Vincent Pabouef1
Emílio de Carvalho Silva2
Laura Fernandes Melo Correia2
Antônio Fernandes de Carvalho2
1 Agrocampus Ouest, Renne, França
2 Departamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal de Viçosa, Brasil
1 – Introdução
O soro de leite é rico em proteínas com elevado teor de aminoácidos essenciais e lactose, além de possuir alta qualidade técnico-funcional, o que permite sua utilização em uma gama de produtos alimentícios. Baldasso (2006) acrescenta que com o aumento na produção mundial de queijo e o controle mais rigoroso da disposição de efluentes, a produção do soro se torna um dos problemas mais críticos para a indústria de lácteos. Neste caso, com o contínuo desenvolvimento de tecnologias e a crescente responsabilidade ambiental, exigida das indústrias, a imagem do soro está modificando rapidamente de efluente, como um problema, para uma fonte valiosa de nutrientes.
Além disso, vários componentes do soro podem ser purificados e comercializados no mercado com alto valor agregado.O soro de leite pode ser utilizado na fabricação de vários derivados lácteos tais como bebidas lácteas, leites fermentados, sucos, ricota, bebidas fortificadas, entre outros.
Nos processos de fabricação de produtos lácteos a partir do soro, geralmente, é realizada a etapa de coagulação térmica para recuperação das proteínas do soro. Neste processo, a agregação das proteínas se inicia com a abertura da estrutura das proteínas mediante exposição ao calor. Aumentando-se a temperatura, as proteínas do soro se desnaturam e se agregam (PARRIS, 1997).
A estabilidade térmica das proteínas do soro é de grande importância, pois a utilização de tratamento térmico é indispensável no processamento de produtos lácteos e na manufatura de produtos a base de proteínas do soro. O aquecimento induz a desnaturação, agregação e precipitação das proteínas do soro. A agregação induzida pelo aquecimento é frequentemente precedida pela mudança na conformação das proteínas, a temperaturas superiores a 60 oC (GARRETT, 1988). Sendo assim, prejudica-se a funcionalidade com relação à redução da solubilidade, propriedades emulsificantes, formação de espuma e geleificação (PATEL et al., 1990).
A presença de sais ou a variação de pH durante o processamento de alimentos contendo proteínas do soro de leite pode acarretar a agregação destas proteínas antes mesmo da temperatura necessária ao processamento (JU et al., 1999).
Para o aproveitamento do soro, existem várias tecnologias, entre as quais a ultrafiltração, técnica de filtração por membranas que promove a separação de partículas através da diferença de tamanho entre elas e que utiliza o gradiente de pressão como força motriz. Este processo é geralmente utilizado para a retenção de macromoléculas e colóides presentes em solução, utilizando membranas com um diâmetro de poro que varia entre 0,1 a 0,001 μm (BALDASSO, 2008)
Na indústria de laticínios, a aplicação da ultrafiltração começou no início dos anos 1970, com a separação e concentração de proteínas do soro para o retentado e lactose para o permeado (CARVALHO & MAUBOIS, 2009). Posteriormente, foi introduzida como uma tecnologia de fabricação de queijo devido ao seu potencial de aumentar o rendimento do produto pela incorporação de proteínas do soro e outros componentes do leite na matriz do queijo, permitindo um maior grau de controle sobre a composição do produto final (MAUBOIS, 1975). De acordo com Ribeiro et al. (2009), a produção do queijo Minas frescal utilizando-se retentados obtidos a partir da ultrafiltração de leite resulta em maior rendimento, conferindo à massa uma textura mais sólida e fechada, maior tempo de vida útil e um padrão uniforme de sabor.
Quando utilizada no processamento de leite, a ultrafiltração gera um retentado que contém proteínas, gordura e sais minerais coloidais em maiores proporções do que a encontrada no leite cru, e em um permeado constituído de água, sais minerais, lactose, nitrogênio não protéico (NNP) e vitaminas solúveis em água (ROSENBERG, 1995).
Os objetivos deste trabalho são o desenvolvimento de uma alternativa de processo para fabricação de ricota, bem como o aproveitamento do soro de leite gerado nas indústrias de laticínios.
Na coagulação térmica, as proteínas do soro, concentradas previamente por ultrafiltração, são submetidas a um aquecimento a temperaturas em torno de 90 oC, sob agitação suave, para que ocorra a formação de coágulos, processo que se inicia quando a temperatura atinge em torno de 80 °C.
2.1 - Etapas do processamento
Nesta etapa, foi utilizada uma planta piloto de Ultrafiltração da marca WGM Sistemas com uma membrana espiral de polissulfona (Koch Membranes) de porosidade 10.000 Da e área filtrante de 6,0 m². Foi utilizada uma pressão de alimentação de 3 kgf/cm² e pressão de saída de 2 kgf/cm², de modo a obter uma diferença de pressão de 1 kgf/cm². Durante esta etapa de concentração, foi utilizada a batelada modificada como forma de operação, a qual consiste em adicionar soro ao tanque de equilíbrio à medida que o permeado é retirado pelo dreno e o retentado é retornado para o tanque. Para controle da etapa de concentração, foi utilizado um refratômetro óptico manual (Alla France) que expressa, em graus Brix, o teor de sólidos em solução. O soro foi concentrado até 8,0 °Brix, valor que representa um Fator de Concentração Volumétrica (FCV) de aproximadamente 5 e equivale a um teor de proteína no retentado igual a 3,2%. Ao longo do processo, a temperatura foi mantida acima de 45 °C para diminuir a viscosidade do soro e, desta forma, reduzir também o tempo de processamento; contudo, a temperatura foi controlada de forma a não ultrapassar 50 °C, evitando-se, assim, a precipitação dos sais de cálcio e a desnaturação das proteínas do soro (especialmente a β-lactoglobulina).
Após a concentração, foi adicionado ao soro 20% de leite desnatado, percentual este calculado com base no volume do retentado. O volume adicionado foi definido por estudos preliminares realizados no Laboratório de Pesquisa em Leite e Derivados da UFV.
A mistura obtida foi ultrafiltrada novamente utilizando-se os mesmos parâmetros descritos acima, até obtenção de 11% de proteínas (FCV aproximadamente 3,5), o que é equivalente a 16 °Brix.
Para a fabricação da ricota, foi acrescentado ao retentado obtido anteriormente, 2,5% de creme (40% de gordura), o que equivale a 1% de gordura.
Para a precipitação das proteínas do soro e obtenção da coalhada, foram utilizadas, conjuntamente, as técnicas de coagulação térmica e coagulação ácida. Neste processo, o pH foi regulado para 5,9 com adição de ácido lático 85%. Alcançando-se tal valor de pH, procedeu-se a adição de 0,8% de NaCl (formulação esta estabelecida por pesquisas anteriores realizadas no Laboratório de Leite e Derivados da UFV). Em seguida, foi realizado um aquecimento, em um tanque de camisa dupla, até 80 °C com agitação lenta, em função da grande fragilidade de coágulos.
O coágulo obtido foi coletado e enformado em formas cilíndricas de 2 a 3 kg com dessorador. Em seguida, o produto passou por uma etapa de prensagem por 30 minutos para a retirada do excesso de umidade ainda presente na massa. O produto obtido foi mantido em geladeira a uma temperatura de 4 °C.
Para avaliação da qualidade sensorial do produto, a ricota obtida foi submetida à análise sensorial descritiva. Os seguintes fatores foram avaliados por cinquenta julgadores: gosto ácido, sabor lático, cremosidade, textura, intensidade de sabor e avaliação global. Em todos os quesitos foi utilizada uma escala hedônica de 1 a 9. Para os parâmetros avaliação global, textura e intensidade de sabor, a escala variou de 1 (desgostei extremamente) a 9 (gostei extremamente). Para os demais parâmetros gosto ácido, sabor lático e cremosidade, a escala alternou entre 1 (imperceptível) e 9 (altamente perceptível).
Além disso, como o volume a ser processado é minimizado, há redução na quantidade de vapor necessária ao aquecimento, durante a etapa de coagulação. A diminuição do volume proporcionada pela nova técnica também acarretou uma redução na quantidade de ácido lático necessária à coagulação, gerando um resíduo com menor potencial poluente.
Há que se ressaltar que a tecnologia adotada permitiu o aproveitamento do soro produzido na indústria, reduzindo o volume de resíduo gerado, além de possibilitar a utilização do permeado obtido da ultrafiltração (menor acidez) do soro na fabricação de outros derivados lácteos.
Os resultados da avaliação sensorial do produto podem ser observados na Tabela 2.
Parâmetros avaliados Escore médio
Cremosidade 4,32
Textura 4,14
Intensidade de sabor 5,02
Os defeitos encontrados na análise sensorial podem ser contornados pela adaptação do processo. Neste caso, diminuindo-se o tempo de prensagem do produto, este apresentaria maior retenção de água devido ao menor dessoramento da massa, acarretando uma melhoria na textura do produto. Além disso, este menor tempo reduziria o tempo de processamento.
Aumentado-se o teor de gordura na formulação do produto, poderia haver uma melhora nos parâmetros cremosidade e intensidade de sabor. Outros fatores que poderiam ser alterados são concentração de ácido lático e temperatura de
processamento, necessários à coagulação da massa; alternando-se estes valores, poderia ser obtido um binômio pH x temperatura equivalente e mais adequado ao processo utilizado (por exemplo, pH 5,7 x 72 °C ou pH 5,6 x 56 °C) (MAUBOIS & KOSIKOWSKI, 1978). Como o gosto ácido foi pouco detectado no produto, a redução do pH não acarretaria alterações indesejáveis na avaliação sensorial.
Além das modificações mencionadas, a maior retenção de água proporcionaria um aumento de rendimento no produto, gerando economia e maior lucratividade para indústria.
BALDASSO, C. Concentração, Purificação e Fracionamento das Proteínas do Soro Lácteo através da Tecnologia de Separação por Membranas. Dissertação (Mestrado em Engenharia). Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Escola de Engenharia. Porto Alegre, RS. 2008. 163p.
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