Somente um fator será capaz de mudar o presente cenário de atritos que se instalou entre grupos de representantes de um e de outro elo: a recuperação do poder aquisitivo das classes média e baixa. A verdade é que o cidadão está com sua renda estrangulada e o custo da alimentação, como um todo, o assusta e o limita muito.
O auxílio emergencial do ano passado amenizou este cenário de forma notável porque a inflação ainda não estava consolidada. Neste ano, no entanto, o único efeito que se viu foi aliviar o número de pedintes nas ruas, que já haviam retornado. Ou seja, fez diferença para os mais necessitados, não há dúvidas, mas não para a grossa faixa de consumidores de lácteos.
Se tivessem se mantido, os preços dos produtos nas gôndolas se encontrariam defasados frente aos aumentos médios de 30-40% nos custos do produtor e da indústria. Ocorre que eles estão, hoje, com valor inferior ao de 12 meses atrás. Isso, combinado com o aumento de custos de ambos os elos, tornou a situação bastante delicada para todos e insuportável para muitos.
De nada adianta nos acusarmos e apontarmos dedos. A dor é real de todos os lados.
A única solução sem dor seria a capacidade do Brasil recuperar seus empregos, da mão-de-obra nacional conseguir ser mais eficiente (produtividade) e, como consequência, conseguir recuperar renda, mas isso é um processo lento.
Sem isso, não há espaço para aumento de preços ao consumidor e sem este a acomodação será forçada da gôndola em direção à ordenhadeira (ilustrado no diagrama da imagem, em inglês). Se o produtor não entende isso, ainda não entendeu seu setor.
A indústria acreditava que o auxílio deste ano poderia sustentar consumo e preços, mas isso não ocorreu. No entanto, o mercado spot apostou em tal recuperação e logrou puxar preços para cima, antecipadamente. A indústria foi obrigada a seguir a tendência ou não teria leite e, assim, o setor todo acreditou, o produtor voltou a ganhar um ânimo, mas o mercado consumidor deixou todos "agarrados no pincel" — não correspondeu e sua decisão é soberana.
A hora é de usarmos a cabeça e usá-la de preferência fria. No mundo todo os alimentos ao consumidor e os insumos ao produtor e indústria subiram muito. O fato de não estarmos sozinhos indica que algum reequilíbrio tende a ocorrer.
Quem está no mercado hoje, seja produtor ou indústria, sabe minimamente o que faz. Não há mais amadores em atividade. O que ainda não atingimos é um grau evoluído de consciência e de ação em cadeia, em conjunto. Já avançamos muito nesse sentido, mas com a pandemia os desafios triplicaram e exigem de nós todos talvez o triplo de nossa capacidade.
Em inglês há uma expressão: "thinking hats on" , que numa tradução não-literal seria equivalente a "hora de colocarmos a cachola para pensar".
Figura 1 - Diagrama de como funciona a formação de preço ao produtor na Nova Zelândia, pela Fonterra.
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