Em rebanhos leiteiros, a ocorrência de mastite e de leite com alta contagem de células somáticas (CCS) pode estar relacionada com uma série de fatores de risco, como a raça, a higiene de ordenha, as condições de ambiente, entre outros. Além disso, as pesquisas atuais têm indicado uma preocupação com fatores ligados ao bem-estar e condições de estresse dos animais, e sua relação com a sanidade da glândula mamária. Em geral, animais estressados tendem a ser mais susceptíveis a doenças, principalmente de origem infecciosa, e o estresse é mais facilmente percebido (por meio de indicadores metabólicos sanguíneos) justamente em rebanhos que apresentam alta incidência de mastite clínica.
Pesquisadores suíços avaliaram a relação homem-animal por meio da observação do comportamento dos ordenhadores e das vacas durante a ordenha, e da distância de fuga no curral de manejo. O estudo foi realizado em 46 propriedades leiteiras, com média de 27 vacas das raças pardo-suíça e holandesa alojadas em sistemas loose-housing e com acesso ao pasto durante o verão.
A coleta dos dados de comportamento e sanidade da glândula mamária foi realizada durante dois anos e meio. Dados do comportamento dos ordenhadores durante a ordenha foram registrados levando-se em consideração o tom de voz e o contato com os animais. Os resultados foram classificados como interações positivas, neutras ou negativas (de acordo com a Tabela 1). O comportamento das vacas também foi avaliado durante a ordenha. Para tanto, foram registradas a frequência de coices e de alternância da pisada. No curral de manejo foi mensurada a distância de fuga dos animais, definida como a distância máxima em que a vaca permite a aproximação de um humano. Todos estes fatores foram correlacionados com variáveis ligadas à sanidade da glândula mamária, como CCS, porcentagem de quartos mamários com CCS acima de 100.000, porcentagem de quartos com mastite e ocorrência de novas infecções.
Tabela 1: Esquema de agrupar as interações táteis e acústicas dos ordenhadores classificadas como positivas, neutras e negativas (Waiblinger et al., 2002).
O comportamento mais frequente entre os ordenhadores foi o neutro (com 1,94 atitudes neutras por vaca ordenhada) e o positivo (com 1,50 atitudes positivas por vaca ordenhada). Comportamentos negativos foram os menos observados, significando apenas 1,8% de todas as interações (0,08 atitudes negativas por vaca ordenhada). A distância de fuga média foi 0,26 metros.
Em três das quatro variáveis relacionadas à sanidade da glândula mamária, a porcentagem de interações positivas foi associada à melhor sanidade da glândula (menor porcentagem de quartos mamários com CCS acima de 100.000 células/mL, menor porcentagem de quartos com mastite e CCS mais baixas). Além disso, em fazendas com maior porcentagem de vacas com distância de fuga maior do que 1 metro, a porcentagem de quartos mamários com elevada CCS foi maior do que rebanhos com distâncias de fuga menores do que 1 metro.
Dentre todas as relações entre o ordenhador e o animal, a que demonstrou maior influência sobre a CCS e porcentagem de quartos mamários com mastite clínica e subclínica, foram as interações positivas com a vaca durante a ordenha, ou seja, toque e voz suaves na condução do animal. Além disso, a prevalência de vacas no rebanho com distância de fuga maior do que 1 metro foi associada a maior porcentagem de quartos mamários com CCS acima de 100.000 células/ml.
Um fato curioso sobre a prevalência de novas infecções é sua correlação com a ocorrência de coices durante a ordenha. Em fazendas com ordenhadeiras mecânicas, quando o animal chuta e o conjunto de ordenha cai no chão, o ar contaminado com as fezes é sugado para o interior da tubulação do equipamento, o que predispõe a contaminação do leite e novas infecções intramamárias nas vacas ordenhadas na sequência.
Esses resultados sugerem que a relação entre o tratador e/ou ordenhador e o animal é relevante para a sanidade da glândula mamária, especialmente ao considerar a capacidade de resposta do sistema imune frente a uma infecção. Interações positivas reduzem o medo a humanos e consequentemente o estresse em vacas leiteiras, já que são constantemente manejadas. Portanto, pode-se dizer que interações positivas, além de proporcionar o bem-estar das vacas, estão relacionadas à melhor função imune, o que previne altas CCS, novas infecções e prevenção de casos crônicos de mastite.
Fonte: IVEMEYER et al. J. Dairy Sci. (2011) 94: 5890-5902.
*Camila Silano é médica veterinária e aluna de pós-graduação em Nutrição e Produção Animal da FMVZ-USP.