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Devaneios a propósito da reestruturação das cooperativas de leite no Brasil

POR MARIA LUCIA GARCIA

ESPAÇO ABERTO

EM 19/08/2003

7 MIN DE LEITURA

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Como produtora de leite que participou de uma cooperativa de leite por muitos anos mas que nunca conseguiu ter suas cotas capitalizadas, nem receber sobras e o pior, viu virar pó o capital que colocou na cooperativa de crédito por ela criada, sou um tanto céptica quando leio sobre mudança no cooperativismo de leite, embora seja o que mais ardentemente deseje.

Recentemente li sobre as colocações feitas na reunião para a reestruturação das cooperativas brasileiras, realizada em Brasília em agosto, sob os auspícios da OCB e outras entidades, com a participação de pesquisadores conhecedores do assunto cooperativismo de leite no Brasil e no mundo.

Quando na condição de produtora, comecei a participar da cooperativa local, ela já tinha passado os seus anos pioneiros e suas primeiras lideranças haviam sido substituídas. Os cooperados não passavam de massa de manobra submissa, manipulada pela desinformação, o compadrío e o medo de ser "excomungada" .

O ponto porém que mais me chocou no contato com eles foi a sua falta de senso de propriedade da cooperativa. Anos e anos os vi consentirem transferências de valores das sobras apuradas paras contas de reservas da cooperativa para fazer face a investimentos, alguns justificáveis, outros nem tanto. Na realidade não havia interesse em fazer crescer os valores das cotas de participação dos cooperados, o que, no raciocínio dos dirigentes, significava pagar pouco quando da sua saída ou exclusão.

Nos idos 80, lembro-me que a soma das cotas de capital da cooperativa não tinha nada a ver com o valor dos ativos acumulados por ela. Era tão ínfimo esse valor que numa assembléia foi fácil mostrar que a cooperativa não tinha dono - no caso de uma liquidação, os cooperados não teriam quase nada a receber. A partir de então, votou-se que as sobras, antes de serem doadas para a própria cooperativa fossem lançadas nas contas de capital dos cooperados. Da mesma forma, as expectativas de valorização das cotas de participação em decorrência de transações efetuadas pelos cooperados através da cooperativa eram mínimas ou inexistentes. De tempos em tempos votavam-se percentuais de contribuição sobre a folha do leite para acudir necessidades de numerário da cooperativa. Outro foco de drenagem da renda dos cooperados, vinha da exigência de exclusividade no fornecimento do leite sem a contrapartida do preço de mercado.

Nessa época de quase monopólio da cooperativa, o cooperado amargava preços fixados abaixo do que estava sendo ofertado por outros captadores. A ameaça de exclusão da cooperativa aterrorizava a maioria, tinha força de uma "excomunhão", deixando o infiel, em traição sem perdão, enquanto a cooperativa se transformava numa entidade espetacular e distante, excluindo-se paradoxalmente do mercado, cada vez mais engajado em processos de concorrência de produtos e ativos. Resumindo, diria que a cooperativa era administrada fundamentalmente com viés politiqueiro. O grupo de cooperados que se elegia e se eternizava como seus dirigentes, estava mais interessado em vantagens pessoais, algumas delas beirando à fraude, do que no sucesso do empreendimento. Este foi perdendo sentido coletivo, ímpeto e energia ($$$$$...). Com isso as relações de pertencimento, fidelidade e exclusividade foram se esgarçando e os cooperados se tornaram definitivamente infiéis, enfraquecendo a cooperativa com sua inconstância, particularmente aqueles que investiram no negócio do leite, se profissionalizaram e buscaram lucrar com a atividade.

Esse viés político manteve o amadorismo na gerência da cooperativa e retardou a adoção de uma ótica econômica clara para tocar os negócios que focasse no lucro sua atenção. O eufemismo das "sobras" permitiu que esse objetivo fosse escamoteado, se prestando a destinos outros que não apenas os investimentos necessários, a capitalização das cotas e a bonificação dos cooperados.

A cooperativa acabava ficando para uns poucos fazerem a vida e a tal ponto, que perdiam o interesse pela produção de leite. Com isso, o peleguismo grassou e os dirigentes mais fortalecidos pelo sistema eram os que tinham mais capacidade de manobrar os demais nas eleições e assembléias, prescindindo de capacidade realmente empreendedora e profissional nos negócios e na produção de leite.

Não foi de se espantar pois, que, com a chegada da competição para valer, com a expansão das multinacionais nos anos 90, muitas cooperativas não tenham resistido e entregado seus ativos a troco de dívidas e outras compensações, deixando seus cooperados a ver navios, sem que nenhum movimento tenha sido feito, nem pelos cooperados nem pelo governo, para apurar responsabilidades.

Já com uma boa fatia do mercado tomado pelas multinacionais, mas ainda suficientemente representativas, as cooperativas agora estão sendo chamadas a discutir a sua reestruturação para fazer face às pressões competitivas do mercado.

Os exemplos que nos vêm de outros países quando confrontados com a tradição cooperativista leiteira do Brasil nos dão indicações preciosas para a reestruturação pretendida. É de se ressaltar que não temos nesta área como alegar superioridade como a que desenvolvemos em outras áreas do agronegócio. Tirando alguns poucos exemplos, somos ainda muito atrasados no cooperativismo de leite. Isso porque não desenvolvemos procedimentos institucionais competentes, ficamos a mercê da dominação de uma classe muito lerda na atualização das práticas de gerência industrial e comercial e na inclusão democrática e responsável dos associados.

Não cabe aqui indagar porque os cooperados e principalmente o governo, únicos investidos do direito de fiscalizar as cooperativas, não fiscalizaram ou não tiveram condições de fiscalizar. Nem porque faltou profissionalismo e enfoque econômico abrangente tanto no que se refere aos mercados como à administração competente dos ativos construídos pelos cooperados ao longo de todos esses anos. Nem adianta chorar sobre o cooperativismo pelego e o leite que derramou, e muito menos sobre o cooperado descapitalizado em suas cotas e fazendas. Ele de alguma forma colaborou com sua passividade para esse estado de coisas.

Melhor saudar a iniciativa que ora se esboça, conduzida pela entidade máxima do cooperativismo nacional, que imagino, por ver florescer em outros setores cooperativas profissionais, eficientes, voltadas para os interesses de seus associados esteja preocupada com atualização empresarial das cooperativas do setor leiteiro.

Assim podemos devanear um pouco e esperar que algumas coisas aconteçam se a iniciativa for bem encaminhada até à "empresariação" de fato das cooperativas de leite. Estou pensando no resgate da valorização das cotas de participação como instrumento de propriedade e renda do cooperado e de outros investidores, à maneira de outras propriedades mobiliárias, como ações e cotas de fundos de investimento.

Esse é um aspecto que poderá ter a maior importância nas relações dos cooperados e a direção das cooperativas pois a profissionalização administrativa de qualquer empresa nos tempos atuais implica em responsabilidade de dar satisfação dos resultados aos sócios ou acionistas.

Nesse sentido, tanto a capitalização das cotas como a distribuição das sobras, bônus ou dividendos são fundamentais, embora se possa considerar outras condições de participação como volume de transações efetuadas e geradoras de resultados, ou outras, que aumentem a competitividade das cooperativas, incluindo aí, por exemplo, o fornecimento programado do leite. Essa e outras iniciativas semelhantes, acrescentariam diferenciais de retorno para os cooperados ativos, reforçando a capacidade de competição das cooperativas.

Na seqüência, é possível vislumbrar a transformação das cotas de propriedade das cooperativas em papéis financeiros, objeto de transações, cauções, alavancamento de recursos tanto para as cooperativas como para os cooperados. Poderiam se constituir em novos meios de capitalização destas, além de promover a fidelização do cooperado.

E é claro que, para chegarem até lá, as cooperativas teriam que passar para as mãos de administradores profissionais competentes, deslocando muitos dos seus atuais dirigentes para compor os conselhos de cotistas com a nobre função de fiscalizar e avaliar a performance dos administradores e cobrar resultados.

Face a uma possível reestruturação do setor cooperativista leiteiro e a partir das primeiras colocações que estão divulgadas, muitas prefigurações podem ser feitas, a principal delas, a do produtor de leite cooperado "sem medo de ser "feliz", com seu leite pago a preços de Nova Zelândia (como está na moda nessa era de globalização), acrescido de bonificações semelhantes às que recebem os produtores daquele país, como proprietários de suas cooperativas.

É só consultar o site www.fonterra.com para entender porque lá, os cooperados exigem desempenho e resultados da sua cooperativa - eles também se comprometem com preços e cotas de fornecimento de leite que fazem sua cooperativa imbatível no mercado internacional de lácteos, gerando lucros que lhes retornam em forma de dividendos. Temos que aprender com eles.

A apropriação de fato (no bom sentido...) das cooperativas pelos cooperados trará a elas de volta a fidelidade e a exclusividade de fornecimento que perderam e em conseqüência uma força competitiva que as multinacionais não podem ter. E outra coisa, tiram delas o barato de nos pagar a preços da N. Zelândia, ficando com os nossos dividendos. Espero que isso acontecerá, se Deus quiser, por meios bem "mudernos" e capitalistas... No mais, viva Caetano Veloso!

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JOÃO BATISTA FREIRE

OUTRO - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 24/08/2003

Na minha ótica a reestruturação das Cooperativas está em acabar com as Coop. Singulares. A grande maioria nenhum benefício traz ao produtor e sim prejuízos: vários cargos Diretivos, cabide de empregos, falcatruas e etc. Estamos pagando um preço alto para uma estrutura arcaica, não transparente e perniciosa.TEMOS QUE DAR UM BASTA.

Acredito no cooperativismo: sem paternalismo, sem nepotismo, transparente e que pense 100% no produtor de Leite. Queremos uma Central de compras transparente-Ração c/ preço justo-Seguro de Vida-e tantos outros serviços. ACREDITO NUMA COOPERATIVA CENTRAL ÚNICA- cujo interesse maior seja o Produtor de Leite. Vai uma sugestão: Cooperativa Brasileira de Leite-CBL.
JOAO ALEQUE PO;O

OUTRO - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 19/08/2003

Concordo plenamente com o artigo da Sra. Maria Lucia A. Garcia.
Acrescentaria ao artigo a necessidade de concientização dos cooperados, fazendo com que saibam e entendam e sintam que sao os verdadeiros donos da cooperativa. Para isso, com legitimos e plenos poderes de cobrar e exigir competência de seus diretores (líderes) na adiministração e operação da mesma.

Que se preciso for usar a mais forte arma da democracia, qual seja: o instrumento da pressão coletiva e ordeira.


Joao Aleque Poço

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