É muito comum entre os produtores, técnicos e gestores de programas de assistência técnica, comparar o desempenho de produtores de leite e ao encontrar diferenças, atribuir o resultado à escolha do uso de uma ou outra tecnologia, correto? Mas na verdade, existe um detalhe importante aí, que dificilmente é levado em consideração em muitas análises.
A adoção de uma nova tecnologia está relacionada a diversos fatores, como: experiência do produtor, nível de escolaridade, tamanho da propriedade, eficiência zootécnica, outras fontes de receita, acesso a financiamentos, etc. Isso faz com que a adoção de uma nova tecnologia não seja um processo aleatório, ou seja, que a chance de adotar uma tecnologia não seja igual para todos.
Tudo bem até aí, não é mesmo?! Então, você deve estar se perguntando: Mas por que isso é um problema?
Isso pode ser um problema quando comparamos o desempenho de uma tecnologia entre grupos de produtores que tem características diferentes. Porque, na verdade, não se pode dizer que o bom desempenho da fazenda seja decorrente somente do uso da tecnologia, mas sim de muitos outros fatores juntos, como aqueles citados acima.
Vamos explorar esse assunto olhando os resultados de um trabalho científico publicado na revista Journal of Agricultural Economics, que é uma das melhores revistas na área de economia agrícola (o artigo original pode ser visto aqui).
O estudo foi publicado em 2018, com dados de produtores de leite da Nova Zelândia, sendo coletadas informações de 2.823 fazendas distribuídas entre Baixo (30%), Médio (38%) e Alto (32%) uso de insumos na alimentação das vacas. O objetivo foi verificar como a escolha da tecnologia de alimentação afeta o desempenho produtivo e econômico das fazendas.
O método estatístico usado no trabalho é o seu ponto forte, pois permitiu isolar, precisamente, o efeito só da mudança tecnológica sobre o lucro e sobre a produção de leite (no caso, produção de sólidos). Resumindo, o método estatístico fez uma comparação entre os produtores que eram comparáveis, ou seja, o mais semelhantes possível. Esse método compara maçãs com maçãs e não maçãs com bananas.
Em economia, quando conseguimos isolar uma variável que está misturada com outras, chamamos isso de “Efeito de Tratamento”. No caso deste trabalho, o “Tratamento” foi a escolha do sistema de alimentação das vacas.
Na tabela a seguir são mostrados os resultados da produção e lucro usando um método de comparação simples de médias entre os níveis de suplementação Alto, Médio e Baixo (tabela 1).
Pode-se perceber que existe uma clara vantagem econômica ao se usar mais suplementação, principalmente, quando se compara os grupos de Alto e de Baixo uso de insumos.
Tabela 1 – Diferença nas médias de produção, receita, custos e lucro entre os grupos de Alto, Médio e Baixo uso de insumo suplementar na alimentação das vacas.
Fonte: adaptado do artigo original
O surpreendente, entretanto, é que quando o método estatístico mais robusto foi utilizado, o resultado é diferente, veja na Tabela 2. Vale lembrar que o método usado agora permitiu comparar produtores que são semelhantes e analisar isoladamente o “Efeito do Tratamento”.
A adoção de um alto nível de insumos tem um efeito positivo na produção e na receita quando comparado com o sistema de baixo e médio uso de insumos. No entanto, o aumento dos custos desta decisão faz com que o lucro operacional por hectare seja semelhante ou até mesmo um pouco menor nos sistemas mais intensivos.
Tabela 2 – Efeito isolado da escolha de diferentes níveis de intensificação na alimentação das vacas sobre produção, receita, despesas e lucro operacional.
Fonte: adaptado do artigo original
A análise das outras variáveis de controle (aquelas que tinham sido excluídas do efeito do tratamento, lembra?) permite dizer que a comparação das médias de forma simples (Tabela 1) não reflete somente a escolha do sistema de produção, mas também as diferenças regionais e as características de cada sistema. Ou seja, o efeito do tratamento não está isolado.
Antes de encerrar, é importante falar que a realidade da Nova Zelândia é bem diferente da nossa aqui no Brasil, e que, se fizéssemos essa análise nas nossas condições, o resultado da intensificação poderia ser diferente. Afinal, o produtor considerado de baixo uso de insumos na Nova Zelândia pode corresponder a um produtor com médio ou alto uso de insumos na alimentação das vacas, concorda?
Mas então o que podemos tirar de ensinamento com esses resultados? Que ao compararmos desempenhos de diferentes grupos de produtores temos que ter o cuidado de verificar quão diferentes esses grupos são entre eles para poder atribuir essa diferença a uma ou outra característica específica. Ou seja, comparar os comparáveis.
Gostaria de agradecer ao prof. Dr. Marcelo Dias Paes Ferreira pela indicação do artigo original e pela revisão deste texto.
Autor
Prof. Dr. Andre Rozemberg P. Simões
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS
Unidade Universitária de Aquidauana
andrerpsimoes@uems.br
Fonte
Ma, W., Renwick, A., Bicknell, K., 2018. Higher Intensity, Higher Profit? Empirical Evidence from Dairy Farming in New Zealand. J. Agric. Econ. 69, 739–755. https://doi.org/10.1111/1477-9552.12261