Foto: Dia de campo realizado pelo projeto Pecuária de Leite Sebrae-TO.
No trabalho denominado “Diagnóstico do arranjo produtivo do leite da região central do Estado do Tocantins” realizado pela equipe do Prof. Sebastião Teixeira Gomes entre 2002 e 2004, é possível observar a baixa produtividade da atividade leiteira na região central do Tocantins, bem representativa, por sinal, em relação às demais regiões do Estado. Das 292 propriedades avaliadas nesta região, 93,5% tinham uma produção por vaca inferior a 6 litros/dia; a produção média do total de fazendas analisadas era de apenas 78 litros/dia. A fazenda média analisada tinha área total de 221 hectares, sendo utilizados ao redor de 90 hectares para a produção de leite e o restante (131 ha) para outras atividades. O rebanho das fazendas era composto, em média, por 91 cabeças das quais somente 38,5 eram vacas (42,3% do rebanho) e, destas, apenas 21 estavam em lactação (54,5% do total de vacas); 23,5 cabeças eram de novilhas (25,9% do rebanho); 12 eram bezerras (13,1% do rebanho) e outras 17 cabeças eram de machos leiteiros (18,7% do rebanho). A atividade leiteira no Estado do Tocantins, a exemplo dos demais Estados da região Norte do país, apresenta produtividade por animal inferior a mil litros/vaca/ano; a produtividade das fazendas em “litros/ha/ano” é ainda menor que a produtividade/vaca, e não chega a 400 litros/ha/ano, graças ao ineficiente uso do solo, à desestruturação do rebanho, à falta de especialização dos animais utilizados e de problemas reprodutivos do rebanho, resultando em uma baixíssima quantidade de vacas em lactação por área. O patrimônio médio das propriedades analisadas era de R$ 224.411,00, valor que quando dividido pela produção média de 78 litros/dia das fazendas analisadas, resultavam em R$ 2.877,06 investidos para cada litro de leite produzido, excessivamente alto, diante de um valor aceitável de R$ 1.500,00 Investidos/Litro produzido. Tal situação evidencia a realidade desanimadora dos produtores destas fazendas que, diante de limitações técnicas e gerenciais, encontram grande dificuldade de transformar o capital investido em resultado financeiro capaz de garantir melhorias na qualidade de vida das famílias envolvidas e de remunerar adequadamente o capital investido na atividade.
Foto: Produtor José de Brito, esposa e técnicos do projeto - Palmeirópolis-TO.
Diante desse quadro, o Sebrae Tocantins, responsável pela encomenda do diagnóstico apresentado, decidiu pela criação de um programa de transferência de tecnologias baseado na capacitação de consultores que pudessem atuar junto às propriedades leiteiras do Estado. O Projeto Pecuária de Leite Sebrae-TO utiliza a metodologia do Balde Cheio e consiste na aplicação de ações técnicas e de gestão que busquem a melhoria da produtividade e da rentabilidade de pequenos produtores de leite, garantindo competitividade, qualidade e melhorando seu acesso ao mercado de lácteos. Esse trabalho teve início em 2008 tendo como base a participação de técnicos ligados a entidades públicas de assistência técnica do Estado. Até 2012 o programa enfrentou muitas dificuldades relacionadas à falta de estrutura para a atuação desses técnicos, que não tinham nas instituições a que pertenciam apoio que permitisse sua dedicação integral ao programa. A partir de 2012 os técnicos participantes passaram a fazer parte do quadro de consultores do Sebrae e a atuar de maneira exclusiva na capacitação e atendimento técnico das propriedades do programa. Atualmente dez consultores atuam em quatro núcleos estaduais de desenvolvimento: Norte, com sede em Araguaína; Médio Norte, com sede em Colinas; Central, com sede em Paraíso do Tocantins e Sul/Sudeste, com sede em Gurupi. Ao todo são atendidos 220 produtores de leite no Tocantins e a realidade de muitas destas propriedades tem mudado drasticamente. É o caso da Fazenda São Pedro, localizada no município de Palmeirópolis, na região de Gurupi no Sul de Tocantins. Em 2012 o produtor José de Brito, proprietário da fazenda, assistiu a uma apresentação com os resultados do trabalho desenvolvido pela Cooperideal em fazendas leiteiras de Brasília-DF. Motivado com o que havia visto, o produtor começou a aplicar algumas técnicas mostradas na apresentação, porém, sem acompanhamento técnico, os resultados foram frustrantes. No início de 2013, o produtor foi informado de que o Sebrae Tocantins tinha um trabalho em fazendas leiteiras que utilizava a mesma metodologia que o produtor havia visto na apresentação, por coincidência também executado por um instrutor da Cooperideal, o Agrônomo Mário Barbosa Filho. A agência local do Sebrae indicou o consultor Fernando Coelho de Melo, que passou a acompanhar mensalmente a propriedade, além de também receber periodicamente as visitas do Instrutor Mário Barbosa, que atua no aperfeiçoamento técnico do consultor e no direcionamento das ações técnicas e gerenciais das propriedades consideradas unidades demonstrativas do Programa de Pecuária Leiteira do Sebrae – TO. Dessa forma, começou o trabalho de transferência de tecnologias nessa propriedade: foi realizado um planejamento inicial a partir das análises de solo coletadas nas áreas a serem intensificadas e, assim, foram passadas as recomendações iniciais com base nessas análises; com o andamento das ações, iniciou-se o trabalho de balanceamento de dietas para as vacas de acordo com as produções verificadas nas pesagens mensais do leite; foi introduzido o gerenciamento das informações anotadas e os dados colhidos pelo produtor passaram a ser lançados em uma planilha de gerenciamento econômico e zootécnico utilizada pelo programa e assim foram sendo propostas ações de curto prazo e definidas as metas a serem alcançadas. Ainda em 2013 foi estabelecido o primeiro sistema intensivo de pastejo de 0,7 ha de capim Mombaça, inicialmente este sistema era de sequeiro e posteriormente passou a ser irrigado. À medida que o rebanho crescia um segundo sistema de pastejo foi estabelecido (3,5 ha), que inicialmente também era de sequeiro, mas que passou a ser irrigado conforme a fertilidade do solo e as condições de manejo se aproximaram do ideal. Foi estabelecido um canavial (1,5 ha) e uma área de 2,5 ha de milho foi plantada para a confecção de silagem e estas duas áreas produziam alimento volumoso para o período seco do ano na região. Com a estrutura de alimentação estabelecida, o rebanho que inicialmente produzia ao redor de 300 litros/dia produziu em 2014, em média, 502 litros/dia, com as vacas em lactação produzindo em média 16,9 litros/dia (Quadro 1). O fluxo de caixa obtido na propriedade nos doze meses de 2014 foi de R$ 98.125,19, sendo 80% da renda obtida pela venda de leite e outros 20% pela venda de animais.
Foto: Vacas pastejando área intesificada de capim Mombaça - Fazenda São Pedro.
A propriedade vem trabalhando também na melhoria da reprodução do rebanho e na seleção vacas com melhor persistência de lactação, o que tem permitido que o índice “% de vacas em lactação” (obtido pela da divisão do número de vacas em lactação pelo total de vacas do rebanho), apresente melhora significativa em relação ao início do trabalho. Em 2014 a fazenda teve em média 77% de vacas em lactação, se aproximando do mínimo esperado de 83%. A produtividade da fazenda já ultrapassou os 11.000 litros/ha/ano, tornando a propriedade cada vez mais eficiente e competitiva em relação ao volume de leite produzido e à área utilizada. O objetivo, neste caso, é que a fazenda atinja nos próximos anos uma produtividade superior a 20.000 litros/ha/ano. Quando se divide o valor total investido na propriedade (soma do valor investido em terra, animais, máquinas e instalações), equivalente a R$ 313.500,00, pela produção média diária de 502 litros/dia, obtém-se o valor de R$ 624,50 investidos para cada litro de leite produzido na fazenda em 2014. Valores obtidos para este índice, quando abaixo de R$ 1.500,00, indicam equilíbrio entre investimentos e produção e também eficiência na utilização dos recursos disponíveis na fazenda. Em propriedades de regiões onde as terras apresentam preços mais baixos, como no caso desta propriedade do Tocantins, o volume total de investimentos normalmente é mais baixo, favorecendo a obtenção de um valor adequado para o índice “R$ investidos/litro de leite produzido”, lembrando que a terra é o item de maior peso em relação ao total de investimentos necessários para a produção de leite. Mesmo considerando-se a remuneração mensal do trabalho da família (que neste caso é de R$ 3.000,00/mês), a atividade leiteira na fazenda São Pedro proporcionou uma taxa de remuneração do capital investido de 15,0% ao ano em 2014, bem superior à grande maioria das opções de investimento, demonstrando o quanto a atividade leiteira pode ser competitiva quando bem conduzida.
Outra propriedade de destaque no trabalho desenvolvido pelos consultores técnicos ligados ao programa Pecuária Leiteira do Sebrae-TO está localizada no município de Nova Olinda, região Norte do Estado. A Chácara Entre Rios, conduzida pela família da produtora Eleuza Menezes, possui área total de 89 ha e até 2008 a produção da fazenda não ultrapassava os 60 litros/dia. Segundo a produtora, que juntamente com o marido Alípio e o filho Wesley tocam a atividade, a propriedade parecia pequena, não havia perspectivas de melhora e a situação de dificuldade se arrastava, até que em março de 2008, após algumas visitas a fazendas já participantes do programa em outras regiões, a propriedade foi convidada a integrar o programa desenvolvido pelo Sebrae, cuja agência local está sediada no município vizinho de Colinas do Tocantins, a pouco menos de 40 km da propriedade. As visitas técnicas foram iniciadas pela Técnica Nilda Távora, que conduziu o trabalho na fazenda até 2014, momento em que o acompanhamento técnico ficou sob a responsabilidade do Técnico Márcio Gomes. Neste período a propriedade passou por uma série de transformações, a fertilidade das áreas trabalhadas foi recuperada, foram estabelecidos sistemas de pastejo intensivo (atualmente são 5 módulos de pastejo intensivo – 2 módulos de capim Mombaça irrigado com 1,5 ha cada um, 2 módulos 1,0 ha com B.Brizantha em sistema de sequeiro e um módulo de 0,4 ha de Tifton para os animais em crescimento), a propriedade possui também um canavial de 1,0 ha.
Foto: Produtora D. Eleuza falando a técnicos do projeto Pecuária de Leite - Nova Olinda-TO
A produção que não passava dos 60 litros antes do início do trabalho, atualmente já ultrapassou os 500 litros/dia, mas a família quer produzir mais e trabalha para chegar à meta de 800 litros/dia, traçada com a chegada do programa na propriedade. Atualmente a Chácara Entre Rios mantém 26 vacas em lactação, todas mantidas nos dois módulos de pastejo irrigados, que juntos somam 3,0 ha. O uso da irrigação em uma região de grande luminosidade, de temperaturas mínimas que raramente baixam a menos de 18° C, em áreas de boa fertilidade e com plantas tropicais de alto potencial produtivo tem permitido uma drástica redução nas atividades braçais da família, que atualmente utilizam a cana-de-açúcar para alimentar uma pequena parcela do total de animais do rebanho. Além disso, a manutenção das vacas em lactação em pastejo durante todo ano tem propiciado uma redução significativa nos custos de produção da propriedade. Do total de 89 ha disponíveis na propriedade, apenas 15,3 ha são utilizados hoje para a produção de leite, o uso intensivo da terra para a produção de leite permitiu que a Chácara Entre Rios investisse também no gado de corte, hoje 100 novilhas nelore são mantidas nas áreas não ocupadas pelo leite.
Quadro 2: Resumo dos índices econômicos e zootécnicos da Chácara Três Rios – Nova Olinda, TO - Comparação entre dois períodos de trabalho
No quadro 2 é possível observar a evolução financeira da Chácara Entre Rios, que em 2008 não conseguia gerar renda suficiente nem mesmo para o pagamento das despesas da atividade, o Fluxo de Caixa no primeiro ano de trabalho foi negativo (R$ - 5.822,49), o que obrigava a família a buscar sustento em outras atividades. No período 2014/15, com a propriedade já estruturada e com aumento significativo da produção de leite, o valor embolsado pela família foi de R$ 51.558,15, o que equivale a uma sobra mensal de R$ 4.296,50. Motivada, a família segue em frente, trabalhando de maneira organizada e eficiente.
Foto: Sistemas de pastejo com capim Mombaça intensificado e irrigado - Chácara Três Rios - Nova Olinda - TO
Pela análise do caso da fazenda São Pedro e da chácara Entre Rios, é possível perceber que a atividade leiteira pode ser viável e competitiva nas mais diversas regiões do Brasil. A exemplo das demais regiões produtoras de leite no país, o baixo de nível de conhecimento aplicado à atividade também é a principal limitação encontrada pelas propriedades de leite do Tocantins. O enfrentamento deste desafio passa pela capacitação de técnicos locais, que ao final deste processo deverão ser capazes de propor mudanças conceituais, tanto produtivas quanto gerenciais, que visem a geração de renda como objetivo principal da atividade. Através disso será possível ao produtor melhorar seu padrão de vida, investir na melhoria das suas condições de trabalho através de investimentos em mecanização e automação de processos de produção, obtendo assim resultados e conforto, fatores que tornam a atividade atrativa para os filhos, que passam a crescer e se desenvolver em um ambiente de transformação, de melhoria diária das condições de vida da família e das perspectivas de futuro. Aí sim se pode apostar na continuidade da atividade leiteira pela sucessão familiar. Desta forma, estão de parabéns tanto o Sebrae do Estado do Tocantins, como também todas aquelas instituições que têm apoiado os diversos trabalhos de transferência de tecnologias por esse Brasil afora, que atuam na promoção do conhecimento, desenvolvimento e da cidadania no meio rural.