitos, chocolate e cerveja. A Evian, sua famosa água mineral, que responde por 3% da receita do grupo, está tentando se tornar neutra em emissões de carbono. A Danone também está empenhada em vender a água em embalagens de plástico reciclável. A empresa financia projetos sociais de grande escala, como o desenvolvido em cooperação com o prêmio Nobel Muhammad Yunis para fornecer iogurte de alta qualidade, nutritivo e barato a crianças de Bangladesh.
Certificado. O esforço mais recente da companhia é conquistar a certificação “B Corporation”, classificação que atesta a atuação ética, social e ambiental de uma empresa. Fábricas de roupas como a Patagonia e os sorvetes Ben and Jerry (hoje pertencentes à Unilever) têm o selo B Corps. Cerca de 2.500 marcas ganharam a certificação na última década. A Athleta, da rede de confecções Gap, tornou-se B Corp em março. Essas empresas fiscalizam umas às outras, com a ajuda de monitores independentes.
Até agora, 30% das subsidiárias da Danone já conseguiram a certificação. O objetivo é que toda a Danone esteja certificada até 2030. Em abril, a Danone North America, que incorpora a WhiteWave, produtora de alimentos orgânicos comprada pela Danone em 2017, por US$ 12,5 bilhões, tornou-se a maior B Corp do mundo.
Fora dos EUA, pouca gente já ouviu falar em B Corps, embora a Walmart, maior cliente individual da Danone, seja uma forte promotora da certificação e prestigie produtos com esses selos. As B Corps são auditadas por um movimento independente chamado B Lab, fundado por Jay Coen Gilbert. Essa certificação, diz ele, significa melhor governança e mais atenção aos interesses de trabalhadores, fornecedores, investidores e da sociedade em geral.
A abordagem radical da Danone conseguirá se sustentar? Outros gigantes do consumo, como a Unilever, enfatizam que grandes corporações devem liderar em questões sociais, ambientais e de governança.
Martin Deboo, do banco Jefferies International, ressalva que a Danone tem uma reputação mista entre investidores europeus. A empresa vem tentando aumentar seus lucros, mas a compra da WhiteWave, por um preço alto, deu pouco retorno e foi desapontadora.
Gestores de ativos e agentes financeiros dizem que o comprometimento com o social e o ambiental vem ganhando força. A Danone aponta outros benefícios financeiros de sua abordagem. Um deles, uma linha de crédito dada à empresa de US$ 2,8 bilhões, vinculada ao status B Corp.
As informações são do jornal Estadão.