A enzima β-galactosidase, também conhecida como lactase, apresenta diversas aplicações na indústria alimentícia, e pode ser encontrada em microrganismos, tais como bactérias, bolores e leveduras, e também em plantas e frutos, especialmente em maçãs e pêssegos (Haider e Husain, 2007).
Em termos de aplicação industrial, as mais empregadas são provenientes de Aspergillus sp. e Kluyveromyces sp. Cada fonte distinta produz enzimas com diferentes características de atuação, possibilitando sua aplicação em diversos ramos industriais (Klewicki, 2007).
As β-galactosidases provenientes dos microrganismos Aspergillus niger, Aspergillus oryzae, Candida pseudotropicalis, Kluyveromyces lactis, Kluyveromyces fragilis, Kluyveromyces marxianus e Saccharomyces sp. são classificadas como seguras para aplicação em alimentos (Generally Recognized As Safe - GRAS) pela Food and Drug Administration (FDA) (Brasil, 2006).
As β-galactosidases de fungos filamentosos geralmente possuem um pH ótimo de atuação na faixa de 2,5 a 5,5; e dessa forma, são mais eficazes na hidrólise da lactose presente em produtos lácteos ácidos, como o soro de queijo e os produtos fermentados. Além disso, estas enzimas são as mais termoestáveis, podendo ser empregadas em temperaturas de até 65°C.
A levedura K. lactis é uma das mais importantes fontes comerciais de β-galactosidase. Com pH ótimo na faixa neutra, estas enzimas vêm sendo empregadas na hidrólise da lactose no leite (Panesar et al., 2010).
As lactases podem ser produzidas por um grande número de bactérias, mas Streptococcus thermophilus e Bacillus stearothermophilus são considerados como potenciais fontes bacterianas. Estas enzimas possuem elevada atividade e boa estabilidade, tendo a sua faixa de atuação em pHs neutros e temperaturas que variam de 40 a 55°C (Picard et al., 2005).
Já em relação às plantas, as β-galactosidases estão envolvidas em vários processos biológicos, incluindo o crescimento da planta, o amadurecimento de frutos e também na hidrólise da lactose (Rosenberg, 2006).
Industrialmente, dois tipos de β-galactosidases são de crescente importância nos processamentos: as termoestáveis e as resistentes ao frio. O emprego de enzimas termoestáveis em altas temperaturas está relacionado à diminuição da viscosidade do produto e à redução da possibilidade de contaminação microbiana. Já as enzimas ativas no frio possibilitam sua aplicação no tratamento do leite e dos produtos lácteos sob condições que permitem preservar o sabor e as características nutricionais desses alimentos (Nakagawa et al., 2006).
A produção de derivados lácteos com teores reduzidos de lactose é atribuída a três principais vantagens:
(a) obtenção de produtos para os grupos populacionais com intolerância a lactose;
(b) formação dos galacto-oligossacarídeos (GOS), que favorecem o crescimento da microflora intestinal;
(c) melhora nas características tecnológicas dos produtos lácteos.
A hidrólise da lactose com a β-galactosidase tem seu maior foco no desenvolvimento de leite e derivados lácteos que sejam isentos ou com teores reduzidos desse açúcar, possibilitando seu consumo por indivíduos intolerantes à lactose (Bayramoglu et al., 2007).
A hidrólise enzimática da lactose também é desejada na tecnologia de alimentos devido à baixa solubilidade desse dissacarídeo. A alta concentração da lactose em produtos lácteos não fermentados, como, por exemplo, em sorvete e leite condensado, pode levar à cristalização excessiva da lactose, resultando em produtos com textura arenosa ou áspera. Dessa forma, a hidrólise melhora a capacidade de absorção e cremosidade, e esses produtos se tornam mais digeríveis (Harju et al., 2012).
Outra perspectiva do uso dessa enzima é na produção de galacto-oligossacarídeos, carboidratos considerados prebióticos e que apresentam propriedades tecnológicas e nutricionais reconhecidas (Lisboa, 2012). Entre as vantagens associadas à síntese desses carboidratos está a redução no teor calórico do alimento, a redução da intolerância à lactose e outros três importantes efeitos provenientes da sinergia entre os GOS e os probióticos, ou seja, na modulação do sistema imune, na regulação do trânsito intestinal e no estímulo à assimilação de nutrientes (Rivero-Urgell et al., 2005).
Referências bibliográficas
Bayramoglu, G., Tunali, Y., & Arica, M. Y. (2007). Immobilization of β-galactosidase onto magnetic poly (GMA–MMA) beads for hydrolysis of lactose in bed reactor. Catalysis Communications, 8(7), 1094-1101.
Brasil. (2006). Ministério da Saúde. Resolução RDC nº 205. Enzimas e Preparações Enzimáticas para Uso na Produção de Alimentos Destinados ao Consumo Humano. Diário Oficial da União, Brasília, 14 nov.
Haider, T., & Husain, Q. (2007). Calcium alginate entrapped preparations of Aspergillus oryzae β-galactosidase: its stability and applications in the hydrolysis of lactose. International Journal of Biological Macromolecules, 41(1), 72-80.
Harju, M., Kallioinen, H., & Tossavainen, O. (2012). Lactose hydrolysis and other conversions in dairy products: Technological aspects. International Dairy Journal, 22(2), 104-109.
Klewicki, R. (2007). Formation of gal-sorbitol during lactose hydrolysis with β-galactosidase. Food Chemistry, 100(3), 1196-1201.
Lisboa, C. R., Costa, F. A. D. A., Burkert, J. F. D. M., & Burkert, C. A. V. (2012). Síntese de galacto-oligossacarídeos a partir de lactose usando β-galactosidase comercial de Kluyveromyces lactis. Brazilian Journal of Food Technology, 15(1), 30-40.
Nakagawa, T., Ikehata, R., Uchino, M., Miyaji, T., Takano, K., & Tomizuka, N. (2006). Cold-active acid β-galactosidase activity of isolated psychrophilic-basidiomycetous yeast Guehomyces pullulans. Microbiological Research, 161(1), 75-79.
Panesar, P. S., Kumari, S., & Panesar, R. (2010). Potential applications of immobilized β-galactosidase in food processing industries. Enzyme Research, 2010.
Picard, C., Fioramonti, J., Francois, A., Robinson, T., Neant, F., & Matuchansky, C. (2005). Bifidobacteria as probiotic agents–physiological effects and clinical benefits. Alimentary Pharmacology & Therapeutics, 22(6), 495-512.
Rivero-Urgell, M., Santamaría Orleans, A., & Rodríguez-Palmero Seuma, M. (2005). La importancia de los ingredientes funcionales en las leches y cereales infantiles. Nutrición Hospitalaria, 20(2), 135-146.
Rosenberg, Z. M. M. (2006). Current trends of β-galactosidase application in food technology. Journal of Food and Nutrition Research, 45(2), 47-54.