A lei que regulamenta a comercialização de alimentos para lactantes e criança de primeira infância, sancionada pela Presidência da República em 3 de janeiro, sob o no 11.265, revela uma das tantas contradições do Governo no tratamento dado à produção de leite no País.
Na seção III da nova lei, consta a exigência de inclusão no rótulo de produtos lácteos da frase "O Ministério da Saúde Adverte". A expressão "adverte" levará o consumidor a equiparar o leite ao cigarro, o único produto cujas embalagens trazem a mesma expressão, transferindo uma conotação extremamente negativa aos produtos lácteos.
Segundo avaliação da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ao exigir esta rotulagem, o legislador ultrapassou a intenção original de incentivar o aleitamento materno, gerando desinformação quanto ao valor nutricional do produto leite.
A advertência quanto ao consumo de lácteos poderá confundir a avaliação dos consumidores, pois tal exigência cabe somente aos casos em que há riscos à saúde da população, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor. As conseqüências negativas se estenderão, também, aos produtores de leite, que terão prejuízos na comercialização da produção.
Ao sancionar a nova legislação o Governo federal entra em rota de colisão com outros programas do Executivo, criados com o objetivo de expandir a produção e o consumo do leite. É o caso do Programa de Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite (IPCL), operacionalizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pela aquisição de 600 mil litros de leite para distribuir a idosos, nutrizes, gestantes e crianças a partir de seis meses de idade, nos Estados do Nordeste e norte de Minas Gerais.
Além de diminuir a vulnerabilidade social, combatendo a fome e a desnutrição, o IPCL se dispõe a incentivar a pecuária leiteira, a principal atividade agropecuária do semi-árido nordestino. Cabe lembrar que a produção de leite é a única forma de sobrevivência de produtores rurais em regiões onde, a cada período de dez anos, sete tem chuvas irregulares. Atualmente, cerca de 85% do rebanho bovino do Nordeste possui característica leiteira, o que reforça a importância do programa para a região.
Diante deste realidade regional, alguns artigos da Lei no 11.265 podem ser considerados no mínimo inadequados e contraditórios. Surgem indagações sobre qual a reação de uma mãe, com filho de 10 meses de idade, ao receber por meio do programa um litro de leite integral onde está escrito no rótulo: "O Ministério da Saúde Adverte: Este produto não deve ser usado para alimentar crianças menores de um ano de idade, a não ser por indicação expressa de médico ou nutricionista"?
Neste hora, caberia a dúvida: o leite deve ou não ser dado às crianças? Segundo as Secretarias de Saúde dos Estados incluídos no IPCL, a mortalidade infantil caiu substancialmente após a distribuição do leite, em decorrência da melhor nutrição de gestantes, nutrizes e crianças. Para a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, o leite é a principal forma de combater doenças por deficiência de cálcio na idade adulta.
No âmbito do próprio Programa de Incentivo à Produção e ao Consumo do Leite é possível encontrar novas contradições. Ao estabelecer o valor máximo de R$ 2.500,00 por semestre para as aquisições de leite, por agricultor familiar, o programa gera limites que ameaçam a sua continuidade. Esse valor permite a compra de menos de 25 litros de leite por dia de cada produtor. Se o produtor entregar 100 litros de leite por dia, conforme a Resolução no 16/2005 da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutrição do MDS, ele permanecerá no programa por apenas 45 dias por semestre, ficando sem perspectivas, após esse prazo, de comercializar o restante da produção.
Nesse ponto surge a terceira contradição nas políticas oficiais para a pecuária de leite. O governo federal disponibilizou um importante financiamento de vacas leiteiras pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para incrementar a produção e a produtividade da pecuária leiteira na região.
No entanto, o pequeno produtor que adquirir esses animais provavelmente não poderá entregar a totalidade de sua produção ao IPCL em decorrência do pequeno limite de volume a ser adquirido por produtor pelo programa.
Por último, recente estudo realizado, pela Embrapa Gado de Leite em parceria como a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Pernambuco e o Sebrae/PE, constatou que o custo de produção de leite em pequena propriedade com mão-de-obra familiar e produção inferior a 50 litros/dia é de R$ 0,44. O produtor que entrega o leite para o IPCL recebe R$ 0,52 por litro. Como o programa limita o volume de aquisição a 25 litros por dia, o que sobra para o produtor é R$ 60,00 por mês ou 20% do salário mínimo.
Com tantas contradições surge a dúvida sobre o real interesse do atual Governo em incentivar a pecuária de leite, atividade praticada em todo o território nacional por mais de um milhão de produtores, responsável pela geração de 3,6 milhões de postos de trabalho permanentes somente na produção primária.
Ações Contraditórias do Governo Federal na Pecuária de Leite
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1 presidente da Comissão Nacional da Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNPL/CNA)
2 assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)