Comparações com a Argentina sempre foram inevitáveis. Em alguns aspectos, cada lado se considera indiscutivelmente melhor que o outro. Por exemplo, reúna um brasileiro e um argentino e pergunte: quem foi o melhor jogador de futebol de todos os tempos? Onde estão as melhores churrascarias do mundo?
Mas em outros aspectos, o consenso é mais facilmente encontrado. Ninguém discorda que os dois países juntos formam uma superpotência agropecuária, capaz de ditar as regras de comercialização ou pelo menos influenciar o mercado de muitas das principais commodities agrícolas, como a soja, a carne, os cítricos e o leite.
Infelizmente, estamos muito atrasados em termos de coordenação de ações para uma maior integração regional, inclusive no que se refere ao agronegócio. O Mercosul, embora auspicioso, tem muitas arestas a serem aparadas e até agora não se traduziu em efetivo poder de barganha de seus membros frente aos outros atores importantes no cenário do comércio internacional de produtos agrícolas.
No caso do leite não poderia ser diferente. Brasil e Argentina possuem vantagens competitivas e comparativas claras, das quais não tiram proveito. E novamente as comparações são inevitáveis. O que a Austrália ou a Nova Zelândia têm que nós não temos? O que falta para que a cadeia láctea tanto no Brasil como na Argentina alcance a importância que têm outras cadeias, como a soja, o algodão ou a carne?
A explicação está, em parte, na chamada dependência de trajetória ou path dependence, um conceito introduzido na Teoria Econômica para relacionar a evolução histórica das instituições com a performance econômica, segundo o qual o presente e o futuro de uma organização ou de uma sociedade são conseqüência das instituições vigentes.
Ou seja, o que seremos no futuro depende um pouco do que somos hoje, que por sua vez depende um pouco do que fomos ontem. Tudo influenciado pelas regras de jogo representadas pelas instituições. Seja na política, seja no futebol, seja na atividade produtiva, inclusive de leite. Trocando em miúdos, é pouco provável que um dia a Nova Zelândia seja uma potência do futebol, assim como dificilmente Brasil ou Argentina tenham uma organização como a Cooperativa Fonterra neozelandesa.
Obviamente, essa é apenas parte de uma possível explicação. De qualquer maneira, pelo menos por curiosidade, vale a pena conhecer alguns dados sobre nosso mais tradicional vizinho, parceiro e competidor.
A pecuária leiteira argentina, que já teve altos e baixos espantosos, vive um momento de franca recuperação depois da catastrófica crise cambial de 2001 / 2002. As explorações que sobreviveram estão mais eficientes, a cadeia está mais organizada (embora ainda falte um enorme caminho a percorrer), os preços tanto domésticos como internacionais estão atrativos tanto para o produtor como para a indústria.
Em linhas gerais, um retrato da atividade leiteira da Argentina de hoje nos mostraria o seguinte: 12 a 13 mil produtores produzindo 8.750.000.000 litros por ano, o que posiciona o país como nono produtor mundial. Desse total, aproximadamente 80% se destina ao consumo interno, que gira ao redor de 170 a 180 equivalentes-litro/habitante/ano.
Existem aproximadamente 900 usinas no país, e apenas nove delas são responsáveis pela recepção de metade do volume total produzido. Na indústria a concentração também é grande: 80% do mercado de lácteos estão nas mãos de apenas três empresas.
O quadro abaixo mostra mais alguns dados e uma comparação com os números no Brasil. Uma interessante observação que se pode fazer nesse dados é sobre o baixo volume das exportações de ambos países. Isso demonstra uma significativa dependência de seus mercados internos, muito suscetíveis a variações de poder aquisitivo provocadas pelos vaivens da economia. Apesar de a Argentina apresentar um volume de exportação quatro vezes maior que o Brasil, seu principal e mais tradicional cliente até bem pouco tempo atrás éramos nós, o que dá no mesmo. Esse quadro, contudo, parece estar modificando-se. O USDA prevê que este ano a exportação de lácteos pela Argentina será recorde e os principais destinos serão Argélia, México e Venezuela.
Quadro 1 - Alguns dados sobre a produção leiteira na Argentina e no Brasil
Fontes: SAGPyA - Secretaria de Agricultura Ganaderia, Pesca y Alimentos de la Republica Argentina
CIL - Centro de la Indústria Lechera Argentina
AACREA - Asociación de los Consórcios Regionales de Experimentación Agrícola - Argentina
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
EMBRAPA Gado de Leite
USDA
(*) Estimativas. Não foi possível encontrar dados concretos, recentes.
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1 Engenheiro Agrônomo pela ESALQ - USP, Mestrando em Agronegócios pela Universidad de Buenos Aires