Desde então, vários pesquisadores estudaram diferentes níveis de inclusão de ureia na mistura de concentrados. Pôde-se concluir que o limite máximo de inclusão no concentrado, sem efeitos deletérios no consumo de alimentos e no desempenho, variava entre 1,5 e 3% da MS, sendo as vacas de maior produção mais afetadas negativamente com maiores níveis de ureia. Também foram determinados outros parâmetros determinantes da inclusão máxima nas rações como 40 a 50 g/100 kg de peso vivo ou 1/3 do nitrogênio total da ração. Por fim, passou-se a entender que os efeitos deletérios da ureia sobre o consumo de alimentos são causados pela palatabilidade e também por efeitos metabólicos (Huber e Kung, 1981).
Um experimento bem conhecido sobre “níveis de ureia na cana” foi conduzido por Alvarez e Preston (1976), no México. Cinquenta novilhos foram alimentados com 1 kg de farelo de arroz e cana-de-açúcar picada adicionada de solução aquosa de melaço mais ureia, fornecida a vontade. As respostas mensuradas (consumo, ganho de peso e conversão alimentar) apresentaram efeito quadrático e os melhores resultados foram obtidos quando a ureia foi adicionada na dose 35 g/kg de MS da dieta, aproximadamente 1% da matéria natural.
Este e outros trabalhos realizados na região do Caribe sustentam o uso da tecnologia “cana + 1% ureia”, bastante difundida em nosso país. Mas a recomendação deste nível (3,5% da MS) não vai contra os valores citados anteriormente (1% da MS)? Como ficaria a regulação do consumo via palatabilidade e/ou metabolismo?
Uma simulação foi realizada utilizando uma vaca em lactação de 580 kg. Assumiu-se o consumo de cana-de-açúcar igual a 11 kg de matéria seca, o que equivale a aproximadamente 35 kg de cana fresca. Este é um ponto extremamente delicado, pois na prática este consumo só tem ocorrido em condições ótimas de manejo.
Quando somente a cana-de-açúcar foi inserida na ração observamos que a produção potencial com base na energia era de aproximadamente 6 kg de leite, entretanto, não havia disponibilidade de proteína para produção e nem para atender totalmente a exigência de mantença. Por isto, a ureia foi adicionada gradualmente até que o balanço de proteína degradável no rúmen (PDR) fosse nulo (dieta “2,6% ureia”). Neste ponto, a produção de leite potencial média, indicada pelos modelos, foi 4,6 kg de leite (4,03 a 6,10 kg).
A adição de 2,6% de ureia na cana-de-açúcar (% MS) (0,78% na matéria natural) corrigiu a deficiência de PDR, entretanto, para que o potencial energético da cana fosse totalmente aproveitado havia falta de proteína não degradável no rúmen (PNDR). Para corrigir o déficit de PNDR adicionou-se farelo de soja (1,8 kg de MS ou 13,9% da MS) e reduziu-se o nível de ureia (1,1% da MS) até que o balanço de PDR fosse nulo e os potenciais de produção de leite com base na energia e na proteína se igualassem (dieta “1,1% ureia + F. soja”). O potencial de produção aumentou para 10,7 kg de leite (9,7 a 11,6 kg). Além disso, a menor dose de ureia diminui as chances de ocorrência de problemas com redução de consumo. Considerando o potencial de aumento na produção de leite de 4,6 para 10,7 kg, as chances de ganhos financeiros com a inclusão do farelo proteico são grandes.
Em um estudo com vacas leiteiras mestiças (425 kg PV) envolvendo um tratamento com apenas cana-de-açúcar, ureia e minerais (Tabela 1). O consumo de matéria seca foi muito inferior ao assumido na simulação (5 vs 11 kg/d). Embora no mesmo patamar, a produção de leite no experimento foi superior àquela na simulação (5,8 vs 4,6 kg/d). Obviamente, esta situação não se sustentaria por muito tempo, já que houve perda de peso considerável desencadeada por balanço energético negativo, causado pelo baixo consumo. Assim como na simulação, houve melhora no desempenho com a suplementação de farelos proteicos, que pode ser explicada parcialmente pelo aumento no consumo de matéria seca (Tabela 1).
A utilização de um farelo proteico associado à ureia é um caminho mais eficiente do que o uso isolado desta para corrigir o déficit proteico da cana-de-açúcar. Vale ressaltar que o uso cana+ureia nos mostra ser opção para manutenção de rebanhos em épocas de escassez, porém não com objetivo de produção animal. Outro ponto extremamente importante para se comentar da cana-de-açúcar é que apesar de existir limitação proteica em sua composição, a maior vantagem deste volumoso é a sua grande contribuição de ordem energética. Assim, quando o produtor pensa em produção eficiente e sustentável com cana-de-açúcar, não apenas ureia deve ser levada em consideração, mais sim o sistema como um todo.