A explicação apresentada para os preços ao produtor despencarem é um aumento de produção (fala-se que no primeiro semestre de 2005 teria havido um aumento de produção da ordem de 9%), associada a uma cotação do dólar extremamente baixa e à redução no consumo interno.
Qual o caminho para tornar o agronegócio do leite brasileiro, principalmente a pecuária leiteira, mais estável, evitando as periódicas crises do setor? É dar prioridade para o crescimento do mercado interno ou para as exportações?
A Leite São Paulo, embora reconheça a importância das exportações para absorver a oferta que exceder à procura, defendeu nessa reunião que a prioridade para se lograr o equilíbrio da cadeia láctea brasileira deve ser o crescimento do mercado interno.
Essa posição é fruto da avaliação das potencialidades das duas alternativas e das dificuldades para implementá-las.
Se conseguirmos um crescimento de forma que nos próximos 7 anos atingíssemos um patamar de exportações da ordem de 1,2 bilhão de litros de leite equivalente por ano (asseguraria cerca de 16.500 empregos permanentes no campo, se considerarmos que cada 200 litros por dia geram um emprego na produção), vencendo as dificuldades de cotação do dólar, de exigências de qualidade, de subsídios, de barreiras fiscais e sanitárias, temos que reconhecer que seria uma tremenda vitória.
Por outro lado, se nesses próximos 7 anos trabalharmos no crescimento do mercado interno para conseguir passar o nosso consumo per capta do valor médio histórico de 130 litros/habitante/ano para 136,8 litros/habitante/ano, conseguiremos, sem contar o aumento de consumo decorrente do crescimento populacional, os mesmos 1,2 bilhão de litros equivalentes por ano. É lógico que teremos que vencer dificuldades para lograr este objetivo, mas são dificuldade internas, que nos parecem mais fáceis de serem vencidas. E a potencialidade do trabalho no crescimento do mercado interno através do aumento do consumo per capta pode ser muito maior: se conseguirmos passar do valor histórico de 130 litros/habitante/ano para o valor recomendável do ponto de vista de saúde de 170 litros/habitante/ano, absorveríamos uma produção de 7 bilhões de litros equivalentes por ano, gerando cerca de 97.000 empregos diretos no campo se considerarmos 1 emprego para cada 200 litros/dia produzidos.
Ao examinarmos a análise comparativa das exportações e importações brasileira no período de janeiro a agosto de 2004 e de 2005 publicada pelo MilkPoint, alguns fatos chamam a atenção:
- no mix de exportação, o item leite em pó e leite condensado (com predomínio do leite em pó) representaram em 2004 e 2005 respectivamente 76,2% e 77,8% (em volume);
- o valor unitário das exportações nesse item em foi respectivamente de 1.343,29 US$/tonelada em 2004 e de 1.502.90 US$/tonelada em 2005, bem abaixo dos valores de importação para esse mesmo item nesses mesmos anos, respectivamente de 1.970,23 US$/tonelada em 2004 e 2.229,43 US$/tonelada em 2005;
- para o item leite em pó e leite condensado (com predominância do leite em pó) em 2004 e 2005 foram importados respectivamente 16.865 T e 26.570 T, e exportados respectivamente 27.373 T e 34.646 T, mostrando no item predominante do balanço comercial que significativa parte das exportações foram compensadas por importações (com preços unitários maiores que os das exportações).
Não parece razoável que sejam as mesmas empresas que exportam e importam leite em pó. A importação de soro de leite é muito grande, já atingiu 22.160 T neste ano e cresceu 47,3% se observado o período de janeiro a agosto de 2004 para 2005. As importações de leite em pó e de soro, se for utilizado soro para fraudar leite, agravam o excesso de oferta e contribuem para desestabilizar nossa pecuária leiteira. O monitoramento das importações de soro e de leite em pó, e o combate à fraude são fundamentais para a estabilidade do agronegócio e para o crescimento sustentado da produção nacional.
A avaliação das potencialidades e dificuldades das duas alternativas para estabilidade do agronegócio do leite brasileiro parecem indicar que a prioridade deve ser o crescimento do mercado interno focado para o aumento do consumo per capta, para o monitoramento das importações de soro e leite em pó e para o combate à fraude.
Se a cadeia láctea unir esforços para essa prioridade e para esse foco, estabelecer metas e definir e executar as ações estratégicas necessárias para atingir essas metas, teremos dado um grande passo para a estabilidade do agronegócio do leite brasileiro, o que acabará como conseqüência também favorecendo ao crescimento das exportações de lácteos.
Finalizando essas considerações, é preciso alertar para o fato do produtor ser o elo mais fraco da cadeia láctea e não ter condições de suportar por mais tempo uma queda drástica de preços ocorrida em 2005.
Para pequenos produtores de baixa produtividade, que praticamente não investem na atividade, ainda é factível reduzir produção e custos limitando gastos com concentrado. Mas, por exemplo, para abastecer o consumo do Estado de São Paulo com esse tipo de produtor, precisaríamos praticamente ocupar toda a área do Estado com pecuária leiteira, o que naturalmente é inviável sob os aspectos econômicos, ambientais e de geração de empregos. Com certeza não será esse produtor que assegurará o abastecimento do mercado interno e disponibilidades para exportação.
Para os produtores, grandes ou pequenos, que tem investido na produtividade e na qualidade do leite, a redução dos gastos na alimentação para baixar a produção é inviabilizada pelo aumento do custo fixo unitário. Estes produtores, que são os que poderão de fato assegurar o abastecimento do mercado interno e disponibilidade para exportação não podem ser desestimulados amargar prejuízos e pagar a conta das crises.
Cabe ao comércio e à indústria, que são os elos mais fortes da cadeia do leite, através de redução de margens ou até mesmo absorvendo algum prejuízo, bem como ao Governo, um esforço para reverter com urgência a queda de preços aos produtores, assegurando atividade sustentada do que investem na produtividade e qualidade, e evitar que o agronegócio do leite nacional, ao invés de se tornar auto-suficiente para abastecer o mercado nacional e para se tornar um exportador significativo de lácteos, por desestímulo desses produtores, venha a ser por muitos anos no futuro um grande importador de lácteos, como o foi ao longo da maior parte dos últimos 20 anos, consumindo divisas e transferindo para o exterior um número significativo de empregos que poderiam ser gerados no País.