Gerente técnico
Clínica do Leite – ESALQ/USP
Nesta última semana, a Ministra da Agricultura, Katia Abreu, assinou a prorrogação da IN-62 por 2 anos. Os novos limites para CCS e CBT que entrariam em vigor no dia 01 de julho deste ano, serão válidos somente em 2018 nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Já para as regiões Norte e Nordeste, será somente em 2019.
Mas afinal, qual a razão para prorrogarmos os novos limites? Qual o impacto para a cadeia produtiva? O que precisamos fazer para definitivamente avançarmos na melhoria da qualidade do leite?
Um breve histórico
Tudo começou em 1998, com a criação do grupo de trabalho que recebeu a missão de elaborar uma proposta de um “Programa de melhoria da qualidade do leite” (Portaria 166 de 1998). Já no ano seguinte, como fruto do trabalho deste grupo, foi publicada a Portaria 56 que descrevia os pilares do PNMQL (Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite). Eram previstos neste programa, as normas técnicas de produção do leite, necessidades de investimentos e também treinamento dos atores da cadeia de produção. Destes três pilares, o que avançou de fato foram as normas técnicas. Os critérios de produção, qualidade e transporte do leite foram definidos, culminando na publicação da IN-51 em 2002. Na IN-51, foram estabelecidos os parâmetros de avaliação da qualidade do leite cru, como contagem de células somáticas, contagem bacteriana e composição do leite, bem como os limites para cada um deles. Esses limites seriam válidos somente em 2005, ou seja, somente 3 anos após a publicação da IN. Além dos teores mínimos de gordura, proteína e extrato seco desengordurado, também se estabeleceram os limites máximos para CCS e para CBT de 1.000.000 céls/mL e de 1.000.000 de UFC/mL respectivamente. As análises deveriam ser realizadas em laboratórios credenciados pela CGAL/MAPA e, para isso, foi criada também em 2002 a Rede Brasileira de Controle de Qualidade do Leite, a RBQL.
Os limites máximos de CCS e CBT válidos a partir de 01 de julho de 2005 sofreriam alterações ao longo de 6 anos, atingindo os limites de 400 mil céls/mL e 100 mil UFC/mL, respectivamente, a partir de 01 de julho de 2011, conforme figura abaixo:
Em junho de 2011, as vésperas da última etapa, o MAPA prorrogou os novos limites por 6 meses e estabeleceu a criação de um grupo de trabalho, que recebeu a incumbência de fazer uma nova proposta para a IN. Em 30 de dezembro de 2011, foi então publicada a IN-62 que trouxe uma nova proposta para os limites de CCS e CBT bem como um novo cronograma de mudança destes limites (Figura 2).
Figura 2: Limites máximos para CCS e CBT nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, previstos na IN-62 (média geométrica do período de 3 meses).
Qual a situação atual considerando limites atuais e os novos?
Para CCS, publicamos recentemente um artigo em que apresentamos a situação atual de quase 45 mil produtores monitorados pela Clinica do Leite, localizados nos Estados de SP, MG, RJ, ES, GO, MS e PR. Se consideramos o limite atual de 500 mil, temos cerca de 35% dos produtores não conformes. Já considerando o limite de 400 mil, teríamos cerca de 50% dos produtores.
No caso da CBT, a situação é parecida. Se considerarmos os limites de 300 ou 100 mil UFC/mL, temos cerca de 30% e 45% de não conformes respectivamente. Essa “previsão” de produtores não conformes, publicamos há 2 anos atrás, mas se confirma em 2016 (clique aqui para reler o artigo).
Mas por que prorrogar os limites ?
Em um primeiro momento podemos pensar numa resposta óbvia, ou seja, “com os novos limites teríamos mais produtores não atendendo os novos limites legais e isso seria um problema! Passaríamos de 35% para 50% de não conformidade”.
Correto? Errado, pelo simples fato de que hoje não existe qualquer consequência para um leite que não atende os padrões. Do ponto de vista prático, tanto faz serem 35% ou 50% de não conformes.
Cabe perfeitamente a reprodução de um trecho de um artigo elaborado há dois anos em que discutíamos o que faltava para avançarmos de forma consistente na melhoria da qualidade do leite.
Confira o trecho:
“O que falta?
Para responder a esta pergunta, vamos observar a figura abaixo:
Quando passamos por uma estrada com uma placa como esta e a 100 km/h, o que vai acontecer? Fácil responder, correto? Em um curto espaço de tempo, receberemos um comunicado da infração com período para indicar o condutor. Na sequência, será emitida uma multa a ser paga pelo infrator e o mesmo também terá uma pontuação na sua carteira de habilitação. Ainda caso ultrapasse a pontuação, poderá ter a sua licença suspensa.
Agora pergunto a vocês, o que acontece com um leite que ultrapassa o limite máximo de CBT, por exemplo? Infelizmente nada. A legislação brasileira não prevê o que deverá ser feito nestes casos.
Ou seja, temos os limites de qualidade (que seria a “velocidade máxima”), temos um sistema de monitoramento da qualidade pela Rede Brasileira de Qualidade do Leite (que seria o nosso “radar”), mas não temos nenhuma orientação clara de que ação deve ser tomada em caso de “infração”.
Dá para imaginar o que aconteceria se tivéssemos os limites de velocidades nas estradas, com monitoramento por radar, mas sem consequência alguma para os infratores? Certamente estaríamos ainda andando acima da velocidade máxima sem mudar o nosso comportamento. É isso o que acontece atualmente com a qualidade do leite”.
Qual o problema em se prorrogar os novos limites ?
Já que não existe consequência alguma para quem não atende os limites, por que mudar os limites?
O ponto principal é que não podemos nos esquecer que metade dos produtores brasileiros já produzem leite de acordo com os novos limites, graças ao trabalho árduo deles próprios, de técnicos e também do apoio de indústrias que realmente se preocupam em adquirir matéria-prima de alta qualidade.
Prorrogar os novos limites é um fator altamente desmotivador. Estamos mais uma vez incentivando o comportamento brasileiro de acreditar que o melhor é não fazer nada pois sabemos que na hora “H” vão dar um “jeitinho”. Temos de incentivar, reconhecer e celebrar aqueles que fizeram diferente, que mudaram sua atitude e seu comportamento e que hoje produzem leite de qualidade.
Luz no fim do túnel?
Ao mesmo tempo em que a entrada dos novos limites foi prorrogada, foi criada a CTC/Leite (Comissão Técnica Consultiva para o Monitoramento da Qualidade do Leite), através da portaria número 68 de 03 de maio de 2016.
Tal comissão, formada por representantes do governo, indústria, produtores e academia, terá como atribuição construir uma proposta para institucionalizar um “Plano Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNQL)”.
O trabalho de elaboração do plano seria pautado em alguns eixos principais relacionados a normatização, responsabilidades dos setores público e privado, assistência técnica, saúde animal, fiscalização, insumos pecuários, suporte laboratorial, infraestrutura e logística, política agrícola e financiamento, bem como estímulo ao mercado interno e ao comércio internacional.
Temos de reconhecer que a iniciativa parece promissora e, se bem executada, poderá solucionar problemas importantes que até o momento vinham impedindo o progresso da qualidade do leite no país. Que nos próximos 24 meses possamos criar uma agenda eficiente que traga condições para avançarmos de forma consistente sem a necessidade de prorrogações e frustrações.
Veja também:
5 razões da falta de sucesso na implantação da gestão em fazendas de leite
4 pontos que você deveria estar olhando na hora de pagar seu fornecedor pela qualidade
Ser proativo ou reativo? Como enfrentar os problemas da pecuária de leite