Na minha vida de “queijornalista” e “queijofessora” globetrotter, um dos maiores prazeres é chegar no Brasil e ver a cultura do queijo artesanal florescendo e fortalecendo. Um dia inteiro de curso de cura de queijo em Araxá no último sábado (18) para uma plateia de olhinhos brilhantes e cabeça aberta para entender seus erros e acertos mostra que existem, sim, muitos produtores de boa fé no Brasil.
Queijos envelhecidos em diferentes estágios de cura. FOTO: Angelo Maneira Filho/Acervo Pessoal
No curso, apresentei soluções para construção de salas de cura, como controlar o ambiente (temperatura, umidade e ventilação) e como decifrar os defeitos de um queijo. O mais importante é fazer os alunos compreenderem que o queijo é um mundo e que o curador é Deus, ou a própria natureza, que deve controlar as populações desse mundo, determinar quais devem prosperar e quais devem ser inibidas para se alcançar o resultado desejado. Por isso, controlar todos os processos de vida de um queijo é fundamental!
Produtores de Araxá, Canastra, Diamantina, São Paulo e Goiás. FOTO: Angelo Maneira Filho/Acervo Pessoal
A noite terminou com uma confraternização promovida pela associação de produtores local. O evento foi o lançamento para a preparação de um grande festival internacional de queijo que será realizado em Araxá em agosto de 2019, com a presença de uma comitiva de produtores franceses da Guilde Internationale des Fromagers.
Marly e Joel Leite apresentaram novidades: o queijo Rudá, de 120g em formato de coração, uma parceria com a SerTãoBras; e o queijo Imperial, quadrado de 4 kg, que foi servido quente.
Queijo Rudá, batizado em homenagem ao Deus do amor tupi-guarani. FOTO: Angelo Maneira Filho/Acervo Pessoal
O professor Cleube Boari (UFVJM de Diamantina) apresentou o resultados da análise de 20 pingos (os fermentos lácteos utilizados para fazer os queijos), 17 de Araxá e 3 da Canastra, que foram coletados junto com um queijo de cada produtor.
Esses queijos foram maturados na queijaria Senzala pela curadora Marly Leite e a maioria desenvolveu o mofo branco. “O mofo está presente nos queijos”, destacou Cleube, “mas muitos produtores preferem lavar os queijos para que eles não apareçam, impedindo que o queijo floresça”. Cada produtor recebeu a análise do seu pingo. Os resultados estão linkados abaixo.
Queijos que tiveram seus pingos testados e desenvolveram mofo branco. FOTO: Angelo Maneira Filho/Acervo Pessoal
Produtores trouxeram queijos para provar. Defeitos encontrados frequentemente nos queijos trazidos pelos alunos foram rachaduras na casca, inchaço e fissuras internas com mau cheiro. A causa mais comum são bactérias butíricas, muito presentes nesse momento de seca, quando as vacas comem silagem. Elas podem estar mesmo na poeira que invade salas de cura e fabricação que ficam abertas ao vento que vem do exterior.
Com mofo ou sem mofo, tem queijos para todos
No domingo, visitei as queijarias Mineirim, de Alexandre e Berenice Honorato, e o Sítio Real, de Dalva e Reinaldo Lima, que produzem o queijo tradicional de Araxá.
Os dois concordam que essa receita tradicional, para ser chamado de queijo Araxá, deve ser lavado, para evitar que o mofo branco cresça. “O modo de fazer queijo de Araxá determina assim, e o consumidor já está acostumado, devemos preservar essa tradição”, justifica Alexandre.
Alexandre lava seus queijos todos os dias para evitar mofos. FOTO: Débora Pereira/SerTãoBras
Reinaldo e Dalva com os prêmios ganhos com o queijo do Sítio Real. FOTO: Débora Pereira/SerTãoBras
Vaca Jersey dos produtores Dalva e Reinaldo, do Sítio Real. FOTO: Débora Pereira/SerTãoBras
Seguindo viagem rumo ao Festival Fermentar
No próximo final de semana, de 24 a 27 de agosto, Brasília recebe o Festival Fermentar. O queijeiro francês Hervé Mons vai realizar cursos de cura, fabricação e análise sensorial. O evento começa com um grande debate sobre a Lei 13.680/2018, conhecida como a nova Lei do Queijo Artesanal.
Para ver mais fotos do curso de cura e da festa do queijo em Araxá, clique na foto abaixo.
Curso de cura e festa do queijo em Araxá. FOTO: Débora Pereira
As informações são do blog Só Queijo, de Débora Pereira, para o Paladar, do Estadão.