Nos últimos anos, a sazonalidade da produção de leite no Brasil reduziu significativamente, o que não aconteceu com a variação dos preços. Já se foi o tempo em que eram comuns as expressões safristas e cotistas; mesmo assim, as variações de preços continuam as mesmas daqueles tempos.
A redução da sazonalidade da produção reflete a aplicação mais rigorosa dos critérios de pagamento de leite-cota e leite-excesso e também a evolução tecnológica dos produtores que respondem pela maior parte da produção. No período de 1995 a 2003, o coeficiente de variação da produção (igual ao desvio-padrão dividido pela média, vezes cem) reduziu 6,48% ao ano; no mesmo período, o coeficiente de variação do preço reduziu apenas 0,61% ao ano.
Na explicação do comportamento sazonal do preço do leite, os seguintes argumentos devem ser destacados: 1) Ainda que a sazonalidade de produção tenha reduzido substancialmente, ela ainda existe. Em média, a diferença das produções do verão para a do inverno está em torno de 10 a 15%. 2) Há diferenças de tecnologias e de custos de produção, no verão e no inverno, da maior parte dos produtores de leite do país. O sistema de produção de leite predominante no país utiliza, no verão, pasto com pequena suplementação de concentrado, entretanto, no inverno, faz suplementação com volumosos (cana, capim, silagem) e com concentrados, em quantidades maiores que as fornecidas no inverno. Por esta razão, o custo de produção de leite no verão é menor que o do inverno. 3) O preço do leite acompanha o comportamento do custo de produção, conforme dados da Tabela 1. Maior custo, maior preço no inverno; menor custo, menor preço no verão. Na hipótese de o preço do leite ser o mesmo o ano todo, o produtor só iria produzir no verão, quando o custo fosse menor. 4) As imperfeições do mercado criam condições para o comportamento do preço do leite. O mercado sabe que, no verão, o preço de sobrevivência do produtor é menor, razão de ele suportar preços do leite menores nessa época.
Diante das questões apontadas, um ponto relevante diz respeito à tendência do mercado de leite, mais especificamente das sazonalidades da produção e do preço recebido pelo produtor. Os dados da Tabela 1 indicam que o comportamento anterior das sazonalidades deve permanecer, porque é bom negócio produzir leite, no verão, para a maioria dos produtores, visto que a margem bruta do verão é maior que a do inverno.
Tabela 1 - Preço, custo operacional efetivo de produção e margem bruta do leite no Brasil em 20033
Algumas questões metodológicas referentes aos dados da Tabela 1: 1) O custo operacional efetivo (COE) refere-se apenas aos custos diretos de custeio, tais como mão-de-obra contratada, concentrados, fertilizantes para manutenção das forrageiras, minerais, medicamentos e outros dessa natureza. Em média, o COE corresponde a 75% do custo total. 2) Os custos são apontados na época do consumo. Assim, por exemplo, os custos com silagem são anotados nos meses de inverno, embora seja preparada no verão. 3) As estimativas de COE/litro, mês a mês, correspondem à média das opiniões de 56 especialistas na produção de leite de diversos Estados do país, incluindo consultores, pesquisadores, extensionistas, indústriais e produtores de leite.
Considerando como inverno os meses de junho, julho, agosto e setembro, a margem bruta média, deste período, foi de R$ 0,1115/litro. Considerando como verão os meses de novembro, dezembro, janeiro e fevereiro, a margem bruta média, deste período, foi de R$ 0,1405/litro.
A partir dos argumentos apresentados anteriormente, pode-se chegar às seguintes conclusões: 1) O preço do leite tende a ajustar-se ao preço de sobrevivência do produtor (custo médio); 2) Sistemas de produção engessados, com os mesmos custos médios no verão e no inverno, têm maiores dificuldades de sobreviver do que os flexíveis, que ajustam os custos ao comportamento sazonal do preço do leite; 3) Mesmo com menor preço do leite no verão, a maioria dos produtores prefere este período porque o custo é menor e a margem bruta, maior; 4) A competitividade do leite produzido no pasto, no verão, deixa o país numa situação imbatível no mercado internacional ; 5) É ilusório pensar em estabilidade de preço quando se têm sistemas de produção cujos custos são diferentes no inverno e no verão.