Em uma série de artigos iremos abordar aspectos relacionados à seleção de bovinos de leite, visando melhorar características de interesse em bovinocultura de leite, com ênfase no aumento da lucratividade futura na atividade de leite. Sabe-se que a vaca leiteira necessita de diversos atributos para obter uma adequada rentabilidade.
Neste primeiro artigo iremos abordar a seleção para
produção de leite e percentual de sólidos do leite. Nos próximos artigos vamos abordar a seleção para características funcionais (saúde, fertilidade e longevidade) e para características de tipo/conformação. Também iremos apresentar estratégias para a seleção conjunta destas características, visto que animais equilibrados para estas características tem se mostrado mais lucrativos.
A seleção para características produtivas (produção de leite, gordura e proteína, assim como das percentagens destes componentes) reveste-se de grande importância para a atividade leiteira, visto ser o volume de leite e/ou componentes do leite a principal fonte de renda e objetivo maior da atividade. Entretanto, a seleção extrema para características produtivas pode levar à diminuição da eficiência reprodutiva, assim como da resistência a doenças e, consequentemente, da longevidade ((Rodriguez-Martinez et al., 2008).
Deve-se considerar ainda, que a melhoria do potencial produtivo dos animais deve ser acompanhada de um adequado avanço nas condições ambientais, em especial a alimentação, visto que vacas com elevado potencial genético para produção apresentam maior exigência nutricional e, quando esta não é atendida, as perdas em saúde e fertilidade poderão ser potencializadas.
O intenso processo de seleção tem levado a progresso genético considerável para características produtivas nos países e/ou regiões de pecuária leiteira desenvolvida, indicando a existência de variabilidade genética suficiente para permitir um progresso genético continuado.
Na Figura 1 estão apresentados os valores genéticos médios das últimas décadas, das raças Jersey e Holandês nos Estados Unidos. Ganhos semelhantes são observados em outros países. Por exemplo, no Canadá, os ganhos genéticos para produção de leite nos últimos 5 anos foram de 39 kg/ano para Jersey e de 92 kg/ano para Holandês (Cdn, 2013).
Os ganhos para produção de gordura e proteína apresentam intensidades similares, sendo em alguns casos proporcionalmente mais intensas, enquanto que os valores genéticos para teores de gordura e proteína apresentam ganhos discretos.
Estes elevados e contínuos ganhos genéticos nas características produtivas nas últimas décadas deve-se, principalmente à inseminação artificial, ao teste de progênie (e mais recentemente à análise genômica) e a seleção intensiva de touros, com a utilização do sêmen dos melhores touros provados (Rodriguez-Martinez et al., 2008).
Fig. 1 – Valores genéticos para produção de leite em touros (vermelho) e vacas (azul) nas raças Holandês e Jersey nos Estados Unidos (Ars/Usda, 2014).
Entretanto, as estratégias de melhoramento genético precisam ser cuidadosamente estudadas, procurando-se antecipar às necessidades futuras do produtor, a fim de obter animais que possam ser mais lucrativos dentro de um cenário de mercado futuro, visto que os ganhos devido à seleção ocorrem somente em longo prazo. Estas peculiaridades exigem dos técnicos e produtores um adequado conhecimento das tendências do mercado, além de conhecimentos específicos da área.
Em
termos de características produtivas, parcela considerável dos produtores brasileiros dá ênfase no melhoramento genético para produção de leite, relegando para um segundo plano os componentes do leite gordura e proteína.
Este fato está relacionado às peculiaridades do mercado de leite no Brasil, no qual historicamente muitas indústrias de laticínios não remuneram adequadamente pela composição do leite. Além disto, o sêmen de touros com baixo valor genético para sólidos do leite apresenta normalmente preço inferior devido à sua menor utilização nos países de pecuária leiteira desenvolvida.
Como consequência observa-se, na maioria dos trabalhos e relatórios de controles leiteiros publicados no Brasil, que os teores de gordura e proteína do leite são inferiores aos relatados na literatura internacional.
Entretanto, considerando que o retorno do melhoramento genético só aparece após alguns anos, com produção de leite iniciando somente 3 anos após a inseminação (tempo para gestação + crescimento da novilha), precisamos levar em consideração que, além de parcela considerável das indústrias brasileiras já possuir políticas de remuneração por qualidade, incluindo a concentração ou o volume de sólidos dos leite de forma considerável, mudanças na cadeia produtiva, tais como o aumento do percentual de leite destinado a produtos cujo rendimento industrial é altamente influenciado pelo teor de sólidos, como queijos e leite em pó, além da possibilidade de maior acesso ao mercado externo, poderão trazer mudanças consideráveis nas próximas décadas, aumentando a importância dos sólidos na remuneração dos produtos lácteos.
A produção de leite, de gordura e proteína (kg por dia ou por lactação) apresentam herdabilidade (h2) média, com valores entre 20 e 30%. A h2 tem um impacto importante sobre a possibilidade de se obter ganho genético em um processo de seleção, sendo que os valores acima permitem ganhos genéticos razoáveis, como demonstrado em situações práticas, a exemplo da figura 1.
As percentagens de gordura e proteína do leite apresentam herdabilidade mais elevada, entretanto, existe correlação genética negativa entre a produção de leite e os teores de gordura e proteína. Desta forma, ao desconsiderar os componentes do leite nos programas de seleção, o valor genético das vacas para teor de gordura e proteína do leite deve diminuir na geração seguinte.
A estratégia de seleção concomitante para produção de leite e teores de gordura e proteína, entretanto, apresenta ganhos modestos, tanto para produção como para composição do leite, visto que na seleção de características antagônicas, os melhores indivíduos para cada característica podem não ser selecionados, devido aos prováveis valores genéticos negativos para a outra característica.
As consequências dos aspectos descritos acima podem der visualizadas na Tabela 1, onde pode-se observar que a seleção exclusiva para produção de leite irá diminuir consideravelmente os teores de gordura e proteína.
Observa-se ainda que o
melhor resultado em termos de ganho genético para o conjunto de características produtivas pode ser esperado quando se seleciona somente para a produção de gordura e proteína (quantidade de sólidos), o que pode determinar ganhos consideráveis em produção de leite e sólidos (através de resposta correlacionada), sem diminuição dos teores de gordura e proteína, inclusive com pequenos ganhos para os mesmos.
Tabela 1: Mudanças esperadas na composição do leite por diferentes critérios de seleção
A estratégia de
seleção para produção de gordura e proteína, visando ganhos concomitantes em produção de leite e percentagem de gordura, vem sendo adotada pro quase todos os países de pecuária leiteira desenvolvida, os quais incluem estas características em seus índices de seleção (Mérito líquido, TPI, JPI LPI, NVI, etc.), geralmente sem selecionar diretamente para produção de leite.
Para, no futuro atingir níveis de produção de leite e sólidos compatíveis com o mercado internacional, a estratégia mais eficiente de seleção, em termos de características produtivas é a seleção para produção de sólidos (por exemplo, libras gordura e proteína nas provas dos Estados Unidos e kg gordura e proteína nas provas canadenses, européias e no sumário brasileiro).
Logicamente, esta estratégia dependerá de um adequado balanceamento para características funcionais e de conformação, visando obter uma vaca produtiva, saudável, longeva e, consequentemente, lucrativa.
Referências bibliográficas
ARS/USDA. Bovine genetic trait. 2014. Disponível em <https://www.cdcb.us/eval/summary/trend.cfm?R_Menu=JE#StartBody>.
CDN. National genetic trend tables. 2013. Disponível em <https://www.cdn.ca/files_ge_articles.php>.
RODRIGUEZ-MARTINEZ, H.; HULTGREN, J.; BÅGE, R.; BERGQVIST, A.-S.; SVENSSON, C. Reproductive Performance in High-producing Dairy Cows: Can We Sustain it Under Current Practice? IVIS Reviews in Veterinary Medicine 2008.
SLATER, K. The principles of dairy farming Ipswich Farming Press 1995. 359 p.