ESQUECI MINHA SENHA CONTINUAR COM O FACEBOOK SOU UM NOVO USUÁRIO
FAÇA SEU LOGIN E ACESSE CONTEÚDOS EXCLUSIVOS

Acesso a matérias, novidades por newsletter, interação com as notícias e muito mais.

ENTRAR SOU UM NOVO USUÁRIO
Buscar

Estabilização microbiológica de soro de queijo de cabra e de ovelha

LIPA/UFV

EM 28/08/2023

10 MIN DE LEITURA

0
5

O soro de queijo é um coproduto proveniente do processamento de queijo (MACEDO et al., 2021). Em grandes laticínios o soro é estabilizado por secagem em spray-drying e posteriormente utilizado como ingrediente em diversos alimentos, como produtos lácteos e produtos de panificação (DA SILVA et al., 2018).

Por outro lado, os soros oriundos da fabricação de queijo de leite de pequenos ruminantes são raramente aproveitados como ingredientes devido ao menor volume produzido, a menor tecnificação/recursos financeiros dos produtores e a pulverização das queijarias em diferentes regiões, que impede o processamento em sistema cooperativado (ANAND et al., 2013).

Assim, os soros gerados no processo de produção de queijos de ovelha e cabra, na maioria das vezes, são destinados à alimentação animal ou descartados, reduzindo o ganho monetário dos pequenos produtores (DE OLIVEIRA et al., 2020; KAUR et al., 2020) e podendo causar impacto ambiental negativo, ainda que em pequena escala, se forem despejados em leito de rios sem prévia estabilização (MACEDO et al., 2018).

A alta concentração de lactose e o pH neutro tornam o soro um alimento de alta perecibilidade (ZOTTA et al., 2020). A microbiota do soro contempla as culturas adicionadas durante a produção dos queijos, especialmente bactérias lácticas (ZOTTA et al., 2020), os contaminantes oriundos da falta da higienização e/ou manipulação excessiva no preparo de queijos, e os microrganismos termodúricos presentes no leite cru que sobrevivem ao processo de pasteurização do leite (PALA et al., 2016). Assim, estes microrganismos podem ter resistência térmica variada.

Considerando a disponibilidade de equipamentos e nível de tecnificação dos produtores artesanais, a melhor alternativa para o aproveitamento do soro é o desenvolvimento de bebidas com este coproduto (TRIBST et al., 2020). Neste cenário, a aplicação de um tratamento térmico para redução da contagem microbiológica dos soros é essencial (TRIBST e LEITE JÚNIOR, 2022, SANTOS et al., 2023a).

Por outro lado, escolha dos binômios de tempo e temperatura desse tratamento é crítica, uma vez que as proteínas do soro são termo sensíveis e o aquecimento pode levar à sua desnaturação e agregação, resultando na formação de sedimentos (DUMITRASCU et al., 2013), que são indesejáveis para a produção de bebidas (TRIBST et al., 2020). Desta forma, esse artigo técnico apresenta o impacto de diferentes binômios térmicos aplicados no soro de cabra e ovelha visando sua estabilização microbiológica.

Aplicação de processos térmicos para estabilização microbiológica do soro de cabra e ovelha

A Figura 1 mostra as curvas de inativação microbiológica obtidas em diferentes amostras de soros de queijo de cabra e ovelha processados em diversos tempos e temperaturas. Como era de se esperar, ambos os soros tinham uma alta contagem inicial de microrganismos, entre 107 e 108 UFC/mL e, apresentaram diferentes curvas de inativação, o que está diretamente relacionado com diferenças na microbiota inicial presente. Neste sentido, é importante ressaltar que a maior população de microrganismos presente em soro é oriunda das culturas starters  (tradução livre: iniciais)adicionadas para cada tipo de produto, sendo as contagens iniciais observadas compatíveis com o esperado para os queijos (ZOTTA et al., 2020). 

Figura 1. Curvas de morte térmica de microbiota naturalmente encontrada em soro de queijos de ovelha e de cabra

Curvas de morte térmica de microbiota naturalmente encontrada em soro de queijos de ovelha e de cabra
Fonte: Os autores

A diferença de resistência térmica da microbiota nos diferentes soros pode ser relacionada com a resistência das culturas starters inoculadas, sendo que, no caso de culturas termofílicas, a taxa de inativação será menor do que a das culturas mesofílicas em uma mesma temperatura, o que explica a diferença entre as amostras avaliadas. Além disso, a existência de outros microrganismos em menor quantidade, como contaminantes ou microrganismos termodúricos (PALA et al., 2016; ZOTTA et al., 2020), também podem resultar em diferenças nas curvas de morte térmica e, especialmente, na formação de um perfil não linear de inativação (GABRIEL et al., 2020).

No caso das amostras de soro de ovelha, as curvas de inativação sugerem a presença de um pool de microrganismos caracterizados por diferentes resistências térmicas (sensíveis, intermediárias e resistentes). Para a fração sensível, foram determinados valores de D de 60,8 ± 9,3min (62ºC), 29,3 ± 1,7min (65ºC), 11,1 ± 0,8min (68ºC) e 1,2 ± 0,2min (70ºC); enquanto que, para temperaturas ≥75ºC, aquecimento até a temperatura de processo foi suficiente para inativação total desta carga microbiana. Para a microbiota com resistência térmica intermediária, foram determinados valores de D de 35,4 ± 4,7min (70ºC) e 14,1 ± 0,6min (75ºC), sendo que temperaturas ≤ 68ºC foram insuficientes para inativar esta fração e aquelas ≥ 80ºC a inativaram completamente no processo de aquecimento. Finalmente, foi observado que o soro de ovelha apresentou uma microbiota resistente (8 a 18 UFC/mL) à todas as condições estudadas (até 85 ºC/ 30 min), sugerindo a presença de uma fração de microrganismos esporulados no soro, provavelmente oriundos do leite.

Já para o soro de cabra estudado, foi observada uma microbiota mais homogênea e de menor resistência térmica, sendo estabelecidos valores de D de 64,4 ± 0,8 min (62 ºC), 33,9 ± 0,9 min (65 ºC), 11,4 ± 1,0 min (68 ºC), 5,4 ± 1,0 min (71 ºC) e 1,7 ± 0,9 min (75 ºC). Por outro lado, processos realizados em temperaturas ≥ 80 ºC resultaram em população residual de 2 UFC/mL, independentemente do tempo de processo. Assim, para este soro, provavelmente existia uma microbiota dominante de bactérias starters de baixa resistência térmica e um residual pequeno de termodúricos.

Para avaliar a estabilidade microbiológica durante a estocagem refrigerada (7 ºC), os soros, adicionados ou não de açúcar, foram submetidos a diferentes tratamentos térmicos, sendo escolhidos os binômios 68 ºC/20 min, 75 ºC/6 min e 80 ºC/1 min para soro de queijo de ovelha e 71 ºC/20 min, 75 ºC/5 min e 80 ºC/1 min para soro de queijo de cabra.  As Figuras 2 e 3 mostram os resultados obtidos, ao longo da estocagem refrigerada, para as contagens de microrganismos mesófilos e psicrotróficos nas amostras de soro de queijo de ovelha e de cabra, respectivamente.

Figura 2. Contagem de microrganismos mesófilos e psicrotróficos totais em soro de queijo de ovelha, adicionado ou não de açúcar, processado em diferentes binômios térmicos e estocados por 21 dias a 7ºC

a-d Letras diferentes indicam diferenças significativas para a mesma amostra ao longo da estocagem (21 dias). Fonte: Os autores

 

Figura 3. Contagem de microrganismos mesófilos e psicrotróficos totais em soro de queijo de cabra, adicionado ou não de açúcar, processado em diferentes binômios térmicos e estocados por 28 dias a 7ºC

a-d Letras diferentes indicam diferenças significativas para a mesma amostra ao longo da estocagem (21 dias). Fonte: Os autores

Para ambos os soros, foi observado que a adição de açúcar não resultou, de forma geral, em incremento da microbiota contaminante inicial ou grandes alterações na taxa de crescimento durante a estocagem. Além disso, conforme esperado, os binômios mais intensos resultaram em maiores inativações da carga microbiana inicial, resultando em contagens mais baixas no tempo zero. Comparando-se as contagens iniciais de microrganismos mesófilos e psicrotróficos, também se observou que houve dominância dos mesófilos, o que se correlaciona com a esperada distribuição de microrganismos presentes na microbiota nativa (TRIBST e LEITE JÚNIOR, 2022, SANTOS et al., 2023).

Durante a estocagem houve crescimento tanto de microrganismos mesófilos como psicrotróficos, atingindo contagens de até 108 UFC/mL em soro de queijo de ovelha e de cabra. O aumento das contagens ao longo do tempo foi, para a maioria das amostras, diretamente relacionado à carga microbiana inicial, atingindo maiores valores para as amostras submetidas a tratamentos térmicos mais brandos. Por outro lado, mesmo após os tratamentos térmicos mais severos (80ºC / 1 min), que resultaram em contagens residuais muito próximas de zero, foi observado crescimento nos tempos maiores de estocagem (acima de 14 dias), com então, alta velocidade de multiplicação e consequente altas contagens ao final da estocagem.

Isso indica que, mesmo após submeter os soros a processo mais extremos, capazes inclusive de afetar sua estabilidade física (DUMITRASCU et al., 2013), conforme demostrado na Figura 4, não é possível inativar todos os microrganismos presentes no soro e que, mesmo em baixas contagens residuais, estes microrganismos podem crescer sob condições de refrigeração. A avaliação destes dados sugere que este comportamento se refere a uma população esporulada e adaptada à baixas temperaturas, possivelmente explicada pela cadeia do frio envolvido em todo sistema de produção leiteira. Mesmo que essa população represente 0,00001% da carga microbiana inicial, dada as condições de processo, ela tem a oportunidade de crescer e deteriorar os soros tratados termicamente. Sendo este crescimento possivelmente favorecido pela ausência de microrganismos competidores (CANON et al., 2020).

Figura 4. Figura ilustrativa de separação de fase após 28 dias de estocagem de soro de queijo de cabra processados nos binômios 71ºC/ 20 min, 75ºC/ 5 min, 80ºC/ 1 min e 85ºC/1 min.


Fonte: Os autores.

Considerações finais

Considerando as contagens observadas (Figuras 2 e 3) e a estabilidade física das amostras (Figura 4), observa-se que o melhor binômio para processamento térmico dos soros pode ser generalizado como 75ºC / 5 min, condição capaz de garantir uma vida de prateleira entre 14 e 21 dias. Por outro lado, caso seja desejável aumentar a vida de prateleira dos soros para tempos superiores, é necessário associar outras barreiras ao crescimento microbiano, como acidificação (FELLOWS, 2000), uso de antimicrobianos (ANUMUDU et al., 2021, LEITE JÚNIOR e TRIBST, 2022) e/ou adição de culturas bioprotetoras (CANON et al., 2020; LEITE JÚNIOR e TRIBST, 2022), uma vez que a aplicação de tratamentos térmicos mais severos causaria danos a estrutura do produto (Figura 4).

 

Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.

 

Autores

Fabio Ribeiro dos Santos (Engenheiro de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)

Damaris Moura Leal (Estudante de Engenheira de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas – EAL/UNICAMP)

Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)

Dra. Alline Artigiani Lima Tribst (Pesquisadora e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação, Universidade Estadual de Campinas - NEPA/UNICAMP - São Paulo)

 

Agradecimentos: Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento do projeto (n°2020/10930-9); ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6) e a A.A.L. Tribst (n°305050/2020-6)

 

Referências bibliográficas

ANAND, S. et al. Whey and whey products. Milk and Dairy Products in Human Nutrition: Production, Composition and Health, p. 477-497, 2013.

ANUMUDU, C. et al. Recent advances in the application of the antimicrobial peptide nisin in the inactivation of spore-forming bacteria in foods. Molecules, v. 26, n. 18, p. 5552, 2021.

CANON, F. et al. Understanding the mechanisms of positive microbial interactions that benefit lactic acid bacteria co-cultures. Frontiers in Microbiology, p. 2088, 2020.

DA SILVA, D. F. et al. Physical and functional properties of cheese powders affected by sweet whey powder addition before or after spray drying. Powder Technology, v. 323, p. 139-148, 2018.

DE OLIVEIRA, I. K. C. P. et al. Proximate composition determination in goat cheese whey by near infrared spectroscopy (NIRS). PeerJ, v. 8, p. e8619, 2020.

DUMITRASCU, L. et al. Assessing the heat induced changes in major cow and non-cow whey proteins conformation on kinetic and thermodynamic basis. Small Ruminant Research, v. 111, n. 1-3, p. 129-138, 2013.

FELLOWS, P. Principles and practice. Food processing technology, 2nd ed., ed. Ellis Horwood, Chickester, UK, p. 369-380,  2000.

KAUR, N. et al. Recent developments in purification techniques and industrial applications for whey valorization: A review. Chemical Engineering Communications, v. 207, n. 1, p. 123-138, 2020.

Gabriel, A.A., et al. Fates of pathogenic bacteria in time-temperature-abused and Holder-pasteurized human donor-, infant formula-, and full cream cow's milk. Food Microbiology, v. 89, artigo 103450. 2020.

LEITE JÚNIOR, B. R. d. & TRIBST, A.A.L. Use of nisin and bioprotective lactic cultures to extend the shelf life of sheep and goat cheese whey. Food Bioscience, v. 50, part A, article 102096, 2022.

MACEDO, A., et al. A contribution for the valorisation of sheep and goat cheese whey through nanofiltration. Membranes, v. 8, n. 4, p. 114, 2018.

PALA, C. et al. Shelf life evaluation of ricotta fresca sheep cheese in modified atmosphere packaging. Italian journal of food safety, v. 5, n. 3, 2016.

SANTOS, F. R.d., et al. Kinetic parameters of microbial thermal death in goat cheese whey and growth of surviving microorganisms under refrigeration. Journal of Food Process Engineering, v. 46, n.1, artigo e14191, 2023.

TRIBST, A. A. L. et al. Manufacture of a fermented dairy product using whey from sheep's milk cheese: An alternative to using the main by-product of sheep's milk cheese production in small farms. International Dairy Journal, v. 111, p. 104833, 2020.

TRIBST, A. A. L. & LEITE JÚNIOR, B. R. d. C. Heat treatment design for the valorization of sheep cheese whey in artisanal production. Research, Society and Development, v. 11(9), artigo e20911931776-e20911931776, 2022.

ZOTTA, T. et al. Valorization of cheese whey using microbial fermentations. Applied Microbiology and Biotechnology, v. 104, n. 7, p. 2749-2764, 2020.

 

 

 

 

0

DEIXE SUA OPINIÃO SOBRE ESSE ARTIGO! SEGUIR COMENTÁRIOS

5000 caracteres restantes
ANEXAR IMAGEM
ANEXAR IMAGEM

Selecione a imagem

INSERIR VÍDEO
INSERIR VÍDEO

Copie o endereço (URL) do vídeo, direto da barra de endereços de seu navegador, e cole-a abaixo:

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração. Obrigado.

SEU COMENTÁRIO FOI ENVIADO COM SUCESSO!

Você pode fazer mais comentários se desejar. Eles serão publicados após a analise da nossa equipe.

Assine nossa newsletter

E fique por dentro de todas as novidades do MilkPoint diretamente no seu e-mail

Obrigado! agora só falta confirmar seu e-mail.
Você receberá uma mensagem no e-mail indicado, com as instruções a serem seguidas.

Você já está logado com o e-mail informado.
Caso deseje alterar as opções de recebimento das newsletter, acesse o seu painel de controle.

MilkPoint Logo MilkPoint Ventures