No
primeiro artigo desta série mencionamos que a seleção de animais deve enfatizar o
aumento da lucratividade futura na atividade de leite. Além da seleção visando vacas com adequada produtividade, a seleção para características funcionais, tais como saúde,
fertilidade e longevidade, pode melhorar a rentabilidade da propriedade leiteira.
A seleção direcionada de forma extrema para desempenho produtivo tem levado a problemas, especialmente em termos de eficiência reprodutiva, longevidade e resistência a doenças, prejudicando o desempenho econômico das propriedades leiteiras.
A Longevidade é uma característica de suma importância para os rebanhos comerciais de leite, visto que o custo de criação das novilhas precisa ser amortizado ao longo de sua vida produtiva. Além disto, vacas com baixa longevidade apresentam geralmente atributos desfavoráveis a uma adequada lucratividade.
Em um trabalho nos Estados Unidos, comparando vacas que foram descartadas após a primeira cria com aquelas que permaneceram por 2 ou mais crias no rebanho, (Lawlor, 2006) mostraram que as vacas com 2 ou mais crias produziam, em média, 39% mais leite, tinham 29% menos dias em aberto, 13% menos células somáticas, 13% maior pontuação para tipo e 6% menos problemas de parto.
A maior dificuldade para o melhoramento genético para longevidade é sua baixa herdabilidade, da ordem de 0,08 (CDCB-USA, 2010), o que está relacionado a diversos fatores, tais como o elevado número de variáveis que afetam a longevidade das vacas, além de ser consequência do descarte, o qual depende da decisão do produtor.
Além das dificuldades impostas pela baixa herdabilidade, a estimativa de valores genéticos para longevidade depende, dentre outros fatores, da existência de um banco de dados consistentes, o que fez com que valores genéticos para longevidade estivessem disponíveis, na maioria dos países exportadores de genética de raças especializadas, somente na segunda metade da década de 1990, ainda não estando disponíveis nas avaliações genéticas da
raça Holandesa no Brasil.
Estes entraves fizeram com que a seleção para longevidade fosse negligenciada a um segundo plano em parcela significativa dos rebanhos em muitos países até aproximadamente a virada do milênio. Entretanto, pesquisas recentes evidenciando o grande impacto da longevidade sobre a lucratividade dos rebanhos leiteiros, juntamente com o aumento do potencial genético e sistemas intensivos de produção e alimentação que desafiam as vacas anatômica e fisiologicamente para a máxima produção leiteira, com consequente pressão sobre a longevidade, alteraram consideravelmente a ênfase na seleção para longevidade.
O melhoramento genético para longevidade pode ser realizado de forma direta ou indireta. A seleção direta é feita com base em características relacionadas ao tempo de vida produtiva e a seleção indireta com base em características correlacionadas, como resistência a doenças, fertilidade e tipo.
As correlações genéticas entre características produtivas, de conformação, sanidade e fertilidade com vida produtiva (Tabela 1) vêm sendo exaustivamente estudadas. No trabalho de Van Raden et al. (2006), com dados de mais de um milhão de vacas nos Estados Unidos, observa-se que, dentre as características de tipo existe correlação genética positiva com as características de úbere, alguma correlação com as características de pernas e pés e correlação negativa com características corporais com vida produtiva.
Neste estudo também se observa
correlação levemente positiva com das características produtivas, visto que vacas mais produtivas, apesar de apresentarem maior pressão fisiológica para o desgaste, são mantidas por mais tempo nos rebanhos devido à produção.
Tabela 1: Correlação genética de algumas características funcionais, produtivas e de tipo com vida produtiva
Fonte: adaptado de Van Raden et al. (2006)
De maneira semelhante, em um trabalho com 268.000 vacas Jersey nos Estados Unidos, Caraviello et al. (2003) verificaram que as características corporais (estatura, força, caracterização leiteira) e de garupa (inclinação e largura) exercem influência relativamente pequena sobre o risco de descarte na raça Jersey, enquanto que as características de úbere, especialmente profundidade e clivagem de úbere afetam fortemente o risco de descarte.
Outro estudo envolvendo 891.000 vacas Holandês (Caraviello et al., 2004) mostrou que as
características que estão de forma mais consistente correlacionadas com longevidade foram aderência de úbere anterior, profundidade de úbere, clivagem do úbere e pernas vista lateral, enquanto características como estatura, força e largura de garupa tiveram um mínimo efeito sobre longevidade.
No Canadá, ao analisar dados de 1.130.616 vacas Holandês registradas Sewalemet al. (2006) encontraram os maiores efeitos de características de tipo sobre longevidade funcional como sendo para classificação final, seguida de composto de úbere e de pernas e pés. Para as características lineares individuais os maiores efeitos foram observados para úbere anterior, textura do úbere e profundidade do úbere. No outro extremo encontram-se estatura e tamanho, as quais tiveram correlação desprezível com longevidade.
As características com maior impacto sobre a longevidade são fertilidade e saúde da glândula mamária, como pode ser observado pelas elevadas correlações com a taxa de prenhez das filhas e com o escore de células somáticas (Tabela 1), sendo estas as principais causas de descarte em vacas leiteiras. Estas elevadas correlações são compatíveis com os resultados obtidos por Caraviello et al. (2005) que, ao analisar dados de 978.043 vacas Holandês e 250.835 vacas Jersey nos Estados Unidos verificaram que vacas com mais de 700.000 células/ml tiveram risco de descarte 2 a 4 vezes maior do que vacas com 200-250.000 céls./ml.
No Brasil, Silva e Almeida (Silva e Almeida, 2008), avaliaram as causas de descarte em rebanhos da raça Holandesa em Arapoti – PR e verificaram que as principais causas eram problemas reprodutivos (32,6%), problemas de pernas e pés (18,8%), mastite e alta CCS (18,5%) e má conformação da glândula mamária (7,2%), seguida de baixa produção de leite (5,8%).
As características que possuem elevada correlação com longevidade, como por exemplo, conformação de úbere e pernas e pés, sanidade da glândula mamária (escore de células somáticas) e fertilidade vêm sendo, a partir destes estudos, incorporados aos índices de seleção dos diferentes países, juntamente com o valor genético para longevidade, devido ao seu forte impacto sobre a rentabilidade da propriedade leiteira.
A importância que vem sendo dada à seleção direta para longevidade ou vida produtiva pode ser visualizada pela ênfase que a mesma recebe em diversos índices de seleção. Por exemplo, no Mérito Líquido Vitalício (NM$ - USA) a ênfase para vida produtiva é de 22%, no TPI (raça Holandesa – USA) é de 14%, no JPI (raça Jersey – USA) é de 12%, no LPI (Canadá) é de 20% do índice de Durabilidade, o qual, por sua vez representa 33-34% do índice total.
Os resultados das avaliações genéticas para longevidade são apresentados de forma diferenciada nos catálogos de sêmen de diferentes países dos quais o Brasil importa sêmen, tais como meses de vida produtiva (meses produzindo leite na vida) acima ou abaixo da média, nos Estados Unidos, como Permanência no Rebanho no Canadá e como um índice de durabilidade (DU) na Holanda, sendo que nos dois últimos países os touros acima de 100 são melhoradores.
Existe uma variabilidade consistente entre os touros com sêmen disponível no mercado, o que permite uma adequada seleção para longevidade. Por exemplo, na prova de agosto de 2014, os touros TOP para vida produtiva nas raças Holandesa e Jersey nos Estados Unidos apresentam valores genéticos de +10,0 e + 6,4 meses, respectivamente.
Entretanto, devemos considerar que o aumento da longevidade somente faz sentido caso as vacas que permanecem no rebanho sejam realmente produtivas, férteis, saudáveis e, consequentemente, lucrativas.
Devido à heterogeneidade de modelos de produção e níveis de adoção de tecnologia em nosso país, convivemos com produtores altamente tecnificados, os quais possuem desafios de melhoria da longevidade dos seus rebanhos, de modo similar aos dos principais países de pecuária leiteira, e ao mesmo tempo com produtores que possuem rebanhos com idade média muito avançada, com animais pouco produtivos, sub-férteis e muitas vezes com vacas portadoras de mastite crônica, as quais servem de foco de disseminação desta doença às vacas mais jovens.
Uma vaca longeva dentro de um sistema produtivo deve ser aquela que é lucrativa por longo tempo. Todo animal que não oferece mais lucro precisa ser descartado.
Referências bibliográficas
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CARAVIELLO, D.Z.; WEIGEL, K.A.; GIANOLA, D. Analysis of the relationship between type traits and functional survival in US Holstein cattle using a Weibull proportional hazards model. J Dairy Sci, v. 87, p.2677-86, 2004.
CARAVIELLO, D.Z.; WEIGEL, K.A.; SHOOK, G.E.; RUEGG, P.L. Assessment of the impact of somatic cell count on functional longevity in Holstein and Jersey cattle using survival analysis methodology. J Dairy Sci, v. 88, p.804-11, 2005.
CDCB-USA. Description of national genetic evaluation systems Council on Dairy Cattle Production. 2010. Disponível em