Este tema é tão delicado e ao mesmo tempo tão importante para a cadeia produtiva do leite que não tenho como deixar de abordá-lo.
Da importância dos insumos e dos serviços para o produtor
Não se produz leite só com terra, vaca e pessoas. Embora alguns produtores tentem, esses são justamente os que não passam de 8 L/vaca/dia, com 800.000 de CCS, outro tanto de CBT e menos de 2.000 L/mês. "Não comem um ovo para não jogar a casca fora" com medo de gastar muito, mas quando se calcula seus custos, frequentemente atingem e até passam de R$1/L, dada a baixíssima e insustentável escala de produção. Esse produtor orgulha-se em dizer "eu não uso ração" e quando usa é 1, no máximo 2 kg/vaca/dia, da mais barata que puder encontrar, quando não é ele mesmo que a prepara, jamais levando em consideração o elevado custo que significa seu próprio tempo: o custo de deixar de fazer outras coisas que ninguém pode fazer por ele ou para as quais ele não consegue pagar quem faça. Este é um custo muito importante que ele negligencia e por isso acaba tomando decisões erradas.
Embora insumos sejam indispensáveis, a verdade é que nem todos são realmente necessários ou trazem resultado econômico positivo. Portanto, há aqui uma primeira justificativa para o produtor se colocar numa posição defensiva: ele não deve comprar todo e qualquer produto ou serviço que lhe é ofertado. Os próprios profissionais de vendas sabem disso.
Como, então, separar o joio do trigo? A grande maioria dos produtores de leite brasileiros não têm conhecimento técnico suficiente para decidir objetiva e racionalmente se um determinado produto ou serviço irá de fato trazer os benefícios que lhes são apresentados. Estes produtores precisam de um apoio o mais imparcial possível e, se tiver que ser parcial, que seja parcial para o lado deles. Quem oferece esse apoio? A busca de respostas para esta pergunta merce grande atenção do produtor.
Instituições públicas de ensino, pesquisa, extensão e assistência técnica costumavam ser a principal referência. Hoje isso já não é mais regra, pois nem todas são imparciais nessa questão e há um crescente e preocupante distanciamento entre estas e os reais problemas enfrentados no campo. Posicionamentos anti-multinacionais, anti-transgênicos, anti-químicos sintéticos, anti-alimentos concentrados, anti-commodities, anti-royalties em sementes são compreensíveis na academia, mas acabam por distanciar essas instituições ainda mais dos desafios encontrados no campo.
Por sorte, nem todas se encaixam nessa generalização e há excelentes profissionais e louváveis trabalhos sendo realizados, tanto por instituições públicas dos setores acima, como privadas. O problema é o acesso à informação, o produtor se beneficiar de tal conhecimento e de tais profissionais num modelo que os enclausurou e os obriga hoje a publicar em "revistas científicas de alto impacto", impacto em citações por outros cientistas, pois o impacto no campo tem sido mínimo, por vezes próximo a zero. Os que não se ajustam a esse modelo têm suas carreiras comprometidas. Raros são os profissionais que conseguem driblar todas essas barreiras e levar ao campo ciência aplicada com praticidade e resultados.
É necessário que os serviços públicos acima retomem o foco, reganhem o rumo, valorizem resultados de seus profissionais no campo e que o produtor entenda que tudo é pago. Não existe nada de graça. Ou se paga diretamente por um serviço ou ele é cobrado por outras vias, que nem sempre são claras. Isto é válido para qualquer serviço prestado por quaisquer instituições, sejam governos, cooperativas ou empresas mercantis.
Dadas todas essas dificuldades, considerando que o produtor precisa de ajuda hoje e não "um dia quando as coisas melhorarem", deixo aqui algumas sugestões. Assim, antes de agradecer e descartar um vendedor e seu produto, pergunte-se:
- 1. O que está sendo apresentado pelo vendedor faz sentido? Se não fizer, faça mais perguntas a ele. Se não entender, ou se ele não souber explicar, não compre no ato. Peça o cartão com contatos dele e procure uma orientação de sua confiança
- 2. Ele apresentou alguma evidência, pequena que seja, do produto/serviço ter sido testado técnica e, de preferência, cientificamente, mesmo que de forma preliminar
- 3. Há evidências de algum sucesso anterior ou você faria parte dos primeiros a usarem comercialmente? Caso afirmativo, requer mais cautela. Como você fica se não der certo? Ele lhe oferece alguma garantia, reposição ou compensação? Caso negativo, ele lhe alertou que pode o resultado não sair como se esperar
- 4. O vendedor sabe o impacto do que ele propõe no seu custo de produção, incluindo algum trabalho extra que seja necessário? Alguns vendedores tem grande conhecimento deste aspecto, outros (normalmente mais novatos) não tem noção do que significa na sua vida incorporar o que ele quer lhe vender.
- 5. O vendedor afirma que os benefícios serão maiores que os custos acima? Se não forem, por que você usaria? Onde é que você ganha?
- 6. Se o(s) benefício(s) apontado(s) não são mensuráveis diretamente, os ganhos indiretos justificam sua adoção? Ele, pelo menos, afirma que sim?
- 7. O que lhe está sendo apresentado parece bom demais para ser verdade? Baratinho, super-eficiente, fácil de usar e com resultados quase milagrosos? Cuidado! Normalmente sua impressão inicial é correta, pois "na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". O bom produto se vende quase que sozinho, exceto bem no início. Produtos que há anos remam e nunca decolaram em vendas, normalmente já foram julgados e condenados pelo mercado. Ou são ineficazes, seus resultados não justificam o investimento, não trazem resultados claros ou a empresa não investiu o suficiente. Em todos esses casos, o problema não é seu. Fique longe e deixe os testes para quem não arrisca seu negócio testando. Produtor não deveria ter que testar nada. Teria que receber tudo testado e com mínimas garantias do vendedor previstas na legislação (MAPA, ANVISA e PROCON). Infelizmente, as deficiências e atrasos de nosso país obrigam produtores a ter que testar muita coisa. Uma coisa é o produtor tomar a iniciativa de testar algo, outra é um vendedor lhe vender um produto cujos resultados ainda precisam ser avaliados, sem isso ser informado ao produtor.
A produção de leite é muito complexa. A interação de fatores como solo, temperatura, umidade, luminosidade, higiene, sanidade, nível nutricional do rebanho, manejo sanitário, manejo alimentar, manejo reprodutivo, dedicação das pessoas envolvidas, enfim, tudo isso e muito mais interage e determina os resultados. Em um sistema complexo o resultado de um produto nunca é uma relação simples de uma dose de A produzindo Y de resultado e pronto.
As interações acima (várias coisas agindo ao mesmo tempo) são o principal motivo porque as recomendações de produtos e práticas de manejo necessitam antes passar pelo crivo científico. É claro que as empresas tem que vender (e precisamos que elas vendam muito!), mas para se manter no mercado a maioria delas sabe que não podem agir de má fé, porque a cadeia do leite é muito seletiva e não perdoa. Um produtor frustrado não apenas deixa de comprar, mas fala contra aquela empresa ou seu produto para várias outras pessoas em seu círculo de relações. Sem falar que alguns deles são importantes formadores de opinião em suas regiões. Todas boas empresas levam isso muito a sério.
Mesmo assim, certos produtos por não terem exigência legal específica, passam apenas pelo crivo interno do setor de pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas e estes nem sempre possuem conhecimento e estrutura suficientes para testar aquele produto nas condições que de fato será utilizado. Muitas das decepções surgem desta limitação, por isso cada vez mais as empresas do setor buscam validação a campo.
Três conclusões devem ser extraídas dessa complexidade:
- 1. O produtor não pode concluir que um produto não funciona ou "não presta" porque, no caso dele, não funcionou. Pode um produto ser excelente, testado e comprovado mas não apresentar resultados por ser mal empregado ou pelas condições locais se combinarem de forma especial que impeçam a expressão do que seria esperado. Isso ocorre. Qual a solução? Leia o rótulo, pergunte ao vendedor, busque assistência profissional e sempre siga as recomendações e as leve a sério.
- 2. Um vendedor não pode alegar que o produto/serviço dele funciona sempre, em qualquer propriedade, em quaisquer condições. Isso não existe pelos mesmos motivos da complexidade do sistema e, se assim ele alegar encare com cautela.
3. Um produto que ainda não tenha sido testado em escala comercial (o mundo real) tem que ser vendido com prudência e o produtor tem direito de saber que este é o caso, para então decidir se aceita correr o risco ou não, mesmo que pequeno. Empresas sérias facilitam a adoção inicial de um produto novo para gerar confiança antes de promovê-lo em massa. Este produto tem que estar pronto e testado nos limites legais e de capacidade da empresa. Se fugir disso é experimentação e o produtor tem que ser informado para decidir se quer participar, mesmo que não esteja desembolsando.
O valor de vendedores e de produtos de confiança
É importante registrar que se observam no campo inúmeros casos de extrema satisfação e até de verdadeira e sincera gratidão entre produtores e vendedores, assim como entre produtores e produtos. São casos que estampam alegria no rosto do produtor quando perguntados ou quando se cita um determinado vendedor, uma empresa ou um certo produto a eles. É muito gratificante para os envolvidos e prova de um trabalho honesto e bem feito.
Sobre as metas de venda
Se o produtor precisa de insumos e de serviços, qual é o problema que vendedores tenham metas de vendas e promovam seus produtos? Em princípio, nenhum, mas da forma como tem sido feito não está sendo bom para ninguém.
Vejamos algumas reclamações de produtores:
- 1. "Eles vêm aqui em casa, parecem ter todo tempo do mundo e eu já não posso mais parar tudo para atender alguém que eu não chamei, para ouvir sobre um produto que eu não estou interessado. O problema é que a gente fica meio assim né...".
- 2. "Antes era de vez em quando, mas agora quase todos os dias tem um aqui em casa".
3. "Eu agora é assim: se me incomodarem e insistirem, aí mesmo que eu não compro"
Se para os vendedores que estão tendo esses problemas também vale a máxima "o cliente sempre tem razão", então é necessário abrir o olho.
É preciso colocar-se no lugar do produtor, lembrando que o dia é curto, que o serviço se acumula e que às vezes as janelas de tempo para certas operações são estreitas e valiosas, visto que o produtor depende das condições meteorológicas, dos estágios de desenvolvimento das plantas e das necessidades dos animais. Perder uma aplicação de ureia na pastagem, uma colheita de silagem ou o cio de uma vaca para ouvir longas explicações sobre produtos jamais será bem vindo.
Imagine que você ligou para um cliente importante, difícil de pegá-lo no telefone. Aí, quando ele atende, alguém desliga seu telefone e puxa um assunto que você não estava interessado em tratar. Agora, para agravar, imagine que essa não é a primeira vez que lhe fazem isso. Percebeu a semelhança?
É necessário vender e para isso ser melhor e mais eficiente que a concorrência, mas não é sufocando nem importunando o cliente que você irá atingir suas metas. Desse jeito "é certo que vai dar errado". Você desagradará ao produtor, a seu chefe e a si mesmo. Solução? Que tal tentar algo assim:
- 1. Engaje-se em vender produtos bons, necessários, que façam a diferença e que os resultados sejam detectáveis pelos produtores. Se você aceitar vender outro tipo de produto, sinto muito, mas a frustração é inevitável e será diária.
- 2. Conheça o perfil de seus clientes, suas rotinas, seus horários, suas necessidades e saiba detectar quando não chegou na melhor hora. Nesses casos, diga ao produtor: "O senhor me desculpe. Vejo que não cheguei numa boa hora. Vou só deixar esse folheto ali em cima e volto num outro dia, num horário que eu não vá lhe atrapalhar tanto. No material tem meu nome e telefone. Um bom dia e um bom trabalho pra vocês!" Uma postura dessas, se verdadeira e sincera, abre portas. Você verá.
- 3. Seja criativo. Pense noutras formas de seu produto ou serviço chegar até o produtor. A melhor venda você fará quando o produtor estiver procurando ou pensando no seu produto. Pense em como fazer isso acontecer com mais frequência.
- 4. Menos é mais! Mensagens simples, curtas e claras, tanto faladas como escritas, são sempre melhores. Vá direto ao ponto.
- 5. Prefira trocar de empresa do que ficar mal visto com os produtores. Produtores gostam de vendedores fiéis a uma empresa, mas mais que nada preferem gente em quem eles podem confiar. Conheço muitos casos de vendedores que carregam seu portfólio de clientes tendo passado por diferentes empresas e lidado com diferentes produtos. Por quê? Porque sabem trabalhar, se preocupam com o produtor, lhes conquistaram a confiança e entregam resultados.
Matando a galinha dos ovos de ouro
As propriedades rurais, com os produtores e suas vacas, são a galinha dos ovos de ouro da cadeia produtiva do leite. Ninguém irá bem ao longo da cadeia se estes forem mal.
Tudo começa com a fotossíntese: a captação de energia pela pastagem ou pela lavoura para silagem e produção de concentrado. Ali é incorporada a riqueza vinda do sol. O que se segue é transformação daquela energia que o produtor se especializa em captar e o retorno desta, retroalimentando o sistema (ver figura abaixo).
Entende agora onde está a "galinha dos ovos de ouro" e por quê?
O barato normalmente sai caro
A falta de conhecimento de como funcionam as coisas leva produtores a quererem sempre o mais barato, só que raramente ele é a melhor opção. Há casos de ótimos produtos com preços muito competitivos, até mesmo os menores da praça, mas o normal é que os melhores, os que darão o melhor retorno econômico, estejam entre os mais caros. O produtor tem dificuldade em compreender isso, requerendo tempo e experiência para romper esta barreira. Semente de forrageiras e sanitizantes são típicos produtos que o produtor insiste em querer apenas o que é mais barato. Alerte-se, no entanto, que nem sempre o que é caro é bom.
Custo total versus custo por litro
A busca de redução de custos não significa parar de comprar, nem se quer comprar menos. Significa aumentar a produtividade de forma eficiente, com isso reduzindo o custo por litro. Um produtor pode estar gastando muito mais por mês ou por ano e ganhando muito mais dinheiro, desde que sua produtividade tenha aumentado em maior proporção que seus custos anuais.
É por este motivo que a cadeia do leite é uma mina de ouro. É possível vender muito e deitar a cabeça no travesseiro com a sensação de ter ajudado muitos produtores a ganhar, ao invés de ter que ludibriar, como em alguns setores. Para ganhar mais o produtor precisa gastar mais! Acreditem, não tem outra forma, mas até o produtor entender isso, leva tempo. O segredo está em saber no que gastar, quando e como empregar o que foi comprado para que resulte em mais leite de menor custo unitário. Ensinar essa fórmula ao produtor deve ser a missão de todos os técnicos e também dos vendores inteligentes.
Wagner Beskow
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